PARAÍSO 197 ANOS

Monsenhor Gerardo Naves (1912 – 1985)

Por: Luiz Carlos Pais | Categoria: Cidades | 26-10-2018 15:20 | 1604
Monsenhor Gerardo Naves e o coral do Seminário de Leopoldina (1964)
Monsenhor Gerardo Naves e o coral do Seminário de Leopoldina (1964) Foto: Reprodução

Esta crônica descreve elementos da trajetória sacerdotal do Monsenhor Gerardo Naves, natural de São Sebastião do Paraíso, no Sudoeste Mineiro, onde nasceu no dia 3 de abril de 1912. Membro de uma grande família com ascendência portuguesa, cujos pioneiros vieram para a região central de Minas Gerais, ainda na época da colonização, de onde se desdobrou um ramo familiar que fixou raízes existenciais em São Sebastiao do Paraíso, nas últimas décadas do século XIX. Sua mãe chamava-se Maria Cândida do Nascimento Naves (Dona Dindinha) e seu pai, Joaquim Bernardes Naves, que ficou na história local como arrojado tropeiro de grande confiança dos primeiros cafeicultores no município. Era proprietário de uma grande tropa de burros, com quase uma centena de animais, e ganhava a vida com o transporte regular de café para depósitos regionais então existentes nas cidades paulistas de Mococa e Franca, de onde retornava com mercadorias destinadas ao comércio paraisense de outrora.

Gerardo Naves fez o curso primário no Grupo Escolar Campos do Amaral, revelando inteligência diferenciada para o mundo das letras e das artes, em paralelo com o despertar precoce de sua vocação sacerdotal, nascida no berço familiar. Durante a infância, teve a orientação espiritual do Monsenhor José Felipe da Silveira, que durante 25 anos foi pároco da Igreja Matriz local, entre 1914 e 1939. Depois do curso primário, foi estudar na vizinha cidade de Guaxupé, onde iniciou os estudos secundários e fez o curso preparatório no Seminário Diocesano. Nos anos seguintes, foi cursar teologia no Seminário Provincial de Belo Horizonte.

Sua ordenação ocorreu no dia 30 de novembro de 1935, quando tinha apenas 23 anos de idade, na Igreja Matriz de São Sebastião do Paraíso, evento noticiado em jornais de grande circulação do País. Presidida pelo bispo da Diocese de Guaxupé, Dom Ranulfo da Silva Farias, a cerimônia contou com a participação de Monsenhor Felipe e de vários outros sacerdotes da região que viajaram até Paraíso para prestigiar o evento jamais ocorrido na cidade. Cumpre observar que na mesma cerimônia também foi ordenado outro sacerdote, o Padre Itamar Ferreira Costa, filho de Emídio Ferreira da Costa e de Dona Anunciada Bérgamo Costa, já falecida naquele ano.

De acordo com as pesquisas que realizei, não foi possível afirmar que o Padre Itamar também fosse natural de São Sebastião do Paraíso ou da região. Entretanto, trata-se de uma hipótese plausível, pois, na época considerada, era usual a ordenação de um sacerdote ocorrer na Matriz de sua terra natal. Por outro lado, quanto à trajetória sacerdotal do padre Itamar, 13 anos depois de sua ordenação, ele exercia as funções de Capelão da Marinha do Brasil, celebrando missas e ministrando outros sacramentos na Igreja da Candelária do Rio de Janeiro, conforme foi publicado na Revista da Marinha Brasileira, edição de setembro de 1948.

A ordenação dos dois novos sacerdotes, em cerimônia presidida pelo Bispo de Guaxupé, foi objeto de uma reportagem publicada em O Jornal, do Rio de Janeiro, edição de 20 de novembro de 1935. O evento aguardado com grande expectativa pelo clero da região deveria aconteceria dentro de poucos dias, ressaltando que os jovens sacerdotes haviam feito curso preparatório no Seminário de Guaxupé e a formação teológica no Seminário Provincial de Belo Horizonte.

Dois anos depois, o Padre Naves estava empenhado na realização de um grande congresso, na Diocese de Guaxupé, participando da comissão organizadora da Primeira Semana Diocesana de Estudos da Ação Católica, conforme foi noticiado na imprensa. O objetivo desse encontro era promover “um vibrante movimento de fé e de dedicação ardorosa”, para estimular a participação mais intensa dos leigos as atividades da Igreja. Foi anunciado que o clero regional esperava todo o esforço possível do povo católico, para atender aos apelos do Papa Pio XI, idealizar do movimento conhecido como Ação Católica. No Brasil, o cardeal Sebastião Leme foi principal líder desse movimento, criado em 1935, no mesmo ano da ordenação dos dois referidos Padres.

O evento realizado em Guaxupé foi organizado por uma comissão composta pelo Monsenhor Euzébio Rocha Leite, Padre Geraldo Reis, Padre Gerardo Naves e Padre José Maria Matias. Entre outras comissões de apoio para a boa realização do encontro, uma delas ficou encarregada da hospedagem dos visitantes, a qual foi presidida pelo jovem padre Jerônimo Madureira Mancini, quando exercia o cargo de secretário da Diocese de Guaxupé, pouco antes de ser nomeado Pároco em Paraíso.

O Padre Gerardo Naves foi professor de nível secundário em diferentes colégios das cidades onde exerceu o sacerdócio. Em São Sebastião do Paraíso, por exemplo, foi professor e capelão do extinto Ginásio Paraisense, na década de 1940, quando o estabelecimento foi dirigido pelos Irmãos Lassalistas. Posteriormente, foi professor do Colégio Estadual de Diamantina, onde ministrou aulas de Português, Francês e Literatura e Latim, inclusive, depois de longos anos de magistério, conquistou sua justa aposentadoria como funcionário público estadual. Foi ainda professor do Seminário Diocesano Nossa Senhora Aparecida, na mesma cidade mineira de Leopoldina, onde deixou saudades pelos cursos ministrados e pelas diferentes atividades artísticas que coordenou.

Depoimentos memoriais publicados na imprensa nacional indicam que o culto Padre Naves, durante anos, usou o pseudônimo de “Alberto M. Alves” para assinar suas composições musicais, peças de teatro, poesias e radionovelas. Muitas dessas obras tratavam de temáticas sacras, mas outras eram de estilo popular e sertanejo, lembrando que na época considerada, não era comum Padres exercerem atividades artísticas, tal como acontece hoje em dia nas diferentes mídias de comunicação.

Durante os estudos realizados no Seminário de Belo Horizonte, o então jovem diácono Gerardo Naves teve a oportunidade de vivenciar um ambiente muito rico e estimulante, no sentido de ampliar sua formação artística, inicialmente, voltada para o domínio das artes sacras. Em paralelo aos estudos teológicos, sempre se empenhou para expandir o seu domínio musical em diferentes instrumentos.

Desse modo, o sacerdote paraisense foi pioneiro, em seu tempo, no sentido de perceber o poder evangelizador da expressão artística. Nesse sentido, logo após a sua ordenação, ele se empenhou na realização de cursos de pós-graduação nas áreas de Psicologia e de Sociologia.

Formação humanista que contribuiu para compor o seu estilo próprio de praticar o evangelho. Como ficou na memória local, no exercício sacerdotal, ele também sempre foi muito carismático e profundamente envolvido com as questões sociais das comunidades onde foi levado a servir.

Desde os tempos de Seminário, mostrou profunda vocação para o mundo das artes de modo geral e nesse domínio foi músico, compositor, escritor de peças teatrais, radionovelas, poeta e cronista. Assim, não seria exagero supor que, se vivesse nos dias atuais, estaria entre os Padres que evangeli-zam através das artes e dos diferentes meios de comunicação.

A Revista do Rádio, do Rio de Janeiro, edição de dezembro de 1953, publicou reportagem sobre as festividades ocorridas na Rádio Cultura de Poços de Caldas, em comemoração ao início de nova fase de transmissão em ondas curtas. Nesse momento, o sucesso da emissora contava com a atuação do Padre Naves, que se destacava pelo empenho em colaborar para desenvolvimento do universo artístico daquela cidade. A emissora estava apresentando radionovelas, programas de auditório, com estilos musicais variados, incluindo concursos de calouro e de redação de poesias. A respeito do seu trabalho cultural, transcrevemos abaixo um artigo publicado no Diário da Tarde, de Curitiba, em 7 de novembro de 1953, do jornalista Álvares Oliveira, expressando a sua opinião a respeito da importância do tipo de evangeli-zação que estava acontecendo na emissora de Poços de Caldas.

“Em Poços de Caldas encontramos duas criaturas adoráveis e notáveis pela vivacidade e pela inteligência. Umas delas é o Padre Gerardo Naves. Revelou ampla cultura em sua encantadora palestra. Pelas ideias que expôs e, sobretudo, pela humanidade com que sabe exercer a doutrina e cumprir com o dever de sacerdote. Somos de formação católica, em criança chegamos a ajudar na missa como sacristão. Conhecemos a religião no que há de bom e justo. Realçamos sempre figuras da Igreja moderna, quando se faz jus. Mas nem por isso deixamos de censurar erros que estão afastando a instituição das massas, que podem cavar um precipício entre o povo e a doutrina cristã.

Quando se encontra, porém, um sacerdote como este grande padre Gerardo Naves, a gente reforça confiança nos destinos da Igreja. Sempre dissemos que a Igreja continuava viajando de carro de boi, quando estamos na era do avião a jato e vislumbra-se a era da energia atômica. Não evoluía, não caminhava com o progresso. Há leis imutáveis regendo todas as coisas. Até a língua se modifica, o novo dita regras que a gramática adota depois. Por que a Igreja não teria de evoluir? Não pode ter barreiras entre o povo e a Igreja. O padre Gerardo Naves é um homem moderno.

Ele é musicista e faz parte da rádio local onde exibe suas notáveis qualidades. É compositor e poeta de mérito. Convive com a rapaziada e com moças que frequentam as festas. É figura obrigatória nas reuniões sociais da cidade e assim tem a oportunidade de pregar a sua doutrina, nas horas oportunas, com grande eficácia. Gerardo Naves é uma escola que deveria ter alunos, é exemplo que deveria ser seguido. Com sacerdotes como ele, a Igreja poderá caminhar até o povo. Rompe as muralhas, soterra os abismos que certos gestos e atitudes têm cavado. Parabéns a esse novo clero pelo tesouro que possui.”

Em 1963, o sacerdote paraisense foi servir no Bispado de Leopoldina, MG, onde permaneceu por 20 anos, assumindo funções eclesiásticas, a coordenação da pastoral da diocese, bem como exercendo o magistério secundário. Aos 73 anos de idade, depois de intensa trajetória de vida sacerdotal e contribuição para a evangelização através das artes, no dia 23 de maio de 1985, o Monsenhor Gerardo Naves retornou para a casa do Criador, em São Sebastião do Paraíso, sua querida terral natal.

Maria Cândida do Nascimento Naves (Mãe do Monsenhor Gerardo Naves)
Monsenhor Gerardo Naves (1912 - 1985)
Monsenhor Gerardo Naves e o coral do Seminário de Leopoldina (1964)