Um futuro de papel e latinha Paraisenses contam como ganham a vida com a reciclagem

Por: Redação | Categoria: Arquivo | 04-05-2003 00:00 | 1227
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Conseguir o pão do dia a dia está se tornando cada vez mais difícil. Na atual situação, toda a forma de obtenção de dinheiro é bem vinda. Uma atividade que aumenta a olhos vistos e, se afirma, tem dado certo nas ruas de Paraíso, é a coleta de materiais recicláveis, responsáveis pelo aumento na renda familiar ou até mesmo única fonte de sobrevivência para um crescente número de pessoas.
Valdomiro Pereira das Neves tem 48 anos e sofre com diversas complicações de saúde. Cansado, sob o sol do meio-dia, ele caminha vagarosamente pelas ruas da cidade. Sua profissão é lavrador, mas proibido de trabalhar nas lavouras por um enfarto há cerca de três meses, ele encontra nos papéis, papelões e metais uma oportunidade de renda para manter a si mesmo e sua mãe, a única pessoa com quem divide uma casa humilde no Jardim Planalto. 
"Comecei a trabalhar com a coleta a partir das pessoas que já faziam isso antes, eu pego nas ruas e vendo para um ferro velho. Tem dia que eu estou meio ruim e nem saio de casa, mas tem dia que eu consigo pegar alguma coisa. O problema de coração e a falta de ar atrapalham bastante, tomo um remédio controlado direto, hoje mesmo estou em falta dele. O sol quente também atrapalha. Vendo a R$0,10 o quilo de papel e o papelão a R$0,15. Faz dois meses que estou trabalhando nisso," conta.
As desvantagens em trabalhar com a coleta de materiais recicláveis, segundo ele, são muitas. "Tem hora que preciso revirar lixo, não é muito bom não, eu trabalho nisso por necessidade, porque ninguém arruma serviço para mim. Ficam com medo por causa que eu já tive enfarto, se eu tivesse um serviço maneirinho, para eu não esforçar tanto, seria melhor. Por exemplo, o braço, não posso erguer muito, porque dói demais. Se eu tivesse me aposentado, eu não teria procurado essa vida," afirma Neves. 
"O dinheiro que eu ganho não dá para sustentar a casa, o dia que eu ganho mais é R$10. O carrinho em que eu carrego o material, foi feito por mim. Moro com a minha mãe que é aposentada, mas mesmo assim não tem jeito. O que recebemos é a continha de pagar as contas no fim do mês. Começo de manhã pela Vila Formosa, passo pela Venceslau Brás, desço no centro e à tardezinha, desço até o local onde vendo. Tem muitas pessoas que até guardam material para mim, guardam caixeta, ferro velho, mas faço um dinheirinho a mais só quando ganho alguma coisa. Tenho sinusite há mais de 20 anos, sofro com uma dor de cabeça constante, tem vez que ataca muito forte, tomo uma base de dois a três analgésicos por dia," reitera..
Apesar da idade e dos inúmeros problemas de saúde, o catador de papel afirma não conseguir deixar de trabalhar. "Não tenho paciência de ficar parado dentro de casa, nem posso. Tá aumentando a quantidade de pessoas que estão catando papel. Quando chega a apanha de café, diminui bastante, porque é mais vantajoso ir paras as fazendas, mas fazer o quê? Não tenho outra alternativa," salienta.

QUANDO CATAR PAPEL VIRA UM GRANDE NEGÓCIO
Paulo Sérgio Pimenta, 30, está em Paraíso há três meses buscando ampliar a abrangência de mercado e é natural de Altinópolis, São Paulo. Foi levado a catar papel há oito anos por causa do desemprego. "Eu achei que era um bom meio de ganhar dinheiro. Hoje eu passo a juntar e posso comprar, tirando o meu ordenado por mês. É sofrido. Tem que ter muita força de vontade, porque se não tiver opinião, não tem jeito. A gente é muito ignorado, na boca do povo, somos lixeiros. Só que é disso que eu tiro uma renda, que eu trato dos meus filhos, pago minhas contas, pago o que eu preciso e compro o que preciso. Com latinha, garrafa e papelão," conta. 
Ganhando em média R$20 por dia, Pimenta tanto cata como compra papel, plástico, sucata, material fino. "Quando a gente está comprando é R$30 por dia, porque a gente ganha R$15 e os outros R$15 é lucro de compra. Ganho, compro e junto material, depois levo para as melhores firmas de Ribeirão Preto, porque quando a gente entrega muita coisa, demora para receber, leva 30, 40 dias, e quando entrega pouca coisa, recebe à vista, e às vezes também recebe cheque pré-datado para 30, 60 dias, isso depende do tipo de mercadoria," explica. 
"A dificuldade que a gente enfrenta é que geralmente eu e a minha esposa compramos tudo à vista. Às vezes ao invés da gente entregar, nós recebemos em cheque, aí tem que esperar um tanto de dias, muitas vezes longe de casa, e tendo que ir no banco descontar. Ocorre de você vender bem, ter uma melhora de preço, ocorre da pessoa dar um cheque sem fundos para ganhar tempo. A gente acaba sempre saindo um pouco prejudicado," salienta. 
Pimenta tem 3 filhos pequenos e sua esposa trabalha em parceria no mesmo ramo. "Não tenho registro em carteira, só que a gente tem de tudo aqui. Quando nós dois éramos registrados, não ficávamos fixos de jeito nenhum porque sempre que você pensava que estava sossegado no serviço, o patrão estava dispensando porque não tinha dinheiro para pagar. Faço serviços gerais. Comecei por conta própria. Mas como catador, se trabalha muito para ganhar pouco, estávamos passando por dificuldades. Aí surgiu esse negócio de juntar latinha., Na época, eu comecei a fazer de Batatais a Paraíso, só na beira do asfalto. Ajuntava uma Kombi cheia, só que também como eu tinha começado, eu não sabia ao certo os lugares melhores de preço," explica. 
"Eu entregava para uma firma que era intermediário, no caso um ferro velho, iguais a muitos que existem aqui em Paraíso. Não ganhava quase nada. Ganhei um dinheirinho, resolvi passar a comprar, fiquei com muito medo de tomar prejuízo, chegar lá e não dar nada certo, arrisquei e venci. Hoje eu conheço essa região toda. Não sou lá aquelas coisas, não estou bem de situação, mas só que não troco esse serviço para entrar de registro na carteira de jeito nenhum," salienta.
Atualmente, Pimenta compra material reciclável de toda a região, embora mantenha o principal mercado no Estado de São Paulo. "Tenho uma Pampa, só com ela dá para levar bem. Ás vezes um freguês tem muita mercadoria, é um pouco sofrido, mas dá para ganhar. Quando está ruim de preço aqui, eu passo para lá e vice-versa. Vendo para me manter e ganho uma média de R$400 a R$1000 por mês," nota. 

COMO A COLETA PODE AJUDAR UMA FAMÍLIA
José Carlos dos Santos, 25, é casado, pai de dois filhos, frentista desempregado desde fevereiro. Já exerceu várias profissões e agora, busca nos materiais recicláveis, uma forma de sustentar sua família com dignidade. "Eu estava parado e resolvi mexer com a coleta. Já faz mais de 2 meses que eu vendo para o Paulo. Vendo plástico, papelão, latinha, cobre, vendo tudo. E com esse dinheiro, dá para manter bem a casa," comenta.
Como Valdomiro e Paulo, José Carlos acha que a principal dificuldade do seu trabalho é o preconceito das pessoas. "É muito difícil chegar, pegar o lixo na rua. O pessoal, o dono da casa acha ruim com a gente. Pergunta o porquê de estar mexendo, mas muita gente até deixa separado o material. Ainda assim, ajuda bem ,é melhor do que ficar à toa," explica.
Para sua esposa Ednéia Santos Costa, 20, a iniciativa de trabalho do marido ajuda muito. "O desemprego está demais, e com esse dinheiro dá um bom descanso. É bom, melhor do que ficar parado, mas o José Carlos preferia ter um emprego fixo. É bom ter algo em que trabalhar, mas para nós, que não temos muitas condições, fica difícil. O dinheiro acaba sendo pouco," fala.
"Eu vendo um quilo de ferro a R$0,10, o papelão é a R$0,17 e o plástico é R$0,15. Dá para sair uma média de R$10 a R$15 por dia. Por enquanto, passamos um pouco apertado, mas não enfrentamos nenhum problema de saúde, o que é bom porque as poucas despesas que temos passam a ser com a alimentação," concluiu.