Uma correspondência enviada à Câmara Municipal da sessão de segunda-feira (8/10) a respeito do feriado do Dia da Consciência Negra, gerou ampla discussão entre os vereadores. Nela, o jornalista e servidor público Adriano Rosa da Silva, pediu aos legisladores atenção ao projeto. Ele lembrou que desde 2003, com aprovação de lei federal que institui o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, o 20 de Novembro foi incluído no calendário escolar nacional como o “Dia da Consciência Negra”.
O jornalista lembrou que atualmente está em tramitação projeto de lei do deputado Valmir Assunção para transformar a data em feriado nacional e fez duras criticas à Acissp, que defende a revogação do feriado ou transformação em ponto facultativo.
“Comemorado em 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra marca o dia da morte de Zumbi dos Palmares, ocorrida em 1695, após anos defendendo o Quilombo de Palmares de expedições que pretendiam escravizar, novamente, os negros que conseguiram fugir”, lembrou. Rosa reforçou ainda que o feriado do Dia da Consciência Negra já foi adotado em mais de 800 cidades espalhadas pelo país e tem divido opiniões quando o assunto é torná-lo uma data “não útil”, como ocorre, por exemplo, com o dia 12 de Outubro, em que se comemora o Dia das Crianças e de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.
“Esta Casa Legislativa, ao colocar em pauta a permanência ou não do feriado de 20 de Novembro, o que implicaria, possivelmente, no fechamento do comércio e atendendo a uma solicitação da entidade classista que representa os comerciantes e empresários, nada mais faz do que promover um debate entre a casa grande e a senzala. É como se a entidade de classe que deseja o fim do feriado estivesse nos dizendo: ‘Como vocês ousam, negros, querer um feriado?’”, criticou.
De acordo com o jornalista, “é preciso pensar em atitudes reparatórias a favor de um povo que há mais de 130 anos foi libertado das correntes, dos grilhões, das chibatas, da submissão aos seus ‘senhores’ e que tenta, a duras penas, ser valorizado e competir em pé de igualdade nesta sociedade tão diversificada. Precisamos ‘assumirmos o nosso racismo’, deixando ‘de lado o discurso de democracia racial’”, destacou.
Embasado neste argumento, ele cita que a maior parte das vítimas de homicídio é negra e, enquanto isso, entidades representativas de setores comerciais e industriais se organizam para derrubar um feriado que lembra a luta da população negra no País.
“A chamada ‘Consciência Negra’ não é dizer que os negros contribuíram para a formação e desenvolvimento do País, mas é ter consciência de que os negros foram os primeiros trabalhadores do Brasil, e que foram os negros que construíram este País. Para o Movimento Negro, o 20 de Novembro é muito mais importante e relevante que o 13 de Maio, data da Abolição da Escravatura, assinada pela Princesa Isabel em 1888. O 20 de Novembro celebra a morte de um líder, o nosso líder, Zumbi dos Palmares, assim como celebramos no dia 21 de Abril (feriado nacional e sem qualquer tipo de evento) a morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, o Mártir da Independência”, destaca.
Conforme Adriano Rosa, manter o feriado é deixar viva a memória, é valorizar a importância de Zumbi para a História do Brasil e, ainda, é sinal de respeito da Câmara ao autor do PL, o vereador Sérgio Aparecido Gomes. “Também é uma valorização à nossa cultura que, desde a fundação deste município em 1821, promove a festa da Congada que é de origem africana. Lembramos, com repúdio, que esta mesma entidade de classe, liderada pelo seu presidente, na época vereador nesta Casa, já derrubou o feriado de 8 de Dezembro, Dia da Imaculada Conceição, quando se faz o levantamento das Bandeiras dos Santos padroeiros de nossa Congada. Agora, a mesma entidade e seu presidente querem mais?”, acrescentou.
Por fim, o jornalista disse que “retroceder, e fazer do feriado de 20 de Novembro apenas ‘ponto facultativo’, é menosprezar a história, a cultura e atender um segmento classista que, se realmente perde vendas, não é por causa de um feriado, mas pelo mau atendimento, pelos altos preços das mercadorias e pela falta de produtos diversos que possam dar ao consumidor opções de escolha. Não vemos a entidade classista combater com veemência a ida semanal de comerciantes locais à região do Brás em São Paulo, comprando muito mais barato lá e revendendo bem mais caro aqui. Esta conceituada entidade precisa olhar para o próprio umbigo, corrigir suas falhas e não colocar a culpa pela perda de lucros em um feriado”.
VEREADORES
Após lida a correspondência, Marcelo Morais lembrou o projeto estava na Casa em tramitação e que mesmo se aprovado, não revogaria o feriado para este ano, uma vez que o feriado já foi decretado pelo prefeito municipal. Morais disse que em momento algum houve menção de desvalorização da data por parte dos vereadores e disse que Acissp não estaria influenciado nas decisões da Casa. Disse que, além de prejudicar o desenvolvimento econômico, começou a chegar a Câmara questionamentos sobre ser feriado apenas em Paraíso e não em outros lugares.
“Naquela oportunidade, fizemos projeto de lei que foi assinado por sete vereadores para revogar o feriado municipal. De lá para cá, alguns vereadores mudaram de opinião e, inclusive, cheguei a oficializar o presidente da Comissão de Finanças, Justiça e Legislação para que pudéssemos acabar com este debate e para que não houvesse questionamento de que estaríamos querendo separar a população, assim como estão fazendo com o país. Eu me recuso a aceitar que esta Casa esteja querendo colocar esta situação. Não gostaria que o debate do feriado entrasse no mérito ‘casa grande, senzala’, até porque estamos aqui imbuídos para defender o interesse do cidadão”, disse.
A vereadora Cidinha Cerize, inicialmente, parabenizou ao servidor pelo texto e disse que mesmo sendo contra o feriado, isto não significava que ela era racista e que a data não deveria deixar de ser valorizada, assim como as manifestações e os valores que o negro deixa para a sociedade. “Desde o início sou contrária ao feriado, quando foi instituído em São Paulo, achei que também não era necessário. Em dois meses temos o feriado dia 12 e 25 de outubro, no dia 15 de novembro e, agora, o dia 20 de novembro. Estamos falando de vários feriados que, tem sim, para o empregador um peso muito grande. Nós estamos vivendo uma crise, estamos em recessão”, defendeu a vereadora.
O presidente da Comissão de Finanças, Justiça e Legislação, Sérgio Aparecido Gomes, autor do projeto de lei que instituiu o feriado, também se manifestou fazendo coro às palavras do jornalista Adriano Rosa. Segundo ele, o projeto não foi feito da noite para o dia, mas uma luta incansável da população negra. “Eu e o vereador Jerônimo Aparecido da Silva, que também foi favorável a propositura, votarmos em revogar este projeto seria no mínimo deselegante. Entre tantos feriados, o porque revogar justamente o Dia da Consciência Negra? Foi uma luta e não vamos entregar isto ao presidente de uma associação, que como sabemos, está fazendo pressão”, criticou. Sérgio disse ainda que os vereadores não poderiam ser contra a vontade da população e contra o “sagrado direito do reconhecimento”.
Marcelo disse que respeitava a opinião do colega, mas que achava que o projeto era muito simples de ser votado. Vejo que isto é um desgaste à toa que poderíamos resolver, mas como a comissão tem essa autonomia... espero que façam da mesma maneira e segurem o projeto da PGV e que fique lá por mais 50 anos, porque se der o parecer da PGV para prejudicar o povo que terá que pagar IPTU muito mais caro eu vou cobrar”, disse.
Após, o vereador Luiz Benedito de Paula disse que lojistas chegaram a fazer contato com ele. “Com o 20 de Novembro, o comércio vai parar, a indústria vai parar, as pessoas precisam pagar duplicatas e boletos bancários e no dia seguinte pagam com juros, o feriado quebra todo o sistema de logística das empresas de entregas da região e é por isto que eles são contra, porque isto vai interferir negativamente na saúde das empresas”, disse.
Marcelo disse que não colocaria o projeto em votação em respeito à Comissão e para não dividir a opinião do plenário. “Se a Comissão achar prudente emitir um parecer, desta forma será”, completou, recebendo os parabéns de Sérgio Gomes que chamou a atitude do presidente da Câmara de “um ato de grandeza”.
Reiteradas vezes o presidente da Acissp ao mostrar seu ponto de vista sobre o feriado reconhece a importância da data e de seu significado. Ailton Rocha de Sillos, no entanto relata que “apenas 11, dos 853 municípios do Estado de Minas Gerais instituíram a homenagem como feriado, e os demais que aderiram, o fizeram como ponto facultativo, evitando proibir o funcionamento ou onerar as empresas, que são as responsáveis pela manutenção do município e sobrevivência da nossa população, que já vêm sofrendo, o ano todo, com a escassez de recursos, empregos e a retração da economia”.
Se de um lado estão aqueles que gostam de ficar em casa ou de passearem aproveitando o descanso extra, com um terceiro feriado no mês e emendado com o final de semana, do outro há os vendedores co-missionados e empresários, que devido a falta de faturamento por causa do feriado, causam transtorno e um enorme prejuízo ao comércio paraisense, conforme relata a Acissp.