Ela era muito jovem, quase uma menina. A roupa mais mostrava que vestia as pernas roliças, nádegas firmes, rosto brejeiro, cabelos bem curtos. O caminhão enorme parou à beira da rodovia, esperando. Ela se dirigiu para lá e subiu na boleia.
Eram nove horas da manhã. Um fato comum, neste mundo cruel. Em muitas avenidas, antes do meio-dia, lá estão as jovens à espera dos fregueses, para vender seu corpo. Analisar o porquê dessa situação nefasta, apontar as causas que levam uma quase adolescente a semelhante opção é algo complexo...
Banalizaram-se também os locais e horários. Antes eram as damas da noite; hoje, a qualquer hora, nos lugares mais inesperados. Elas não frequentam motéis caros, não têm seu retrato em books de hotéis 5 estrelas, oferecidos aos grandes empresários e importantes homens de negócios. São as garotas que se comercializam por cachês irrisórios, como lojas populares, feiras, liquidações.
Por que o episódio comum me tocou tanto? A imaginação, já revoltada, recrudesceu. Enquanto me afastava dali e o caminhão tornava à rodovia, pensava naquele corpo sem futuro, naquela menina de vida envenenada, alma e corpo marcados para sempre.
O otimismo tentou amenizar a mazela. Há muitas que se salvam, são até felizes, mais tarde. Todavia, a realidade, explícita e crua, repeliu a hipótese pueril, absurda, romântica, alicerçada no complexo da Dama das Camélias. Em muitos livros do Romantismo há prostitutas de alma branca, que acabam encontrando o amor. E, invariavelmente, a moral da Escola Literária acaba por matá-las no final.
Ora, já foi dito que se for dado um psiquiatra para cada prostituta, todas deixariam a terrível profissão, a mais velha do mundo. Não sei se hoje a asserção ainda é válida. Com a inversão de valores, a libertinagem e a permissividade, o relaxamento da moral, aceita-se normalmente a prostituição. É uma solução infeliz diante das mais diversas chagas sociais.
Assim, mesmo conhecendo a realidade no dia a dia, na mídia, na literatura, por que a cena da jovem prostituta, subindo no caminhão, comoveu-me tanto? Talvez porque a manhã era muito azul, a natureza muito verde, tudo belo e puro, indiferente à tragédia humana. Fui tomada por enorme pessimismo.
Como a vida é de essência dinâmica, uns dias depois o coração abrandou. Tentei me esquecer do episódio trágico e arquivei-o no Departamento das Causas Perdidas.
Vieitez Lisboa é escritora.
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