O professor de Artes Visuais Caio Marcio Rodrigues David, mais conhecido como Kayho Rodrigues, é um jovem professor dedicado à educação e ao trabalho que realiza com a formação de atores na Paraíso Cia de Teatro, trabalho este que desempenha muito antes de se formar. Apesar da pouca idade, aos 23 anos, filho do casal Carlos Márcio David e Marlete Rodrigues David, irmão mais velho do estudante do Direito Cauê Márcio Rodrigues David, Kayho já trabalhou em diversas escolas e passou a ver na educação e no teatro um poder de transformação para o mundo. Sereno e acolhedor, é fácil enxergar nele todo o amor que sente pela profissão e pelo trabalho que realiza frente da sua Cia de teatro.
Jornal do Sudoeste: De onde surgiu o “Kayho”?
K.M.R.D.: Quando tinha entre meus 11 e 12 anos, comecei a mudar a grafia do meu nome, acho que já estava se aflorando o lado artístico em mim, então mudei o jeito de escrever. Nesta época, tinha uma marca de café com uma grafia toda diferente e se podia ser daquele jeito com aquela marca, por que não com o meu nome? De Caio passou a Kayho. Tornou-se um nome artístico. Recordo-me que chamavam a minha mãe porque eu estava sempre escrevendo o nome “errado” na prova, mas é o jeito que eu queria.
Jornal do Sudoeste: E como foi sua infância e fase escolar?
K.M.R.D.: Foi uma infância bem tranquila, sempre tive uma imaginação bem fértil que consequentemente contribui muito para o meu trabalho; também era de brincar na rua e também de teatro sem saber que estava fazendo teatro. Na escola sempre fui um aluno muito participativo: das festas juninas, de dança, teatro entre outras atividades e acredito que foi nessa fase que começou o meu despertar para estas artes. Não era uma criança inibida, participava de tudo. Aqui, estudei no Noraldino Lima, no Paraisense e completei meus estudos no Ditão.
Jornal do Sudoeste: Por que escolheu como profissão trabalhar com as artes?
K.M.R.D.: Quando terminei o Ensino Médio, meu sonho era estudar Comunicação Social, especialmente Rádio e TV ou Cinema. Nesta época comecei a pesquisar sobre, e pensei em prestar vestibular na Casper Líbero, em São Paulo, mas era um investimento muito alto; meu pai me levaria lá para isto, mas estudar seria uma possibilidade a ser pensada, já que não era apenas passar no vestibular, havia todo o custo de morar em São Paulo, pagar esses estudos. Nesta época pensei bastante, e veio à cabeça sobre trabalhar com arte e ser professor; pensei que se eu me formasse desta maneira, poderia conseguir um emprego e buscar uma nova formação. Todavia, hoje, analisando, vi que foi muito mais vantajoso me formar professor; com 22 anos consegui comprar meu primeiro carro zero, e não ganhei, foi uma conquista minha que talvez não tivesse se concretizado se eu tivesse seguido o lado da comunicação.
Jornal do Sudoeste: Co-mo foi essa educação superior e o começo profissional?
K.M.R.D.: Em 2013 comecei a minha faculdade de Artes Visuais, concluindo em 2015. Em 2014 realizei um curso técnico em Arte Dramática, no Senac em Franca e que já não existe mais, hoje é curso de Técnico em Teatro, o qual pretendo fazer já que é mais amplo. Fiz pós-graduação em Gestão de Projetos Sociais em Ribeirão Preto, na Barão de Mauá e, também, especialização em Educação Lúdica pela São Luiz de Jaboticabal. Sobre o começo, quanto terminei a faculdade em fevereiro de 2016 já consegui pegar aula na Escola Estadual Ana Cândida de Figueiredo, em um projeto integral, para trabalhar com crianças.
Jornal do Sudoeste: Foi difícil trabalhar com essas crianças?
K.M.R.D.: Lembro-me que quando eu estava na faculdade, pensava só em trabalhar com o Ensino Médio e que não trabalharia com crianças, o que não aconteceu já que minha primeira experiência foi com crianças. Na época, eu fui questionado se já havia trabalhado com crianças, mas eu disse que não e que estava disposto a aprender. Eu adorei. Depois disto voltei trabalhar com esse público este ano no João Alves. Acredito que cada fase tem suas peculiaridades e eu adoro trabalhar com a criança por causa da afetividade e do interesse que ela tem por aprender. Sempre trabalhei em escola pública, e meus alunos sempre me respeitaram muito, mas ao mesmo tempo sempre tiveram muita liberdade para conversar comigo. Querendo ou não, você passa a fazer parte da vida daquela criança.
Jornal do Sudoeste: Como começou o projeto Paraíso Cia de Teatro, foi sua primeira experiência na área?
K.M.R.D.: É uma história que começou no Ensino Fundamental. Neste ano peguei algumas aulas no Paraisense, onde estudei. Para mim é muito gratificante voltar lá, porque foi onde tudo começou. Recordo-me que tínhamos o coral e havia a apresentação do Natal de Luz. Naquele ano havia sido a última apresentação e, no ano seguinte, a Zélia Diogo começou a dar aulas de teatro. Apresentamos várias peças, entre elas “A Noviça Rebelde”, “A Bela e a Fera” e “O mágico de Oz” e foi aí que criei esse amor e essa vontade de fazer teatro. Quando cheguei ao Ditão, em 2010, não tinha nada disto. Na época, comecei a fazer teatro com a Kátia Mumic e queria que tivesse teatro naquela escola e levei a ideia para alguns professores, sendo que a única que comprou a minha ideia foi a professora Gisa, que dava aulas de Educação Física. Eu tinha 15 anos e ela me deu todo esse apoio e suporte. A ideia nasceu em 2010, até ensaiamos algumas peças, mas o projeto só foi se efetivar em 2011. Ensaiamos uma peça chamada Remix, e estreamos em maio daquele mesmo ano. O grupo até então não tinha nome e somente alguns anos após é que foi se tornar Paraíso Cia de Teatro. Vendemos ingressos a R$ 1 e mesmo assim, foram mais de mil e a peça foi um sucesso.
Jornal do Sudoeste: Depois que se formou manteve o projeto do teatro paralelamente?
K.M.R.D.: Sim. Em 2013 comecei a fazer faculdade à noite, como na parte da manhã e da tarde eu não tinha uma ocupação ia para o Ditão e ficava lá ajudando no que fosse preciso e, paralelamente, continuei com o teatro. Em 2014 ensaiamos algumas peças, mas não chegamos a apresentar, até que em 2015 retomamos as atividades e apresentamos a primeira peça: “Vovó deu um tapa na pantera” e “E aí”. Daí para frente o teatro foi crescendo. Em 2016, quando abri as inscrições, batemos o recorde: foram 76 inscrições e, até junho, tínhamos cerca de 56 alunos. Para um grupo de teatro eram muitos alunos e era um projeto voluntário. Continuamos crescendo até, que neste ano, conseguimos produzir oito espetáculos.
Jornal do Sudoeste: Diante deste trabalho, co-mo você enxerga a importância do teatro para Paraíso?
K.M.R.D.: Através do teatro conseguimos tocar em diversas questões e feridas que precisam ser mexidas, é o famoso “alguém precisa dizer isto”. Mais do que isso: o teatro é um meio de expressão que o homem usa para falar o que habitualmente ele não poderia. É muito importante no geral. Para Paraíso, é uma área difícil de ser trabalhada. Em 2015, quando eu já estava formado e quis colocar essa formação em prática, vi que grande parte não daria certo por conta dos costumes. Percebi que aqui há um gosto maior por espetáculos infantis e de comédias, tanto que quando é apresentado um drama as pessoas se mostram um pouco decepcionadas porque “não teve graça”. Porém, o que tem me deixado feliz é que o gosto e o hábito das pessoas estão mudando, elas têm ido mais ao teatro e percebendo a minha evolução juntamente com esse público.
Jornal do Sudoeste: Qual foi seu maior desafio até hoje?
K.M.R.D.: Acredito que tenha sido este ano, quando organizamos o 6º Festival de Teatro. Digo que o mais difícil porque eu levei sozinho no peito. Não tenho mais a parceria que eu tinha com o Ditão, tentei fechar parcerias com algumas instituições da cidade que se recusaram. Eu tenho quatro turmas de alunos, e houve vários dias que tivemos que ensaiar na rua, na praça em frente à Prefeitura, então, foi bem complicado. Como que um projeto é desenvolvido dentro de uma Escola e de um dia para o outro passa a acontecer na rua? Foi bem complicado porque produzi sozinho e já esperava por isso. Mas mesmo assim, o Festival aconteceu, foi exitoso e conseguimos manter a qualidade das apresentações. Tudo serve de aprendizado, mas consegui extrair o que eu não quero para os próximos anos.
Jornal do Sudoeste: Teatro e ser professor. Du-as vertentes que não são muito valorizadas. Como você lida com estas questões?
K.M.R.D.: Acredito que boa parte das pessoas não valorizam esses profissionais porque não tem o conhecimento. Penso que o teatro, por exemplo, não é valorizado porque as pessoas não conhecem o que é o teatro. Às vezes sou procurado por pais que elogiam as apresentações ao final e confidenciam que não tinham ideia do quanto aquilo era trabalhoso e o quanto seus filhos estão se dedicando. Acredito que não é uma arte valorizada, mas ver o reconhecimento é uma maneira se valorizar meu trabalho e é muito gratificante para mim. Sobre ser professor, é uma ferida delicada de se mexer porque não é uma categoria unida, se fosse, talvez conseguíssemos chegar onde almejamos.
Jornal do Sudoeste: Vo-cê seria outra coisa que não professor?
K.M.R.D.: Por conta da minha pouca idade, quando meus alunos têm um pouco mais de liberdade eles me questionam se eu vou continuar sendo professor e, talvez, eles vejam que eu mereça mais do que isto, porém, felizmente, eu amo ensinar, amor dar aula, estar dentro de uma escola e nunca me imaginei falando essas coisas e hoje falo, porque não tem sensação melhor quando vou dar aula. Eu não acordo pensando que tenho que trabalhar, acordo pensando que tenho que ir para a escola encontrar meus alunos. Ir para a escola não é um peso, é algo que me completa e me agrada muito. Se eu não fosse professor, talvez trabalhasse com gestão de alguma coisa.
Jornal do Sudoeste: E qual foi o seu maior desafio enquanto professor?
K.M.R.D.: Como professor foi em uma escola que trabalhei em Passos. É uma escola que acolhia muitas crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. De todos os lugares que trabalhei, acredito que aquele foi um dos maiores desafios. Eu havia saído da minha zona de conforto e de tudo o que estava acostumado a viver e a enxergar em Paraíso. A perspectiva de vida daqueles alunos era diferente da minha. No começo, esses alunos foram muito resistentes, mas bem rápido se afeiçoaram e criamos vínculos, consegui estabelecer regras. Todavia, foi muito difícil ver que muitos daqueles alunos tinham vontade de ser bandido, de roubar, que o mais fácil e inadequado era o que eles queriam para a vida. Foi um desafio muito grande e diferente de tudo o que eu já tinha vivido. Colhi muito frutos positivos também, no final do ano fui convidado para ser padrinho de formatura das turmas de 9º ano e 3º ano colegial. Nesse período que estive com eles consegui fazer uma excursão para Franca e, ir a Fraca era algo muito banal para mim, mas ver os olhos daqueles alunos brilharem, a festa que fizeram quando fomos ao shopping, na faculdade. Eles amaram essa viagem que foi simples e vai ficar marcado na minha memória; são situações assim que me fazem enxergar que vale a pena ser professor.
Jornal do Sudoeste: Como você avalia a situação da educação de quando você foi aluno para o agora
K.M.R.D.: De lá para cá a educação se modernizou bastante e se perdeu. É um assunto delicado porque hoje o Estatuto da Criança e do Adolescente dá muito direitos aos alunos, deveres que não são cumpridos. Por eu ter passado algumas situações complicadas dentro de sala de aula eu sei que o aluno sempre se sobressai e tem seu direito garantido. Ao passo que o professor não tem direito sequer a um protocolo em caso de agressão, seja ela física, verbal. Já ocorreram casos no estado de professores que foram agredidos por alunos e sofrem ameaças e nada acontece. No momento de fazer uma perícia e apurar o caso, o resultado é que o professor caiu, provocou o aluno... o professor não tem razão. A questão não é punir o aluno ou expulsá-lo da escola, é buscar meios de combater esses abusos contra o professor.
Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você faz dessa sua caminhada até agora?
K.M.R.D.: De que vale a pena tentar. Nem todos os que tentaram conseguiram, mas o que conseguiram tentaram. Sigo tentando em tudo, na arte, na escola, na profissão, na sociedade... Acredito que sozinho não chegamos a lugar nenhum. Inúmeras pessoas plantaram sementinhas em mim que hoje me pego pensando “quem diria eu estaria onde estou hoje”. Sou muito grato por todos aquelas que passaram e estão na minha vida. Sou uma pessoa muito privilegiada, de uma família muito boa, sem meu pai e minha mãe eu não seria nem o sapato que estou usando hoje. Fiz grandes amizades e sempre fui aquele que sempre buscou a ajudar o outro, não importando se fosse um trabalho competitivo ou não e que bom que eu fui, sou e continuo assim. Tive boas oportunidades e se não fosse a oportunidade que a Gisa me deu nas aulas de Educação Física dela, talvez a Paraíso Cia de Teatro não tivesse existido, e ela é nossa grande madrinha. Também tivemos um apoio muito grande do Alípio e tenho uma gratidão imensa pelos dois. O teatro me move, e as pessoas querendo fazer teatro me faz seguir em frente.