Sintomas de crise
É tão comum que não notamos, mas não era para ser comum, e era para notarmos: pais e mães buscando filhos adolescentes em escolas, públicas ou privadas, mesmo em cidades pequenas e médias. Antigamente mal a criança largava da mão dos pais já ia e vinha de ônibus, bicicleta ou a pé para cima e para baixo. Com quatorze anos, eu varava Belo Horizonte andando sozinho de madrugada, “falando com as estrelas e com a lua”, como diziam Bruno e Marrone. Hoje, os jovens não possuem mais liberdade e vivem acuados pela insegurança pública. Sintoma grave de crise. Onde vamos parar?
A falência das escolas privadas
Por falar em escolas, as particulares estão cada vez mais abandonadas de alunos, porque a classe média achatada, desempregada e endividada não suporta mais pagar as mensalidades dos educandários privados. Classes com até quarenta alunos hoje comportam vinte, e olhe lá. Fui da lendária turma do “primeiro E” do Colégio Santo Agostinho – a mais bagunceira e revolucionária série da história daquela instituição de ensino católica. Até hoje nos “esquecem” de convidar nos encontros de ex-alunos. E estávamos na sala com a letra “E” porque por lá havia então cinco turmas de primeiro ano do antigo segundo grau, hoje “ensino médio”. Poucas escolas grandes privadas, mesmo em metrópoles, conseguiriam hoje lotar tantas salas de uma mesma série escolar. Pais economizando com educação, o que é sintoma não somente de crise financeira, mas de crise de valores: vejo muito carro zero quilômetro deixando menino em escola pública.
Diferentes linguagens
Não que escolas públicas sejam ruins. As boas são ótimas, são as melhores do país. O problema é que são poucas aquelas que realmente se destacam, e o que vejo em minhas palestras e andanças por educandários de Minas e do Brasil são professores desmotivados e mal pagos, escolas sucateadas, material didático ridiculamente defasado, ausência completa de disciplina e compostura do alunado – que não consegue ser mais educado por pais e mestres. Há lindas exceções, mas poucas. Resulta disso que as linguagens dos alunos do ensino público e do privado são distintas. Parece que habitam mundos diferentes, justamente porque de fato habitam mundos diferentes. Meu filho mais velho brincava com o filho de sua babá, quando ambos tinham cinco anos. Eu vi, estarrecido, minha criança que ainda balbuciava frases lúdicas tentando entrosar com um menininho da mesma idade, mas repleto de gírias malandras e trejeitos adultos. Quando estas duas infâncias se relacionam em sala de aula há um choque cultural imenso. A migração de alunos do ensino público para o privado está causando uma obrigação nova para os educadores, que é a padronização dessa linguagem – um dilema difícil de ser executado por professores que ainda se adaptam a tempos modernos de ausência de cobrança e disciplina, em graduações que não preparam para a vida ou para o mercado de trabalho.
Mudanças que chegam
As escolas públicas vêm sendo cortejadas pela nova classe média que estourou o cheque especial e financiou a perder de vista os juros altos do cartão de crédito, está desempregada e sem ilusões de mudanças próximas. Há um lado bom nisso: esses pais são mais exigentes, já viveram o lado dourado da vida, e vão tentar cobrar melhorias significativas no ensino público em que agora matriculam os filhos. Mas já se deturpam os nichos: há escolas estigmatizadas porque albergam garotos com históricos de delinquência e próximas de zonas de intensa criminalidade, e outros educandários sediados em regiões mais amenas e centrais e com maior tradição social, porque antigamente as escolas públicas eram as melhores escolas. Em países ricos ainda é assim e raramente o ensino privado é mais valorizado e geralmente se destina àqueles alunos mais fracos que não conseguem notas suficientes para se matricular ou se manter em instituições de ensino que não cobram por mensalidades, mas exigem rendimento do alunado. No Brasil a matrícula escolar pública é dada de bandeja e, por isso, não é valorizada. Dar oportunidade de educação é uma obrigação governamental. Forçar o aluno a estudar em escolas de má qualidade ou aprova-lo de qualquer modo, por qualquer meio e independente de seu mérito é estelionato acadêmico e devia dar cadeia.
O Dito pelo não dito
“Acredito que o melhor programa social é o emprego” (Ronald Reagan, ator, ex-presidente americano, dos melhores e mais injustiçados políticos da história).
RENATO ZUPO – Magistrado, Escritor.