ELE por ELE

Edmar Viana: A luta como formação cidadã

“Quero que as crianças tenham a oportunidade de aprender futebol, handebol, basquete, vôlei, natação, todos os esportes, inclusive a luta
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 10-12-2018 10:33 | 2856
O atleta Edmar Viana é personal trainer e está concluindo sua licenciatura em Educação Física
O atleta Edmar Viana é personal trainer e está concluindo sua licenciatura em Educação Física Foto: Reprodução

O atleta, personal trainer e estudante de Educação Física, Edmar de Souza Viana, tem construído uma carreira sólida no Jiu-Jítsu e, neste sábado (8/12), participa pela terceira vez do Campeonato Pan- Americano da categoria, onde espera obter sua terceira vitória consecutiva. Natural de São Paulo, filho de Luiz Gonzaga Viana e Maria Fátima de Souza Sobrinho, veio para Paraíso aos 11 anos, mas nunca teve muitas raízes, tendo já transitado por outras cidades pelo interior de São Paulo. Foi no Jiu-Jítsu onde ele se encontrou e buscou por meio do esporte ter uma vida mais saudável. Aos 33 anos, Viana acredita que o Jiu é muito mais do que um simples esporte de luta, é uma filosofia de vida que vai além do que as pessoas acreditam: que os esportes de luta são violentos. E é contra essa crença que ele também luta e que busca, por meio da educação, quebrar esse paradigma e tornar o esporte tão comum quanto qualquer outro dentro das escolas.

Jornal do Sudoeste: Como surgiu Paraíso na sua vida?
Edmar Viana: Eu tinha 11 anos de idade quando me mudei para cá, mas neste meio tempo tive idas e vindas, morei em Ribeirão Preto, Guariba, Sertãozinho, mas me estabilizei aqui há cerca de oito anos. Meu pai tinha um parente aqui e, após um desentendimento familiar, veio morar aqui em Paraíso. No decorrer da situação, minha mãe, buscando uma reconciliação também veio, mas eles acabaram se divorciando e ela retornou a São Paulo.

Jornal do Sudoeste: Co-mo ficou a situação escolar durante essa fase?
Edmar Viana: Acabou prejudicando um pouco e foi uma fase conturbada, porque eu sempre gostei muito de estudar. Depois que meus pais se separaram atrapalhou um pouco porque eu precisei trabalhar, precisei me desenvolver também e morar sozinho, foi difícil conciliar tudo.

Jornal do Sudoeste: E como o Jiu-Jítsu entrou na sua vida?
Edmar Viana: Depois que terminei a escola, por buscar uma vida mais saudável, percebi que a luta tinha muito daquilo que eu buscava e queria viver: conquista pessoal, atividade física que iria me ajudar, que iria me beneficiar e seria de valor para a minha vida pessoal. Depois de um tempo percebi que as competições me atraíam muito e comecei a ter aquele anseio por competir e por querer está no pódio e é o que faço hoje.

Jornal do Sudoeste: Ser lutador tronou-se praticamente sua profissão?
Edmar Viana: Sim, mas não é o que o que faço para sobreviver. Eu sou personal trainer e minha carreira como atleta ainda é curta e para viver profissionalmente teria que ter começado bem antes. A partir do próximo ano, estarei federando em uma federação internacional de Jíu-Jítsu e espero que com esta federação possa conseguir ter um pouco mais de conhecimento dentro e fora do país e tentar conquistar algo fora. Por mais que lutemos pela confederação brasileira, recebemos muitas chamadas para competições fora do país, mas infelizmente a condição financeira não ajuda muito. O detalhe é tentar abrir um pouco mais de visão a chamar a atenção de patrocinadores maiores para que eles vejam que o atleta tem talento e profissionalismo – somente o talento não basta. Não dá para ser atleta somente quatro dias da semana, a dedicação tem que ser integral. Coisas como balada, bebida, drogas esse tipo de coisa não existe para o atleta.

Jornal do Sudoeste: Não dá para viver do esporte?
Edmar Viana: Infelizmente, não. O esporte no Brasil, e até critico um pouco isto, é somente o futebol. Falta muita oportunidade para as pessoas de outras áreas esportivas porque eles se concentram muito no futebol e esquecem que existem mais esportes sendo praticado no país. Há muitos esportes e a luta é um dos mais completos e mais antigos que existem, está na humanidade desde os seus primórdios. 

Jornal do Sudoeste: Existe um preconceito sobre a  luta ser um esporte violento.
Edmar Viana: O que muitas pessoas ainda não sabem diferenciar são as lutas de brigas das lutas esportivas. Tanto o é que estou formulando um projeto para a inclusão da luta nas escolas, para tentarmos tirar esse pensamento retrógrado de que a luta é violenta. A luta é totalmente disciplinar, totalmente contra a violência e, dificilmente, você vê o atleta agredindo alguém, sendo mal educado, esse não é perfil de um atleta. Diariamente, lidou muito com esse preconceito e as pessoas em geral não têm muito conhecimento; é comum eu ser desafiado, por exemplo, no trânsito, mas temos um autocontrole muito bom. Nunca usamos nosso conhecimento para agredir alguém, pelo contrário, é sempre para a defesa. A ideia é essa. 

Jornal do Sudoeste: No mundo em que vivemos, aprender o esporte para se defender é importante?
Edmar Viana: Acredito que no mundo de hoje, todas as pessoas de bem deveriam aprender o esporte para se defenderem: as crianças, mulheres, jovens, todas deveriam aprender uma luta para se defenderem, e também para  uma vida saudável.

Jornal do Sudoeste: Você está só no Jíu ou pratica outros esportes?
Edmar Viana: Estou no Jiu-Jítsu, mas também pratico Judô, faço alguma coisa de Boxe, faço de tudo um pouco. Estou concluindo minha faculdade de Educação Física e vou começar a dar aulas nas escolas, então busco desenvolver todos os esportes, mas o esporte com o qual mais me senti confortável foi justamente a luta.

Jornal do Sudoeste: Qual foi o seu primeiro campeonato profissional?
Edmar Viana: O primeiro foi um campeonato paulista pela Confederação Brasileira de Jiu-Jítsu Esportivo (CBJJE), em 2016. Foi um campeonato muito bom que aconteceu em São Carlos e tinha que ser federado, passar por exames e ter um parâmetro de atleta mesmo. Fora isto, participei de muitos campeonatos regionais desde que comecei no Jiu-Jítsu, em 2013. Em campeonatos maiores participei do Mundial e do Pan Americano.

Jornal do Sudoeste: Como foi participar do mundial?
Edmar Viana: Para mim foi algo épico. À época por eu não ter condições, e os gastos com a participação destes eventos ser muito expressiva, eu participei de uma seleção interna da equipe que eu estava. Nessa competição eu tinha que ganhar de todos os outros, ser o melhor, que valia uma vaga para o mundial, e com isso ganhei a chance de poder participar. O Mundial aconteceu no Ibirapuera, em São Paulo.

Jornal do Sudoeste: A emoção é sempre a mesma ao participar desses campeonatos?
Edmar Viana: Para ser bem sincero, ao longo de muitas participações a gente vai ficando mais tranquilo. Claro que tem toda aquela questão da ansiedade, que às vezes bate um mês antes, ou uma semana antes e até mesmo no dia da luta. Mas a questão da adrenalina, a pulsação, a emoção toda é a mesma em todas as lutas. Quando você coloca o pé no tatame o mundo gira e se torna outro e é neste mundo onde eu me encontro.

Jornal do Sudoeste: E não é nada fácil porque dali só sai um vencedor, não é mesmo?
Edmar Viana: Sim, é muito difícil. Até hoje tive apenas duas derrotas na minha categoria. A primeira em 2017, quando participei de um campeonato e machuquei a costela na final do Brasileiro. A segunda foi no Campeonato Mundial neste ano, que cheguei a final, ganhei, mas tomei uma punição que até hoje não acredito. Foi uma decepção muito grande, porque você se esforça o ano todo, se machuca, treina o ano todo e abre mão de muita coisa para estar no tatame. É difícil conseguir patrocínio e conciliar tudo. Chegar num mundial, chegar na final, ganhar e depois tomar uma punição do juiz é incabível. Eu luto há muito tempo e sempre me atualizo das regras, para mim aquela punição não existiu e isso me desanimou muito. Se eu tivesse perdido eu teria ficado muito feliz, porque treino muito para chegar lá e dar uma boa luta para meu adversário e se ele me supera é porque mereceu e isso me deixa contente. A derrota neste mundial, para mim foi o pior momento diante de toda essa minha trajetória.

Jornal do Sudoeste: Qual a maior dificultade, é se machucar?
Edmar Viana: O próprio nome já diz: lutador. É uma luta constante contra a dor. As lesões acontecem. Eu treino sempre com pessoas pesadas, faixas-pretas e que já treinam há muito tempo. Antes de entrar no tatame nós somos todos amigos, mas quando começamos o treinamento, esquecemos isto para poder dificultar mais e buscar resultado. Não é nada delicado, embora façamos de tudo para não machucar e preservar o companheiro de luta. Todavia, ainda acho que a maior dificuldade que o atleta enfrenta é a questão do patrocínio e da manutenção desses custos que são bem altos. Se eu tivesse a oportunidade de participar do Pan Americano em Los Angeles, promovido pela confederação internacional da categoria, acredito que teria bons resultados. Não somente eu, mas vários atletas porque Paraíso tem pessoas muito boas, mas falta incentivo e apoio financeiro.

Jornal do Sudoeste: Você pretende dar aulas, como está se preparando?
Edmar Viana: Faço licenciatura em Educação Física e quero fazer inclusão das lutas nas escolas. Estou montando um projeto e quero poder plantar essa semente para as gerações futuras. Meu único arrependimento é de não ter começado a lutar antes e tido essa oportunidade. Por tudo ser muito caro, a gente acaba se privando de muita coisa, e é isso que eu não quero para nossas crianças. Quero que elas tenham a oportunidade de aprender futebol, handebol, basquete, vôlei, natação, todos os esportes inclusive a luta.

Jornal do Sudoeste: Há locais onde o ensino de lutas faz parte de grade escolar ?
Edmar Viana: Sim. Em Dubai, por exemplo, o Jiu-Jítsu é uma disciplina obrigatória nas escolas. Tanto, que muitos atletas brasileiros vão para lá para poder dar aula e são muito bem remunerados. Hoje, Dubai é considerado o país do Jiu-Jítsu. Eles fizeram o que o Brasil deveria ter feito: valorizar este esporte que é benéfico em inúmeros aspectos. Recentemente, descobri uma escola onde é lei o ensino de Jiu-Jítsu, mesmo porque a luta faz parte dessas disciplinas de ensino assim como qualquer outro esporte e tenho por objetivo no meu TCC apontar o porquê isso não está acontecendo, quais são as dificuldades, entre outras questões.

Jornal do Sudoeste: Qual a importância do ensino da luta para as futuras gerações?
Edmar Viana: Não tem dimensões. Uma criança que cresce com o esporte, desenvolve todos os aspectos físicos, cognitivos e motores, consegue diferenciar a briga de luta, se disciplinar e de conhecer outros esportes. Quando essa criança chegar a uma certa idade e tiver condições de escolher o que ela quer, ela verá que tem muitas outras opões de esporte para além do futebol.

Jornal do Sudoeste: Qual o balanço que você dessa trajetória?
Edmar Viana: Acredito que já vivi tudo o que eu tinha para viver. Não há nada novo que possa me surpreender. Acredito que já passei por tudo e não tenho mais aquela ganância que eu tinha a muito tempo de estar entre os melhores dos melhores. Quero ver agora até onde posso ir e poder ajudar a beneficiar outras pessoas. Não pretendo competir o resto da minha vida, pretendo parar daqui uns tempos e me dedicar a minha formação como professor de Educação Física e deixar a mensagem de que luta não é violência e que esporte deve ser um estilo de vida e que todos devem aderir: as mulheres para se defenderem de um ataque; as crianças para se defenderem dos brigões na escola; os jovens para evitar as drogas e fazer das lutas um estilo de vida.