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Bruno Pessoni: Dedicado às artes, porque viver não basta

“A arte te transforma em um instrumento de mudança da realidade”
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 08-09-2018 22:02 | 3270
Bruno Pessoni é assessor jurídico na 2ª Vara Civil da comarca de São Sebastião do Paraíso
Bruno Pessoni é assessor jurídico na 2ª Vara Civil da comarca de São Sebastião do Paraíso Foto: Arquivo Pessoal

Como disse certa vez um dos maiores poetas brasileiros, Ferreira Gullart, “a arte existe porque a vida não basta”. Esta é a premissa que conduz o advogado, assessor jurídico, escritor, dramaturgo e ator, Bruno Pessoni Neves, um aquinense ímpar que carrega consigo inúmeras qualidades e que enxerga nas artes uma forma de escapar das loucuras da vida terrena. Criado em São Tomás de Aquino, mudou-se com a família para Paraíso em busca de novas oportunidades e para poder bancar seus estudos, quando ainda tinha 17 anos. Filho de Maria Rosário Pessoni Neves e Célio Neves, Bruno tem outros três irmãos, a Germana, o Murilo e o Célio. Hoje, aos 31 anos, divide seu tempo entre o trabalho como assessor na 2ª Vara Civil da Comarca de São Sebastião do Paraíso, a paixão pela escrita e pelo teatro. Mesmo distante da sua terra natal, ele destaca que é em São Tomás que ainda recorre para ter suas inspirações e confidencia um pouco desta sua paixão ao Jornal do Sudoeste.

Jornal do Sudoeste: Como aconteceu sua mudança para São Sebastião do Paraíso?
B.P.N.: Minha mudança se deu por uma busca de melhores oportunidades. Embora São Tomás fosse uma cidade muito boa, não me oferecia isto. O mercado de trabalho era muito escasso e eu era jovem, queria trabalhar, queria bancar meus estudos, então necessitava de um trabalho. Apesar disto, minha infância lá foi uma fase muito boa e muito rica. Lá há personagens que eu carrego comigo até hoje. A minha formação foi em São Tomás, tive professores muito bons e foi uma infância de cidade pequena, que é muito diferente por toda a paz e tranquilidade que tem. Em São Tomás eu fui realmente uma criança. De lembranças marcantes, são sempre as pessoas. Hoje, tudo o que escrevo, sempre tem algo de lá pela riqueza que aquele povo carrega.

Jornal do Sudoeste: Você terminou sua formação em Paraíso?
B.P.N.: Sim. Foi na Escola Estadual Clóvis Salgado e nesse período trabalhava e estudava. Prestei o vestibular e continuei trabalhando para subsidiar essa formação. À época estudei na Faculdade de Direito de Franca, formei-me em 2009. Durante a fase de faculdade, trabalhei no Hotel Cossini e lá conheci pessoas de quem gosto muito e foi essa equipe que me ensinou muita coisa, mas no meio dessa formação consegui um estágio no Fórum, primeiramente com o juiz Osvaldo Neri e, posteriormente, com o também juiz Marcos Hipólito que, após minha formação, contratou-me como assessor jurídico.

Jornal do Sudoeste: Você pensou em advogar?
B.P.N.: À época eu já estava no Fórum, tinha meu salário fixo e decidi permanecer. Mas pretendo continuar estudando; o Direito é uma carreira que eu gosto muito, é meu pé no chão e as artes é minha cabeça nas nuvens (risos).

Jornal do Sudoeste: De onde vem essa inclinação para as artes?
B.P.N.: Eu não sei bem, acho que é algo inato. Desde criança eu já gostava de ópera, imagina o que seria isso em São Tomás... Sempre gostei muito de teatro e na escola estava sempre à frente disso e tenho muito orgulho. A escola foi uma fase em que me mantive escrevendo ou atuando e tudo começou com o ex-prefeito Jorge Abrão, que já é falecido, e teve grande visão ao proporcionar um curso de iniciação teatral para todos que quisessem. Foi um visionário. Assim, eu e uma boa parte dos meus amigos fizemos o curso e foi algo que levamos para a vida toda.

Jornal do Sudoeste: O teatro faz parte da sua vida, não é apenas algo a mais.
B.P.N.: Sem dúvida. É o que me mantem vivo sem tubos, aparelhos e rivotril (risos). É por isto que eu brinco que o Direito é meu pé no chão e o teatro e as artes em geral são a minha viagem boa, a cabeça nas nuvens para poder suportar essa loucura que é o mundo.

Jornal do Sudoeste: Há pouco investimento em cultura. Como você encara isto?
B.P.N.: Fernanda Montene-gro fala algo que é muito correto e cabe para o momento em que vivemos: “Artes estão relegadas às catacumbas”. Arte não gera voto, não se “inaugura” uma peça de teatral, talvez um teatro, mas com poucas cabeças. Não é algo que dá visibilidade, pelo contrário, as artes estimulam o pensamento e quem pensa não é bom para esse tipo de política que temos hoje em dia.

Jornal do Sudoeste: Você acredita que essa mentalidade está mudando, a população tem procurado consumir essa arte?
B.P.N.: Eu noto que existe uma vontade muito grande e a população quer ver coisas boas, existe essa vontade, sim, de acompanhar e até mesmo de passar aquele tempo, nem que seja por uma hora, assistindo a outra vida. Enquanto você está lá, esquece de tudo ou pensa em sua vida de outra forma.

Jornal do Sudoeste: Entre Paraíso e São Tomás existe uma diferença de público, alguém que busque mais por esta arte?
B.P.N.: Acredito que não, está no mesmo patamar. Geralmente, quando há uma peça boa, há procura, somos muito prestigiados. Acredito que falta mais incentivo para que tenha mais disso. Mas estamos em uma fase boa porque tem havido outros grupos de teatro que estão tentando, o que é bom, porque é mais produção cultural para que as pessoas tenham acesso.

Jornal do Sudoeste: Você também escreve.
B.P.N.: Sim, faço um pouco de tudo. Ainda na época de São Tomás faltavam textos para o grupo. Era uma fase de pré-internet, então não tínhamos acesso a tudo o que temos hoje. Havia textos antigos, produções de teatro britânico que eram muito bonitas, muito clássicas, mas que não era a realidade do que precisávamos e do elenco que tínhamos. Então, comecei a escrever, nasceu de uma necessidade, gostei muito e deu certo. Comecei a fazer adaptações, mas também criava a partir da necessidade que o elenco tinha.

Jornal do Sudoeste: Há alguma criação que é a “menina dos seus olhos”?
B.P.N.: Tenho muito carinho por uma peça que escrevi em 2001, encomendada pela prefeitura de São Tomás de Aquino  para celebrar o aniversário da cidade. Foi algo muito legal, montei toda uma história usando as figuras míticas de São Tomás. Eram histórias de pessoas que fugiram da ditadura em porta-malas de carros, usei o cônego Benedito, a Cândinha Fubá, entre outros. Brinquei com essas personagens e deu muito certo. As pessoas se divertiram muito e foi quando eu senti o grande prazer em escrever e poder transportas essas pessoas para um outro mundo.

Jornal do Sudoeste: Há algum autor que você gosta muito?
B.P.N.: Gosto muito de Clarisse Lispector, mas também tenho lido bastante um autor bem novo chamado Raphael Montes, que tem escrito suspense e terror e é muito bom.  Tem Machado de Assis que é o mestre dos mestres, é um escritor gigante. Gosto do Oscar Wilde...  são muitos os autores...  Há as obras de Shakespeare, que é incrível e escreveu sobre todas as emoções humanas. No Brasil ainda temos o Nelson Rodrigues, que rompeu com tudo e por isso é ainda muito atual e escreveu sem medo sobre emoções e perversões, e sem preconceito, afinal um escritor não pode ter preconceito, ele não julga.

Jornal do Sudoeste: Há pouca valorização para o que é nosso e o jovem parece não gostar muito do que é clássico. Tem uma causa?
B.P.N.: Eu acredito que é um reflexo do tempo em que vivemos. Essa literatura é uma literatura mais elaborada, principalmente quando falamos de Machado de Assis, de José de Alencar. É uma leitura que demanda mais interpretação, uma atenção maior para aquilo que você está fazendo. É uma atenção muito maior do que você teria lendo um best seller americano, que é muito fácil de ler e a leitura flui melhor. Hoje as pessoas leem no celular, leem na rua, e de repente não é o que você vai conseguir fazer com uma dessas obras clássicas, entrar nessas histórias. Acredito que seja isto. Na Bienal do Livro, em São Paulo, eu vi o quanto as pessoas se interessam por leitura. Era difícil até andar pela exposição, mas algo muito bonito de se ver.

Jornal do Sudoeste: As artes são uma forma de reduzir a criminalidade e dar novos rumos àqueles que vivem em situação de vulnerabilidade?
B.P.N.: Sem dúvida. É uma forma de combater, de prevenir e de resgatar. A cultura te faz pensar, ela é muito ampla e te dá uma serenidade de escolha, uma impulsividade para agir em momentos necessários. A arte te faz analisar a realidade e te transforma em um instrumento de mudança desta realidade que, de repente, não esteja tão boa. Na história, os movimentos culturais sempre acompanharam as revoluções e sempre houve resistência destes movimentos, e não por acaso. Na ditadura militar no Brasil, por exemplo, foi um momento de maior criação e efervescência... e é muito lindo isto, imagina combater um regime ditador com poesia, com música, resistir às armas com teatro...

Jornal do Sudoeste: A música também faz parte da sua vida?
B.P.N.: Sou apaixonado e sempre escrevo ouvindo música. A música é um complemento. Gosto muito de MPB, da Elis Regina, Gal Costa, Caetano Veloso, essa turma maravilhosa de baianos, também tem o Milton Nascimento, Felipe Catto. No Brasil há muito coisa boa, basta procurar... é uma música que foi construída em cima de gigantes, entre eles Pixinguinha, Tom Jobim, Noel Rosa.

Jornal do Sudoeste: Você também buscou cursos voltados para o teatro?
B.P.N.: Sim. Depois de um tempo senti a necessidade de me aperfeiçoar um pouco e então busquei fazer alguns cursos na área de dramaturgia, foi quando decidi ir para São Paulo e para o Rio, onde fiz cursos com a Duca Rachid e Thelma Guedes, que escrevem Cordel Encantado, Cama de Gato; também fiz curso com a Susana Pires, Fausto Galvão e Alessandro Marson (que escreveu Novo Mundo). A escrita exige toda uma estrutura que você precisa seguir. Não é fácil escrever. Você tem a inspiração, mas escreve e reescreve várias vezes, principalmente em dramaturgia. O roteiro de uma peça não é literatura, mas é preciso inserir toda uma poesia.

Jornal do Sudoeste: Trocaria o Direito pelo teatro?
B.P.N.: É uma pergunta difícil (risos). No momento atual, não, infelizmente. Meu trabalho é uma forma de eu poder manter essa arte. Porém, gosto de trabalhar com o Direito, é interessante e válido. Vejo pessoas reclamando muito de números no judiciário, que têm aumentado, mas temos que olhar para o lado bom disto, que significa que mais pessoas estão procurando seus direitos.

Jornal do Sudoeste: Tem havido muitas reformas, como você escara isto?
B.P.N.: Sobre essas reformas e mudanças de código civil busca-se, pelo menos no mundo das ideias, uma celeridade maior para que o direito da pessoa seja conseguido de maneira mais rápida, mas existe toda uma estrutura e a falta dela. A progressão dos processos que chegam geralmente é maior do que a progressão dos processos que conseguimos trabalhar, mas dentro do possível, lutamos para prestar esse atendimento da maneira mais rápida possível.

Jornal do Sudoeste: Você se vê sem essa arte?
B.P.N.: Não, eu já tentei, mas não consigo, não dá. Quando eu vejo, já estou no meio disso novamente, produzindo ou escrevendo alguma coisa. Às vezes desanima um pouco, mas acaba sendo algo tão orgânico que, quando você percebe já está produzindo, porque eu não faço por incentivo, mas claro que isto é bom também. Quem não gostaria de receber para fazer algo que gosta e sabe fazer? Mas, já que não tem, como diria Fernanda Montenegro: “A gente acorda e canta”.

Jornal do Sudoeste: São 31 anos caminhados. Qual o balanço que você faz até aqui?
B.P.N.: É uma jornada bonita. Cheia de curvas, de caminhos, de labirintos, com muita literatura, muita arte e pessoas maravilhosas neste caminho que eu só tenho a agradecer. São pessoas que fazem parte de quem eu sou. Sou feliz com o ser humano que estou me tornando, porque nunca estamos fechados. Estou melhorando a cada dia, tentando manter os valores que pai, mãe e a vida nos ensinam e feliz com isto... é uma pergunta muito difícil essa... Nesse arco dramático das temporadas da minha vida, durante esses 31 anos, foi uma evolução ter saído de São Tomás de Aquino, vindo para Paraíso sem conhecer ninguém, chegar aqui, fazer faculdade, conseguir um emprego legal e continuar, no meio disto tudo, escrevendo sobre Paraíso, sobre nossa realidade e sem perder a essência do aquinense. É em São Tomás que mantenho minhas raízes e sempre busco um personagem, mesmo que não coloque o nome (risos). Também nesta trajetória sou muito grato à professora Marcia Osório, que era professora de português e se tornou minha amiga e que tem muito dela nessa minha história de gostar de escrever e de ler. Ser professor é outra profissão de fé, são eles responsáveis por imantar pessoas com essa literatura, com esses valores. Mesmo sabendo de todo este panorama e da realidade desta profissão eles “levantam e cantam”, e é o melhor canto para que outras pessoas também cantem juntas.