Manoel Aparecido Gonçalves, 61 anos, é conhecido como “Peixe” desde seus oito anos (veja abaixo a história do apelido). Como o apelido lhe é muito querido, considerado por ele boa parte de sua identidade, o seu maior sonho sempre foi incorporá-lo formalmente ao nome próprio.
Assim, sua filha, Priscila de Souza Gonçalves, vendo-se formada em Direito pela UEMG (Passos), e que já atuava em um escritório de advocacia, mas nunca tinha empreitado uma ação sozinha, acreditou que sua primeira ação a defender em “carreira solo” poderia ser a realização do sonho do pai, ou seja, entrou na Justiça para fazer com que o apelido do pai se transformasse em nome.
Ela conta que a ação transcorreu rapidamente. “A ação foi proposta em maio passado e a sentença foi proferida na quarta-feira passada, (7/12). Busquei várias provas, entre elas, que o apelido era público e de muitos anos. Apresentei até um recibo que meu pai recebeu em 1994 onde consta o apelido, fotos de 1976 em que aparece o apelido e, principalmente, que isso não iria trazer nenhum ônus a outras pessoas”, conta a advogada e filha orgulhosa.
Priscila ainda somou comprovantes negativos de qualquer processo na Justiça comum, criminal e de trabalho, demonstrando que o fato de o pai incluir o apelido ao nome de registro não significava qualquer tentativa de fugir de responsabilidades.
Segundo a advogada, de acordo com a lei de registro público, o cidadão não pode mudar o seu prenome, a não ser que seja algo muito vexatório, porém admite a inclusão. “Foram ouvidas testemunhas que disseram que conhecem meu pai pelo apelido há 30 anos. Tudo isso facilitou o ganho da ação”.
Priscila aconselha a todos na mesma situação, tentarem fazer o mesmo. “Depende do desejo da pessoa. No caso de meu pai, apelido é uma marca muito forte, tanto o é que a maioria das pessoas não sabe o nome dele”, conta Priscila, dizendo que quase chorou quando houve o ganho da causa.
A história do apelido
Manoel é agora Manoel “Peixe” Aparecido Gonçalves e conta como foi que ele passou a ser conhecido como Peixe. “Quando eu estava com oito anos, fiquei curioso para encontrar um passarinho conhecido como ‘peixe frito’, que canta com dois assobios curtos sequenciais, geralmente no meio da noite, muito difícil de se ver. Um conhecido, o Márcio José Ferreira, hoje contador aposentado, viu eu imitando o passarinho, procurando-o. Tempos depois, nós estávamos jogando bola e ele passou a me chamar de peixe frito, espalhando o apelido a todos os meus colegas, o que seria atualmente considerando bullying, mas eu não achei ruim”, conta Peixe.
Ele diz que no mesmo momento todos passaram a chamá-lo de “peixe frito”, porém, com o passar do tempo, a palavra “frito” desapareceu e ele ficou sendo somente “peixe”.
“Como a história de meu pai desapareceu, não tinha referência de nome, de quem eram meus avós, e toda a minha ascendência paterna, recebi bem o apelido, pois era uma maneira de ter uma identidade. Eu tinha um nome, mas não tinha uma origem. Conforme foram passando os anos assumi o apelido. Cheguei a titubear em lembrar meu nome”, relata ele.
O Márcio, “dono da arte” de ter apelidado o conhecido, foi testemunhar no processo de incorporação ao nome, juntamente com o Roberto “Martelinho de Ouro”. Os depoimentos foram tão bem fundamentados, que colaboraram para transforma Peixe, no Peixe que é hoje.
“Foi a realização de um sonho”, disse Peixe. Agora, o próximo passo é mudar os documentos, que trará o nome novo, porém os números permanecem os mesmos. O registro civil será atualizado em breve com o apelido como parte do nome. Estou me sentindo o chefe do cardume”, diz com bom humor.
Negócio de família
Peixe diz que trabalhou em diversas profissões. Foi funileiro, pintor, atuou como juiz de futebol e em tudo era o Peixe, ninguém sabia o seu nome verdadeiro. Até que resolveu abrir uma lanchonete, para servir sanduíches, tendo a esposa como seu braço direito.
“Coloquei o nome de ‘Esquina do Peixe Lanchonete Ltda. ME’, porque faz 30 anos que eu moro no local e todos o chamam de ‘esquina do Peixe’. Compramos chapa, tudo preparado para vender lanches. Estávamos acabando de arrumar o espaço quando entrou um casal e pediu peixe. Não estávamos preparados para aquilo, mas tinha uma tilápia na geladeira, nós fritamos e servimos e assim nasceu a ‘Esquina do Peixe’, que nunca foi uma lanchonete. Não vendemos um lanche na vida, doamos todos os ingredientes que havíamos comprado para fazer sanduíche, a chapa está guardada há sete anos em cima da laje, nunca fritei um ovo. Não sabíamos nada sobre servir peixe, mas enfrentamos o desafio. O peixe é nosso negócio de família”.