O artesão Gilvan Dias Mutuca, o Gil, encontrou na arte feita com bambu motivo para se reerguer de um momento delicado em sua vida e que se tornou seu ofício desde então. De fala tranquila e visão de um verdadeiro empreendedor, ele acredita que a união dos mais diferentes segmentos do município, cada qual realizando trabalhos de importe relevância para a sociedade, é o caminho para desenvolver o município e criar oportunidades para aqueles que buscam crescimento profissional. Natural de Salinas, no Norte de Minas Gerais, filho mais velho do casal Jovenita Rodrigues Mutuca e Manoel Dias Mutuca (já falecido), casado com Maria José e pai de Gilvan Junior e Adele Maria, Gil vem ao longo de toda essa trajetória tocar sua via por meio da arte que tanto ama e também buscando promover o desenvolvimento do artesanato no município.
Jornal do Sudoeste: Como sua família veio para São Sebastião do Paraíso?
G.D.M.: Meu pai saiu de Salinas em 1978, naquela época a região passava por uma seca muito forte e a população estava precisando de ajuda. Disseram que no Sul de Minas tinha serviço e tinha chuva, e meu pai e várias outras pessoas vieram para esta região com a intenção de buscar a família depois, porque ele tinha somente o dinheiro para vir. Ele conheceu um fazendeiro na região de São Tomás de Aquino que em uma conversa arrumou o dinheiro para que meu pai e esses outros companheiros que vieram junto com ele buscassem suas famílias. Eu tinha oito anos e tinha outros dois irmãos, depois nasceu a minha irmã caçula. Trabalhamos em diversas fazendas daqui da região, como no Sapé, Mumbuca, Giubilei, enfim, percorremos diversas fazendas, sempre trabalhando em curral eu e meu pai. Na última fazenda que moramos, na Mumbuca, tivemos condições de comprar uma casa na cidade e então nos mudamos para Paraíso. A partir de então, passamos a ter outras oportunidades de emprego, comecei a trabalhar no ramo da construção civil, isso durou 17 anos. Logo após meu pai veio a falecer e eu passei a tomar conta da casa. Nos idos de 90 conheci minha esposa, nos casamos e construímos a nossa vida a partir de então.
Jornal do Sudoeste: Como o artesanato com bambu surgiu na sua vida?
G.D.M.: Isso aconteceu em 2003, eu tinha 33 anos, uma idade de transição. Enfrentava alguns problemas de saúde e pessoais. Quando me questionam como foi que esse material surgiu, eu costumo dizer que não somos nós que escolhemos algumas coisas, algumas coisas nos escolhem. Neste momento de dificuldade, fui convidado para dar assistência em uma fazenda, foi lá o primeiro contato que tive com a planta, mas até então não havia um vínculo, quando numa tarde passamos próximo a um bambuzal e havia um gomo de bambu que alguém cortou e deixou ali (ainda guardo esse bambu). Eu coloquei esse gomo debaixo do braço e levei para casa; fui questionado, mas não sabia responder, mas a partir desse dia eu não consegui ficar sem passar por aquele bambueiro para ouvir aquele som. Isso se tornou uma obcessão e esse material passou a ser a minha matéria prima de trabalho e a partir daí as coisas foram acontecendo.
Jornal do Sudoeste: Você passou a buscar especialização sobre arte com bambu?
G.D.M.: Sim, eu queria saber mais. Naquela época a internet não era algo tão acessível, era só lan house que tinha para se ter acesso. Na época eu procurei a Acissp para ver ser tinha algum curso de formação, porque ela sempre apoia essas ações. Na época me conseguiram uma enciclopédia que falava sobre empreendedorismo com bambu, mas não tinha nada muito focado na prática. Eu pesquisando daqui e dali, acabei descobrindo um curso técnico em Viçosa, mas também não tinha nada prático, até que um dia uma amiga da minha mãe disse que tinha uma cadeirinha de bambu que precisava ser consertada e perguntou se eu não queria tentar arrumar. Nessa cadeira, desmontando e montando, conseguir aprender todas as amarrações, sem nenhum curso, tinha somente o curso técnico que me forneceu o conhecimento da história do bambu na humanidade e conhecimento de um processo químico para o tratamento da maneira que eu nunca usei, porque era algo voltado mais para edificação e construções, mas era um curso muito bom no conhecer a planta. No Brasil nós temos uma cultura de que a peça feita com o bambu não dura, de que não presta, sendo que é um mito.
Jornal do Sudoeste: E você chegou a fazer outros cursos?
G.D.M.: Sim. Nessa busca por conhecimento, apareceu uma oportunidade de fazer um curso em Cássia, o senhor Vitor, que morava naquela cidade e tinha vindo para Paraíso para um encontro de artesanato, falou de um curso que haveria lá após, durante uma conversa entre nós, e eu falar que não tinha muita especialização. A turma já estava fechada, mas ele fez um contato e conseguiu me encaixar, me recebeu na casa dele e fiquei uma semana fazendo esse curso. Acho que era para acontecer. Por eu já saber montar as peças e fazer as amarrações, e como o professor sabia disto, na quarta-feira ele dividiu a turma, eu fiquei com seis alunos e ele com seis, fez isso para acelerar o aprendizado dos alunos porque tínhamos pouco tempo. Acabei dando aula, ensinando, e trocando esses conhecimentos. O professor, Rodrigo, que era de Florestal e trabalhava para o Senar, nesse meio tempo, nós conversamos muito, e essa troca de experiências acabou sendo uma “pós-graduação” para mim. Todo o conhecimento que ele tinha, ele me passou. Eu saí de lá pronto para dar aula.
Jornal do Sudoeste: E te permitiu a tocar um projeto junto a APAE. Como isso aconteceu?
G.D.M.: Era um projeto de habilidades manuais, eles tinham a necessidade de alguém que pudesse oferecer esse trabalho e eu acabei me encaixando nesse perfil. À época houve uma filtragem, então participaram somente os alunos que queriam. O projeto durou cerca de um ano e quatro meses, e foi interrompido por uma questão de interpretação da previdência. Todos os alunos tinham benefícios, e como a Apae comercializava aquele trabalho, poderia ser concluído que eles não eram incapacitados e interromper esse benefício e tinham família que dependiam disto. Houve a proposta para que eu pudesse levar esse trabalho para a casa dos meninos, mas não houve interesse dessas famílias e a outra proposta era de que o trabalho fosse apenas terapêutico, sem produção, e não vi muito sentido, então o projeto parou.
Jornal do Sudoeste: Como surgiu o Balaio Mineiro e qual a sua importância?
G.D.M.: O Balaio nasceu da união de 16 municípios em torno de um mesmo projeto, fundando a Federação de Associações e Produtores Caseiros do Sul e Sudoeste de Minas Gerais, que tem o nome fantasia de Balaio Mineiro. Muita gente acha que o Balaio é uma feira, mas não, é uma federação sem fins lucrativos e existiu exatamente para poder desenvolver uma região dando vitrine para um setor na economia que existe e que não cresce e se desenvolve por falta de visibilidade e falta de oportunidade. Muitas pessoas questionam que quando o Balaio vem artesãos de outras cidades também vêm para vender, mas da mesma forma nós também vamos até onde o Balaio está. O Balaio Mineiro é convidado a ir para o município, e lá ele vai para fazer comércio, promover a interação entre os artesãos e ser vitrine e modelo para os daquele município. Da mesma maneira que outros vêm para cá, nós também vamos onde o Balaio estiver. Eu mesmo já estive em Poços de Caldas, Piumhi, Carmo do Rio Claro, ou seja, é uma interação com aquele setor da economia, é diferente de uma feira que aparece para pegar o dinheiro da população, não traz para, traz um produto de outra região, e depois vai embora, sem acrescentar nada. O Balaio não, ele é para o desenvolvimento desse setor na economia: o artesanato.
Jornal do Sudoeste: Desde que você começou, você acredita que houve desenvolvimento deste mercado no município?
G.D.M.: Esse mercado é bem oscilante, mas você pode ter certeza que público tem, e qualquer pessoa que trabalha com arte sabe disto. O público não depende de recurso financeiro, mas sim de cultura, ele tem que entender o que você representa e sabe reconhecer o valor daquele trabalho.
Jornal do Sudoeste: O que é preciso para desenvolver este setor em Paraíso?
G.D.M.: Temos material político, humano (pessoas boas, hospitaleiras e que respeitam o próximo), vasto material artístico e espaço para isto. Acredito que falta integração, temos que reunir todo mundo em uma mesa e discutir o que pode ser feito para que haja um crescimento coletivo. Sabemos que em Paraíso há várias pessoas correndo e fazendo um trabalho bonito. A sociedade é complicada, mas o associativismo e cooperativismo, sendo sem vaidade e com os fins que eles representam, é uma ferramenta muito forte, não tem como dar errado. Trabalhando juntos nós criamos oportunidades. Acredito que precisa sentar todo mundo à mesa e conversar, para que todos os setores possam crescer em conjunto.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você desses 48 anos e dessa trajetória até aqui?
G.D.M.: Após ter passado por um problema de saúde, me considero realizado como pai, como marido, como profissional. Tenho alguns projetos para futuro, meu menino está formando, o que é uma conquista muito grande porque dos mais de 40 sobrinhos na minha família ele é o primeiro a terminar uma universidade e no Brasil não é qualquer pessoa que estuda, ele enfrenta algumas dificuldades, mas se você ouvir a história de todo mundo, todo mundo passa por isso. Para o futuro, tenho o projeto de participar de ações que possam desenvolver a cultura no artesanato no município, já temos tudo para isto, mas é preciso reunir todo mundo e ter esse diálogo.