Comemora-se no 1.º de Maio, o Dia do Trabalhador. Data muito importante para todos os profissionais que batalham arduamente todos os dias para manter suas respectivas casas e famílias. Nesta data o público referencial, via de regra são os adultos, pouco se comenta a respeito de uma minoria cada vez mais jovem que vende a sua força de trabalho a custos irrisórios.
Falta de condições financeiras e desestruturação familiar são os principais motivos que levam diariamente milhares de crianças às ruas ao invés das escolas. Problema comum nas grandes cidades, o trabalho infantil tem se tornado cada vez mais corriqueiro nos municípios do interior, inclusive em São Sebastião do Paraíso. Mais do que um convite à reflexão, o Jornal do Sudoeste busca nesta reportagem alertar não só os órgãos públicos competentes, como também toda a população paraisense que direta ou indiretamente concordam com essa realidade.
Márcio Fernando da Silva tem 13 anos e está na segunda série do ensino fundamental. O correto seria estar no meio do período ginasial, mas segundo afirma, repetiu de ano várias vezes, causa que atribui às suas constantes faltas. "Trabalho há três meses como engraxate para ajudar a minha mãe, a situação lá em casa está muito difícil, meu padrasto foi preso por causa de briga," conta enquanto espreita as pessoas que saem de um grande supermercado.
Desanimado com a falta de clientes, o garoto começa a falar sobre a sua família. "Na minha casa moram eu, o meu irmãozinho, minha irmã e minha irmãzinha de colo e não tem ninguém que nos ajude. Minha mãe está desempregada, mas de vez em quando ela faz uns bicos. Quinta e sexta agora ela vai trabalhar, mas depois, só Deus sabe," explica.
"Se eu pudesse escolher, escolheria brincar, mas como é preciso, ajudo minha mãe. Tiro de R$5 a R$6 por dia. Desse dinheiro, pego uns R$2 para eu comprar comida. Estou feliz assim. Meu pai mora na roça, sinto um pouco a falta dele, acho que seria melhor se estivesse em casa," comenta com ar desapontado.
Magro, pequeno, Márcio aparenta ter no máximo 8 anos. Todos os dias ele percorre um longo caminho entre o Bairro São Judas e o centro da cidade. Alí, ele permanece engraxando sapatos até por volta das 4 h. Não recebe o Bolsa-Escola ou Bolsa-Alimentação. O único benefício que vem do governo é o Auxílio Gás, que consiste em R$15 a cada dois meses, menos da metade do valor atual que se paga em Paraíso num botijão.
Junto ao pequeno Márcio, trabalha William José da Silva, que também mora no São Judas. "Faço isso para ajudar minha mãe. Somos em seis pessoas em casa, fora meu pai que é separado. Moramos apenas ela e meus irmãos. Estou na terceira série, gosto de trabalhar, venho para cá às 7 horas da manhã e vou embora às 5 da tarde," conta.
Em relação à escola, William se considera um aluno aplicado, gosta de freqüentar as aulas, indo trabalhar no período da manhã somente quando não há dia letivo. "Estudo de manhã, porém hoje não teve aula, quando tem aula, fico em casa olhando meus irmãos para a minha mãe trabalhar. Hoje, vim para cá porque minha irmã não foi na escola e aí, ela fica em casa, cuidando dos menores. Mas, se fosse para escolher, de qualquer forma, ajudaria minha mãe, sempre," reitera..
William não sabe o que quer ser quando crescer, afirma não ter sonhos. Conta que recebe uma bolsa escola de R$15, mas que o dinheiro é a conta do arroz que consomem durante o mês. "No futuro quero trabalhar, mas não sei como, o importante para mim é construir a minha família," confessa finalmente.
"SEI O QUE É SENTIR FOME"
Ao contrário de William e Márcio, Jean Carlos de Oliveira é alto, loiro e tem uma aparência saudável. Também, é extremamente necessário que assim o seja, posto que carrega diariamente dezenas de quilos de materiais recicláveis sob o sol escaldante do meio-dia, no relevo acidentado de Paraíso. Tem 14 anos, mora com a mãe e o padastro, que no momento desempregado, procura por um serviço na zona rural. "Minha mãe procurou pelo Bolsa Alimentação, mas não conseguiu. Trabalho o dia todo e ganho cerca de R$6. Parei de estudar na terceira série, eu estudava no São João da Escócia. Resolvi trabalhar para ajudar em casa e além do mais, eu tenho dificuldade para aprender, eu não entendo direito," afirma com conformismo.
Jean mora no João XXIII e trabalha desde os 10 anos. "Cato papelão, plástico, ferro, latinha e vendo para um ferro velho perto da minha casa. Com o dinheiro que ganho, eu compro comida e geralmente fico muito cansado. Ando em todo lugar dessa cidade. Porém, sei o que é sentir fome, já passei por isso muitas vezes. Minha mãe é doméstica e o meu padastro é lavrador, mas agora os dois estão desempregados. Começo a catar papel às 7 da manhã, tenho apenas uma hora de almoço, paro às 4 da tarde. O carrinho que eu uso é do dono do ferro velho," explica.
O garoto afirma ainda que junto a ele trabalham mais 4 garotos, todos estudam de manhã. Seus nomes são Ednelson, Edgar e Diego, têm 15 anos e moram no João XXIII. "Na minha casa, passamos por dificuldades, mas mesmo os meninos que recebem alguma ajuda do governo trabalham. Não é muito fácil não, quando não acho muito material, fico triste, porque eu ganho de acordo com o que arrecado," salienta.
Esses pequenos trabalhadores já passaram por várias humilhações. Muitas vezes são confundidos com vândalos, marginais, drogados. Por inúmeras situações já foram agredidos, ofendidos expulsos como animais. Portas de restaurante, sorveteria e doceria são ambientes proibidos para os pequenos profissionais que todos os dias enfrentam o olhar indiferente ou de piedade das pessoas.
Jefferson Gustavo da Costa Cunha tem13 anos, embora aparente apenas 6. Pelas ruas de Paraíso cata papelão, latinha, litro, entrega folheto de propaganda, vende sorvetes, faz de tudo o que for necessário. "Moro no bairro Itamaraty, divido a casa com a minha mãe, avó, três tios, um primo e quatro irmãos. Comecei a trabalhar para ajudar minha mãe. Ela trabalha na apanha de café, mas agora está numa fábrica que faz borrachinha para seringas. Meus pais são separados. Todo dia trabalho das 7h até meio-dia, e quando falto de aula, trabalho o dia todo. Mas, prefiro ir sempre à escola. Gosto de trabalhar. Melhor trabalhar porque a gente cresce com honestidade, independente do que a gente faça," ressalta..
Davi Costa da Silva é irmão de Jefferson, tem 8 anos de idade e não estuda. Afirma que foi por falta de vaga, sua mãe não conseguiu colocá-lo na escola. Parou na segunda série, mas confessa que não acha nem um pouco ruim. "Não gosto de estudar. Por dia ganhamos em média 10 reais. É por causa desse dinheiro que meu irmão menor tem leite todo dia para tomar. Meus tios trabalham, mas com o nosso dinheiro, pelo menos podemos garantir que uma parte das despesas serão pagas. Quando não tem leite, meu irmãozinho chora. Mas, nós vamos crescer e ser médicos. Aí, as coisas vão ser diferentes, se Deus quiser. Pode acreditar, moça," concluiu sorrindo.