Raízes do socialismo
Não consigo concordar com Erich Hobsbaum, o mais completo historiador da era moderna, quando o mesmo renega a origem do socialismo conforme a conhecemos. Segundo ele, esta famosa ideologia não teria nascido de Karl Marx, mas surgido antes, da revolução francesa, do jacobinismo e dos anarquistas “sans coulots” – “sem colete”, traduzido livremente do francês- e da revolução industrial que preponderou na Inglaterra no início do Século XIX e, portanto, antes de Marx e de sua obra “O Capital”. É certo que a expressão “socialismo” pode ter sido criada e dita anteriormente, e de fato o foi. Todavia, não importa a nomenclatura, o conteúdo do pensamento socialista não se compadece da burguesia criada por ambas as revoluções, a francesa e a industrial. O socialismo envolve o repúdio às leis de mercado e à mais valia e repele a sociedade de classes e o trabalho assalariado. É o que aprendemos com a História e o marxismo. A discussão é importante, porque em épocas eleitorais vejo muita gente defendendo o “socialismo” sem conhecer-lhe as peculiaridades – algo que mesmo Hobsbaum aparentemente desconhecia, ou fez questão de desconhecer, certamente para defender que o socialismo não morreu com a queda do muro de Berlim. Ah, esqueci de dizer, ele era um comunista ferrenho. Eu também leio, e admiro, a quem discordo.
Partidos socialistas
A discussão sobre a viabilidade do socialismo no mundo atual se prostitui perdida em conceitos equivocados. Muitos confundem a teoria do capital de Marx e o comunismo que ele engendrou com o “trabalhismo”, que conosco nasceu com Getúlio Vargas quando sequer se cogitava na criação do PT. Aliás, nem essa originalidade o Partido dos Trabalhadores possui em seu histórico, porque na verdade deu apenas nova roupagem à teoria abraçada por Vargas, que era mais autêntico, era um verdadeiro “trabalhista”, chamado de o “pai dos pobres”. De fato, nada tinha de pai. Era um bom padrasto nas qualidades e defeitos: eficiente, deu às classes assalariadas direitos que até então sequer eram sonhados pelos mais pobres. Fixou limites para a jornada de trabalho, combateu o trabalho escravo, criou a legislação trabalhista (CLT), o décimo terceiro salário e as férias remuneradas, dentre muitas outras obrigações impostas aos patrões. O socialismo combate a iniciativa privada, o trabalho assalariado, o livre mercado. Socialismo e comunismo são expressões idênticas; A extinta União Soviética, ou URSS, se chamava na verdade União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A própria existência de partidos socialistas é ultrajante do ponto de vista lógico, uma vez que o socialismo não admite o pluripartidarismo. Se há partido político, não pode haver socialismo.
Confusão Provocada
A confusão é muito comum. Pensadores conscientes de esquerda a provocam intencionalmente. Tempos atrás circulou internamente uma cartilha do PT recomendando que não se utilizasse mais o termo “comunismo”, substituindo-o por “socialismo”. Este, no Brasil, é o velho trabalhismo de Vargas, requentado e pouco autêntico. Discuti outro dia com um amigo advogado que pretende endossar o socialismo no país ao argumento de que há países de sucesso que o vem adotando. Utilizou como exemplos países nórdicos, dentre os quais a Suécia, além do Canadá. Deveria ter falado também de Portugal para completar seu retumbante equívoco. Ora, a Suécia é uma monarquia e não preciso explicar ao atento leitor o ridículo de se imaginar nos tempos atuais uma monarquia socialista. Como se não bastasse, os países citados elegeram candidatos supostamente socialistas em eleições livres e através de escolha político-partidária, o que é incoerente: a velha ideologia de Marx não permite nem eleições, quanto menos partidos políticos. Aliás, o socialismo não admite a circulação de capitais e o livre mercado. Países socialistas são Cuba e Coréia do Norte. A China é muito doida, é impossível diagnosticar-lhe os sistemas político e econômico, e a Venezuela sequer conseguiu ser socialista. É tão somente uma ditadura latino americana mal arrumada. O que existe no primeiro mundo e por quinze anos se suportou no Brasil foram políticos socialistas, na verdade trabalhistas, alcançando o poder. Nele, empreenderam ações socialistas, conforme as respectivas constituições o permitiram.
RENATO ZUPO, Magistrado, Escritor.