ELE POR ELE

Xaropinho: Correndo por amor ao esporte

“O dia que as pessoas deixarem de sonhar elas morrerão...”
Por: João Oliveira | Categoria: Cidades | 03-09-2018 15:03 | 981
Xaropinho é corredor e, recentemente, participou da  22.ª edição da Meia Maratona da Cidade do Rio de Janeiro
Xaropinho é corredor e, recentemente, participou da 22.ª edição da Meia Maratona da Cidade do Rio de Janeiro Foto: Arquivo Pessoal

O corredor de rua, José Geraldo Sales, popularmente conhecido como Xaropinho, divide seu tempo entre o trabalho e as corridas, esporte que começou como hobby na sua juventude e já perdura há mais de 20 anos. Sales é filho do casal Rosa dos Santos Sales e Antônio Machado Sales (já falecido), que migraram do norte do Estado de Minas para o Paraná e, logo após, se estabeleceram em uma fazenda na região da Guardinha, onde ele viveu boa parte da sua infância até se mudar para a comunidade rural de Água Limpa. Hoje, sócio-proprietário de uma prestadora de serviços, casado com a servidora pública Daiana Hipólito Amante Sales e pai da pequena Maresa, de quatro anos, Xaropinho já participou de mais de 500 corridas e hoje sonha poder participar de uma disputa internacional. É emocionado que ele fala do amor pelo esporte e como isto tem feito bem a sua vida.

Jornal do Sudoeste: De onde vem sua família?
J.G.S.: Meu pai era nortista, natural de Berilo, e a minha mãe, hoje com 76 anos, é de Porteirinha, cidades no Norte de Minas. Meus pais sempre viajaram muito, e grande parte da minha família também é do Paraná, tanto que meu avô há muito anos arrendava terras naquele estado. Meu pai saiu de casa muito novo, quando tinha 15 anos; ele não tinha muito estudo e sempre gostou muito de lidar com o campo, viajou praticamente o Brasil todo, mexendo com animais de corte e plantação. Em certa época meu pai conheceu minha mãe, em uma dessas andanças, e dessa união nasceram meus irmãos Márcia, Luiz Carlos, o Antônio Marcos, eu e a Elisângela. Uma união muito bonita. 

Jornal do Sudoeste: Como vocês vieram para São Sebastião do Paraíso?
J.G.S.: Meus pais não tinham muito paradeiro. Então meu pai conheceu um empresário que trabalhava no ramo da agropecuária no Paraná, e tinha outras fazendas, uma delas que fica na região da Guardinha, é conhecida como Ribeirão Fundo. Assim, nós viemos para cá, eu ainda estava no ventre da minha mãe. Meus irmãos são todos paranaenses, mas eu vim a nascer aqui. A partir de então, passamos a viver nesta região, principalmente próximo ao distrito de Guardinha. Após, meu pai foi trabalhar na fazenda do Leonardo Cerize, na comunidade de Água Limpa pela qual temos um carinho muito grande. Depois de dez anos morando lá, mudamo-nos para Paraíso, onde moro há 23 anos.

Jornal do Sudoeste: Como foi sua infância durante essa fase?
J.G.S.: Foi uma das melhores. Quando vivia na Guardinha, nossa brincadeira era rodar pneu, jogar bolinha de gude com meus amigos. À época os recursos dos meus pais eram poucos,  então brinquedos eram raros. Tínhamos uma bola, mas quando furava não tinha mais... sou de uma época que montávamos minicur-rais e fazíamos os boizinhos com limões. Estudava na zona rural, foi uma educação exemplar, agradeço muito a esses professores com os quais ainda tenho contato. Porém, não cheguei a concluir os meus estudos, porque naquela época ou a gente estudava ou trabalhava, então fui até o 7º ano, mas tenho planos de voltar, porque faz muita falta. Hoje eu faço um curso de bombeiro civil e me apaixonei por esta área.

Jornal do Sudoeste: Você chegou a trabalhar na roça também?
J.G.S.: Sim. Sempre ajudei em casa, mesmo que fossem pequenas as tarefas como descascar milho para tratar de galinhas, cuidar dos animais. Quando fui crescendo, aprendi a fazer outras coisas, então trabalhei em granja, na colheita de figo – que na região da Água Limpa é muito forte, trabalhei na colheita de café. Os serviços sempre foram muito braçais, então fazia adubação em plantações... Mas agradeço muito aos meus pais, e quando passamos por isso, passamos a dar mais valor à família, ao trabalho e passamos a respeitar mais aos outros porque quem lida com roça não é fácil, é um trabalho penoso e difícil e na maioria das vezes não recompensado ou valorizado.

Jornal do Sudoeste: Hoje o que você faz para prover o sustento da sua família?
J.G.S.: Hoje eu tenho uma prestadora de serviços que se chama “JJ Prestadora de Serviços”. Tenho um sócio e trabalhamos no ramo de pintura imobiliária, fazemos elétrica, hidráulica, sou o famoso “Severino quebra-galho”. A empresa nasceu da minha parceria com o meu sócio, João Marcos, há 13 anos.

Jornal do Sudoeste: De onde vem o apelido “Xaropinho”?
J.G.S.: Poucas pessoas conhecem esta história. Fui cobrador de ônibus por um bom tempo na Viação Nasser. Na época a rota era Paraíso/Jacuí, passávamos pelo Hotel Termópolis para tomar café e deixar pão fresquinho para os hospedes. Ia começar a trabalhar, mas o uniforme nunca que chegava. Fui alguns dias para aprender o trabalho e no dia que comecei precisava estar uniformizado, então ganhei a camisa de um e a caça de outro, mas ficou tudo um pouco largo, a calça parecendo uma bombacha. A camisa era manga curta e cobria quase todo o braço, e tinha a gravata, mas eu não sabia dar o nó e foi o senhor Antônio Atair, que era o motorista da época, quem me ajudou. A gravata passou da cintura. Quando cheguei ao Hotel Termópolis, desci e uma amiga minha olhou para mim e disse que eu estava muito engraçadinho e parecia o Xaropi-nho do programa do Ratinho, na época, nos idos de 97 e 98, este programa era muito famoso. A princípio não gostei, mas foi passando o tempo, apareceu a corrida na minha vida e o apelido ficou.

Jornal do Sudoeste: E como surgiu a corrida de rua na sua vida?
J.G.S.: Eu morava na comunidade da Água Limpa, e na época jogava futebol e queria algo a mais para desenvolver a corrida em campo, e assim comecei a correr. À época, meu irmão mais velho havia participado de uma edição da Corrida de São João, ele havia me contado que tinha gostado muito e me chamou para correr no próximo ano. Decidi participar, nos idos de 97 para 98, e tenho essa medalha de honra ao mérito até hoje. Depois, fomos participar da Corrida Integração, em Campinas, juntamos nós dois e mais um amigo e formos participar desta corrida, em 98. Recordo que a largada foi no Largo do Rosário, no centro de Campinas. Após, conhecemos a família do Sebastião e seus dois filhos, o Danilo e Daniel Naves, que corriam também. Participamos de outras corridas como a Volta ao Cristo em Poços de Caldas, e fomos fazendo amizade até todos nós nos reunimos para correr e isso já tem 21 anos. Eu devo ter mais de 300 medalhas em casa, além de troféus. Acredito que já participei de umas 500 corridas por todo o Brasil.

Jornal do Sudoeste: Qual foi o momento mais mar-cante nesses 21 anos?
J.G.S.: De cada corrida tenho uma lembrança e são lembranças muito boas. Além de muito prazerosa a corrida,  você faz amizade que leva para o resto da vida. O Xaropinho tem amigos espalhados pelo Brasil todo, é muito difícil você ir a uma disputa e não se deparar com um conhecido. Porém, uma das corridas que me marcou muito foi a Meia-Maratona de Guariba (SP), um percurso de 21 quilômetros.  É uma corrida que não existe mais, não me lembro ao certo em que posição cheguei. Recordo-me que havia um senhor, o Tuplê, um nome muito diferente, ele era do Rio de Janeiro e tinha 94 anos. Esse senhor chegou em último lugar e a vibração dele, com essa chegada no momento que já se estava anunciando os ganhadores foi emocionante. Estava sendo acompanhado por uma ambulância, ele não vinha correndo, estava andando, mas fez os 21 quilômetros. Eu chorei muito naquele dia e ainda me emociono ao lembrar. Eu vi aquilo acontecer e pensei se eu teria a oportunidade de correr aos 94 anos... isto me chamou muito a atenção. Ele recebeu a medalha e todos aplaudiram e foi homenageado. Depois que subiu no pódio, antes de desceR declamou uma poesia. É uma história que marcou muito e me motiva muito a correr. Todas as vezes que chego a uma corrida, agradeço a Deus, e faço uma homenagem silenciosa para duas pessoas, para meu pai e minha filha. Se as pessoas me veem chorando em uma corrida, podem ter certeza que são lágrimas de felicidade.

Jornal do Sudoeste: O que tem significado a corrida na sua vida?
J.G.S.: Não há palavras para descrever, mas posso dizer que a corrida para mim é a minha vida. Todos nós passamos por problemas, mas seja o qual for, quando eu calço o tênis, visto meu uniforme e saio para treinar, esqueço-me de tudo. A corrida para mim é vida, é esperança e me traz uma motivação a cada dia. Na corrida sempre tem os melhores, mas todos os participantes são vencedores, porque todos cumprem a meta, que é concluir a prova.

Jornal do Sudoeste: Há valorização para este esporte?
J.G.S.: Paraíso, em termos de provas, cresce a cada ano. Hoje temos a tradicional Corrida de São João, a Primeiro de Maio, a Corrida da Energy, além de outras corridas como a que fizemos em comemoração ao 1 ano do filho da Janaína Assis do Corra Comigo. Porém, a valorização em questão de incentivo ainda peca bastante. Não falo apenas por mim, mas há atletas que se destacam como o Daniel Naves e o apoio que ele recebe é pouco; o apoio que temos, que a Acorpa tem, é pouquíssimo. Temos que correr atrás de patrocínio para continuar. A corrida não é um esporte barato e a maioria recebe salário, é difícil arcar com os custos. O recurso é quase nulo, e cada ano que passa parece que está ficando mais difícil.

Jornal do Sudoeste: Qual a maior dificuldade que já enfrentou ao longo desses anos?
J.G.S.: A maior dificuldade foi poder correr. Às vezes a gente tem que tirar do próprio bolso para poder participar. Não há dificuldade de treino, de horário, mas a dificuldade ainda é o patrocínio. Hoje, aos 40 anos, se eu fosse um atleta de elite e vivesse apenas para a corrida, eu seria um atleta de maratona, porque minha idade e o meu treinamento me permitem isto. Participo melhor de um percurso de 21 quilômetros do que de 10 ou 5. As pessoas acham que é apenas ir à corrida e ganhar, mas não é bem assim. O esporte é individual e depende apenas do atleta. Converso muito com a minha treinadora, a Janaína, que diz que 20% é a planilha de treinamento e os demais 80% é o corredor.

Jornal do Sudoeste: Você consegue conciliar o esporte e o trabalho?
J.G.S.: Às vezes sim, às vezes não. Como eu sou autônomo, às vezes tenho que trabalhar até mais tarde para terminar um trabalho e não consigo treinar naquele dia. Geralmente meus treinos são a tarde, então é um pouco difícil. Já fiquei sem treinar um mês por causa do meu trabalho. Atualmente estou conseguindo me programar bem, lógico que temos prioridades na vida, mas estou conseguindo conciliar tudo isto.

Jornal do Sudoeste: Qual a mensagem que você deixa para aqueles que enfrentam algum tipo de problema?
J.G.S.: A mensagem que eu deixo para quem está passando por alguma dificuldade, é começar a caminhar, fazer um esporte. Não vamos conseguir alcançar tudo na vida, mas temos que buscar melhorar a cada dia. É um sonho por dia. Aprendi isso com um amigo: o dia que as pessoas deixarem de sonhar elas morrerão... a vida é uma constante busca por objetivos. Então temos que viver sonhando.

Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz desses 40 anos?
J.G.S.: É uma jornada que ainda não acabou. Quero correr ainda por muitos e muitos anos. Essa caminhada, esse tempo todo de corrida, a maior vitória que eu tive não foi cruzar a chegada e ganhar, foi os amigos que eu fiz. Nem sempre a vitória é o foco, mas, sim, espelhar os outros que vierem depois de mim. Quero ser uma influência positiva e ser lembrado pelas pessoas que começarem a correr por causa do José Geraldo, o Xaropinho, ou através de um amigo que também está nesse caminho.