LITERATURA PARAISENSE

Presença poética de José Paes

Por: Luiz Carlos Pais | Categoria: Cidades | 26-10-2018 15:25 | 814
Poeta José Paes (1922 - 2011)
Poeta José Paes (1922 - 2011) Foto: Reprodução

Memória é muito mais que as lembranças deixadas por pessoas queridas que já partiram. Entre outras coisas, envolve objetos banhados por sentimentos e significados, abstratos e simbólicos. Mas têm algo em comum, por permitir o eterno retorno para quem quer aprender um pouco mais.

É oportunidade de vida extensiva, além dos limitados horizontes da primeira vista. Como acontece com todo ser humano, meu pai lutou em sua travessia. Entre ondas de turbulência e momentos de calmaria, compôs em versos sua maneira de entender o mundo. A lembrança que tenho dele é a rotina de trabalho, na fase diurna da sapataria ou nos momentos de descanso quando se dedicava a escrever poesia.

Natural de Jacuí, Sudoeste Mineiro, ele nasceu a 11 de março de 1922, filho de Margarida Maria de Jesus e de Herculano Paes. Faleceu às vésperas de completar 90 anos. Estava com três anos de idade, quando a família fixou residência em São Sebastião do Paraíso, sua terra do coração. Aos 12 anos, começou a aprender o ofício de sapateiro na oficina do Tuniquinho Martins, irmão do Francisco Martins e do professor Antônio Roque Martins.

Com esse saudoso mestre, o poeta sapateiro foi alfabetizado, no ano de 1936, em aulas noturnas, após cumprir a jornada de trabalho. Além de aprender a ler e escrever, essas aulas despertaram em sua consciência o gosto pela arte de escrever poesia. O mestre tinha uma pequena biblioteca, com alguns livros de história e literatura, os quais eram emprestados aos alunos. Esse começo modesto teve continuidade e o sapateiro cultivou a arte poética por toda sua vida. A seguir, transcrevo alguns sonetos e poemas de sua autoria.

A NEVE
Ao ver os meus cabelos se nevando,
Lembro-me das ramagens quando geia,
Em noites invernais, de lua cheia,
Sob os beijos sutis de um vento brando.
Elas se nevam, mas de vez em quando
Tornam-se brancas, brancas, mais que a areia
De onde se ouvia o canto da sereia
E onde as sereias de hoje estão cantando…

Mas às ramagens volta o verde lindo
Enquanto vai o gelo se sumindo
Ao doce sol dos dias invernais.

E esta neve caída em meus cabelos,
É perene e eu me lembro disso ao vê-los,
E sei que pretos não se tornam mais!…

AS NUVENS
Algumas nuvens parecendo garças,
Formam esparsas e erram pelos céus,
Mas, lentamente, todas se enlaçando,
Vão se esgarçando como tênues véus...

Outras pairam, informes e altaneiras
Hora inteiras, plenas de torpor,
Para depois sumirem-se no império
Do campo etéreo de nitente alvor.

Outras ainda, à noite já, serenas,
Como falenas de asas colossais,
Tomam feições de encanto peregrino,
Mas o destino lhe é como o das mais...

Também aos céus de nosso pensamento,
De modo tento, pairam sonhos mil.
E somem-se depois, como os vapores
De várias cores lá nos céus de anil...

SONETO DE UM IDEAL
Não me sinto a sonhar em plena noite calma
Nem para mim se apaga o vitalício senso,
Mas eu tenho um pensar que mais e mais me acalma
E cheio de fervor é que exponho o que penso:

No fraterno ideal que fulgura em minha alma,
Como a estrela maior no eterno azul imenso,
Vejo a estrada de luz que sobe, que se espalma
E traz o bem comum à Pátria a que pertenço.

E desse grande bem me torno paladino;
Minha lança eu a fiz do verso alexandrino,
E de musa me vem auxílio perenal.

Como vedes, irmãos, a lutar decidi-me!...
E eis-me a levar, riste, a minha arma sublime
Pela estrada de luz de um fraterno ideal!

O LIVRO
Bendito aquele me sorrindo faz,
De livros, a exemplar semeadura,
De onde se esparge a luz que mais fulgura
Aos lugares de treva pertinaz!

O livro recebido em plena paz
No seio da alma ansiosa de cultura,
É centelha, que em sol se transfigura,

É semente, que pomos de ouro traz.
Semente loura de virtude rara,
Sempre oferece esplêndida seara,
E quantos frutos do saber produz!

Centelha de perene brilho imenso,
Faz elevar-se o mais humilde senso,
E dentro de alma, é uma explosão de luz!

A EXEMPLO DAS ÁGUAS
Nascem também as águas sobre os montes
E correm, a princípio, fragilmente;
Parece terem ideal ardente;
Juntam-se às procedentes de outras fontes....

Em rios se transformam e sob pontes
E entre florestas rompem bravamente.
E ao encontrarem algo resistente
Detendo-as, lhes tapando os horizontes,

Elas sobem, sutis e confiantes...
Depois, se atiram, formidáveis e ágeis,
E avançam para os mares, triunfantes,

Assim também, perfeitamente iguais
Às fartas águas, a princípio, frágeis,
São os mais justos e altos ideais!...