Judiciário não tem tanto motivo para alarde, afirma juiz da Vara Criminal de Paraíso

Por: Redação | Categoria: Arquivo | 30-03-2003 00:00 | 1033
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As mortes recentes de dois juízes, um no interior paulista, outro no Estado do Espírito Santo do Estado em menos de um mês, tem causado certo alvoroço entre magistrados. Discute-se a necessidade de proteção policial mais efetiva e constante. São Sebastião do Paraíso não tem ficado longe da realidade de outras cidades maiores e sua população presencia um aumento gradativo da taxa de criminalidade, mas segundo o juiz da Vara Criminal, Osvaldo Medeiros Neri, a situação não é motivo para grandes alardes.
"É necessária a atitude de se reivindicar maior segurança, mas desde que sem alarmismo. A situação é delicada nesse momento, e há uma certa razão que justifique esses movimentos repetitivos como aconteceu com o índio Galdino, (pata-chó queimado vivo por jovens de classe média), mas não chego a imaginar que a situação é alarmista ao ponto de todos os juízes receberem uma proteção específica. A questão é justamente dar atenção àqueles que estão numa situação de risco maior," afirma Neri.
Uma das alternativas mencionadas pelos magistrados para combater o problema, seria o julgamento anônimo, onde a identidade do juiz que proferisse condenações em que o risco de represálias fosse grande, seria mantida em absoluto sigilo. Sobre isso, o membro do Judiciário afirma que não é uma solução para o impasse. "Em primeiro lugar, a Constituição estabelece de forma clara que a pessoa só pode ser processada por um juiz competente e para se definir a competência, nós precisamos saber quem é o juiz. Isso seria uma forma de ceder espaço à intimidação. Não creio que seja esse o caminho," salienta. 
Para resolver o problema, o juiz aponta como alternativa a reaparelhagem e adoção de sistemas de segurança mais avançados, com nível de alta tecnologia "O caminho é o aparelhamento policial em nível estadual e maior atenção no que diz respeito a investigação do crime organizado, ao acompanhamento às vezes um pouco mais prolongado desses mesmos criminosos. Não vejo razão para que de uma hora para outra se interfira no trabalho judiciário, até porque, o papel que nós exercemos não é insubstituível. Se saio eu ou o juiz B, virá um outro ocupar o lugar vago e fazer o mesmo serviço. Esta intimidação ou tentativa de intimidação não vai chegar a lugar algum.
O que acontece é que diante de uma notícia como essa, a pessoa que está intimidando é que assume o ônus de garantir a integridade da pessoa ameaçada. Se uma pessoa faz uma ameaça, neste mesmo instante ela assume o ônus de garantir a integridade do ameaçado, porque se algo acontecer, ele é o responsável," salienta Neri. 
A população não só paraisense, mas de todo o Estado, reclama muito da falta de segurança, colocada em destaque com a morte dos juizes recentemente. Espera-se que alguma mudança importante ocorra agora, posto que, pela primeira vez o sistema judiciário também está sentindo o desamparo da Federação em relação à integridade da vida. "Não vejo por esse ângulo. O que aconteceu foram dois casos em situações diferentes e não se tem dúvida que foi um ato de abuso. Mas, de uma maneira geral, não existe sensação de insegurança no âmbito do poder Judiciário, porque situações como esta ou coisas desse tipo já aconteceram em inúmeras outras vezes sem que nós nos intimidássemos de qualquer forma," assegura.
Acusações de que o sistema judiciário tem sido cada vez mais maleável e burocrático em relação aos crimes envolvendo tóxicos e grandes quantidades de dinheiro é geral por parte da população paraisense. Sobre isso, Neri expressa suas justificativas. "Nós temos dois problemas: o processo chegando no Fórum, ele tem uma solução, vai ser julgado, o juiz vai pedir decreto condenatório, mas nós identificamos falhas nessas duas etapas que são a de inquérito, elucidação de delitos e a parte de execução. Temos problemas no início e no fim, no meio que é o papel do Judiciário, tem desempenhado a contento," ressalta. 
O processo criminal é composto por várias etapas. "Temos duas atuações: o poder Executivo e o poder Judiciário. O poder Executivo atua na fase de inquérito e todo aparelho policial no que diz respeito a identificação dos delitos, autoria, preparação do inquérito policial e oferecimento desse inquérito ao Ministério Público que também é um Órgão do Poder Executivo. O Judiciário atua no meio, justamente em receber a denúncia, processar o sujeito, garantir a ampla defesa e emitir o decreto absolutório ou condenatório, para que novamente essa sentença seja entregue ao Poder Executivo, que executará aquela ordem do juiz e aí entrará no âmbito de presídio.
Obviamente que existe uma falha nessa primeira fase de investigação, a polícia efetivamente não tem aparato científico para apurar de uma maneira bastante razoável. Na fase final, também há erros na parte de execução de pena. Digo falha não no sentido de inexistência propriamente dita de penitenciária ou cadeia. A falha é de execução mesmo. Casos em que o sujeito é preso, está preso cumprindo pena e não se resguarda a ele os seus direitos, para que possam voltar a comunidade de uma maneira que seja efetivamente ressocializada. Infelizmente isso não acontece no Brasil. A cadeia hoje tem caráter apenas punitivo, não tem caráter reeducativo," explica. 
O juiz aproveita para fazer uma crítica à toda população, segundo ele, alheia à necessidade de uma reestruturação comunitária. "Existe uma aversão muito grande da população à população carcerária, porém as pessoas esquecem que não existe pena perpétua no Brasil. Mais cedo ou mais tarde, todo presidiário volta para a rua. O que nós todos devemos fazer é cuidar para que essa pessoa volte bem para o seio da sociedade. É imprescindível que haja uma acolhida do povo," aconselha.
O índice de criminalidade tem aumentado progressivamente em Paraíso. É cada vez mais freqüente a apreensão de drogas, latrocínios, assaltos e até assassinatos. Sobre isso, Neri afirma que teve conhecimento de que a PM vai implantar um sistema de segurança muito mais efetivo. "Acredito que nos próximos meses, esta questão será amenizada. O problema do crescimento da criminalidade não é localizado. É importante que nós saibamos disso. Isto é um fenômeno nacional. Há um fortalecimento das organizações criminosas, grande incidência de crimes aumentando o teor de gravidade. Denomino isso como um problema de base," opina.
A teoria de Neri consiste em afirmar que o Estado de uma maneira geral, e não só o Judiciário, está cometendo algumas falhas na base. É onde nasce o criminoso. Em tese, ele nasce na família, com pequenas transgressões e vai evoluindo. Na escola, também há inadimplências, mas os pais relevam e isso cria a sensação de impunidade. De uma maneira geral, ele pratica atos infracionários, atinge a maioridade e pratica crimes. 
Sobre a situação de Paraíso, fatores que aumentam a criminalidade, segundo o juiz, são a proximidade do Estado de São Paulo, contato com o crime organizado e a rota do tráfico de entorpecentes, sendo que o porte médio da cidade também é um fator de influência. "A grande maioria dos crimes do município, são cometidos por pessoas que moram aqui. O que eu tenho observado é que, sobretudo os crimes graves, foram cometidos por pessoas que nasceram aqui. Isso não envolve só a atuação da polícia ou do Judiciário, mas sim toda a comunidade
O juiz afirma ter uma característica que é não se intimidar com tanta facilidade. "Somos treinados quanto à isso. No que diz respeito à medidas de segurança, é obvio que tomamos algumas precauções. Segurança existe, mas não é ostensiva. Não vejo, pelo menos por hora, necessidade de tomar uma medida tão radical como requerer guarda especial. Porque isso terminaria por provocar uma privação de minha liberdade," afirma.
Neri acredita que a posição a ser adotada pela comunidade deve ser outra. Ao invés de querer manter longe da sociedade, pessoas que cometeram infrações e crimes, a trabalhar para que sejam novamente respeitadas enquanto cidadãs, posto que ex-presidiários são cidadãos que já cumpriram a pena creditada ao seu erro. "Nós temos que acreditar no ser humano. Por pior que seja o delito não podemos imaginar, simplesmente, que essa pessoa está condenada. Nós, seres humanos, não temos o poder de julgar ninguém. O juiz julga os fatos, não julga se alguém é bom ou mau, não temos esse poder. Se uma pessoa passou pela cadeia ou penitenciária, ela pagou pelo erro que cometeu, cumpriu a sentença do juiz. Isso não quer dizer que eu tenho julgado e dito que ela não serve para viver em comunidade. O que nós esperamos é que haja uma participação efetiva, não só no que diz respeito a coibir o nascimento do criminoso, mas passando a nos preocupar mais com nosso próximo. De uma outra forma, acompanhar uma execução de pena. São pessoas daqui, de famílias conhecidas, temos que salvar essas pessoas. Eles vão pagar pelo crime cometido, e quando voltarem à comunidade, devemos ajudá-los. Com isso, conseguiremos diminuir um pouco esse índice. Mas todos temos responsabilidades quanto à isso, não só o juiz," concluiu. Elezângela de Oliveira