A repórter e estudante de Jornalismo, Geovana Vara Gonçalves, é repleta de ideias e como a maioria dos jovens de sua geração, muito à frente de seu tempo. Atenta às causas sociais, ela destaca que por meio do seu trabalho pode dar voz a representantes de diferentes movimentos e ajudar a população a se tonar mais tolerante e esclarecida sobre os mais diversos temas, seja ele racismo, violência contra mulher entre outros. Filha única do casal Maria Emília Vara Gonçalves e Marcos Antônio Gonçalves, Geovana é uma é jovem alegre e que ainda tem um longo caminho pela frente. Sempre risonha, é com esse espírito alegre que ela conta um pouquinho de sua vida e sua experiência como jornalista.
Jornal do Sudoeste: como foi a infância em Paraíso?
G.V.G.: Sou filha única. Apesar de não ter tido irmãos, tive uma pessoa muito iluminada na minha vida que é a minha avó Neiva, que sempre foi muito próxima e cuidava de mim para que minha mãe e meu pai pudessem trabalhar; nós brincávamos muito: peteca, escolhinha, boneca; minha avó sempre foi alto astral, esse ano ela faz 80 anos. Foi uma infância muito boa, tanto em casa quanto na escola e, apesar deles trabalharem bastante, sempre foram muito participativos na minha vida. Minha avó me buscava na escola, me levava, sempre estivemos muito juntas e, com o falecimento do meu avô fui morar com ela.
Jornal do Sudoeste: E na escola? Era boa aluna?
G.V.G.: Era ótima aluna e minhas notas sempre foram boas. Acho que não dei trabalho nesse sentido, mesmo por ser filha única. Sempre gostei de estudar e brincava de escolhinha todos os dias antes de ir para a escola. Ficava muito ansiosa para ir estudar e quando chegava ia direto fazer minhas tarefas da escola, e sempre foi assim.
Jornal do Sudoeste: E como foi a adolescência, como lidou com questões como racismo?
G.V.G.: Adolescência é sempre complicada para todo mundo, mas eu sempre me aceitei, aceitei meu cabelo do jeito que ele é: meu cabelo sempre cacheado e armado; quando eu era menor e estava no fundamental sofri bulling de algumas pessoas. Às vezes pensava “que chato essa pessoa ficar falando isto o tempo todo”, mas isto nunca me afetou. Fui entender que o que eu sofria quando menor e na adolescência era racismo depois de um tempo. Na minha família, o lado materno são pessoas brancas, já o lado paterno tem parentes que são negros e outros que não se reconhecem como pessoas negras, mas como pardas, morenas... Então eu não tinha consciência de ser e de fazer parte de um movimento tão forte quanto o movimento negro.
Jornal do Sudoeste: Havia resistência a essas formas de preconceito na família?
G.V.G.: Minha avó que é negra, sempre lutou pelos direitos dela e sem ter consciência disto. Então nunca deixou ninguém a subjulgar por ser uma mulher negra, por ter um cabelo afro e, esta questão do cabelo, ela passou a gostar do cabelo dela a partir do meu; acontecia de ela esconder o cabelo porque a sociedade falava para ela que era feio. Quando eu entendi na adolescência que essa discriminação estava errada eu me impus ainda mais. A adolescência foi difícil neste aspecto, que são questões chatas e quanto estamos nessa fase somo muito bobos, tudo é palhaçada, tudo é engraçado e não é. Tudo é carregado de preconceito e mascarado como se fosse uma piada sem maldade. Sempre fui contra isso e também defendia àqueles que passavam por algo similar.
Jornal do Sudoeste: Por que decidiu estudar jornalismo?
G.V.G.: Não era minha primeira opção, mas sempre quis ajudar as pessoas de alguma forma. No início eu pensava em estudar Direito, depois pensei em Engenharia Civil e por fim Arquitetura. Mas eu queria algo que eu pudesse ajudar ao próximo, e não conseguia ver de que forma a Arquitetura me ajudaria a cumprir este propósito. Cheguei a conversar com vários profissionais da área que me disseram que eu poderia criar projetos, mas não parecia suficiente e não me deixava satisfeita. Além disto, sempre fui apaixonada por fotografia, desde muito pequena. No primeiro ano do ensino médio comprei uma máquina digital para fazer um curso disponibilizado pela Prefeitura de Paraíso e a partir daí comprei outra e nunca mais parei de tirar fotos, é o que me relaxa. Tiro fotos de qualquer coisa e tudo para mim é interessante e tudo o que vejo se torna interessante mesmo que outras pessoas não achem isto.
Jornal do Sudoeste: Foi isso que te motivou a escolha do jornalismo?
G.V.G.: Sim. Eu queria estudar fotografia, mas me parecia pouco. Assim, pensando no fotojornalismo, optei por este curso, em 2016, e comecei a estudar. Este ano me formo na UEMG/Passos. Desde a primeira matéria que fiz, acabei me apaixonando e não poderia ter escolhido outras profissões, acredito até que foi o jornalismo que me escolheu. Mas pretendo fazer outras coisas, só o jornalismo para mim não é suficiente. Eu adoro jornalismo, o contato com as pessoas e adoro poder contar histórias.
Jornal do Sudoeste: Como o jornalismo pode ajudar as pessoas?
G.V.G.: No começo eu pensava nisto e me deparava muito com casos de pessoas que queriam ter condições melhores de vida, seja de infraestru-tura, saúde e educação. Sempre que faço uma matéria envolvendo esses temas, ou temas sociais, sinto que não resolvo o problema de imediato daquela pessoa, mas consigo fazer com que algumas pessoas ou pessoas responsáveis por dar um solução para aquele caso, olhem para aquela pessoa e deem mais atenção.
Jornal do Sudoeste: Há alguma história que tenha te marcado?
G.V.G.: No último ano conheci a mãe de uma criança autista residente em Monte Santo de Minas. Foi um encontro por acaso na AMA sobre uma matéria que não era minha sobre o Dia do Autismo, fui apenas como cinegrafista. Lá essa mãe me contou que tinha alguns brinquedos em sua casa para receber crianças para brincar com o filho dela como uma forma de interação social. Achei aquilo muito interessante e que dava uma matéria de destaque; mas essa mãe disse que não era nada muito interessante, que tinha apenas 10 brinquedos e eu expliquei que o propósito da matéria era justamente este: mostrar que ela queria construir algo para ajudar o filho dela, mas também outras crianças de sua cidade e para que outras pessoas pudessem conhecer esse trabalho. Fomos até ela e fizemos a matéria que repercutiu e gerou uma proporção muito grande. A partir da matéria, muitas pessoas doaram brinquedos, um teclado para que a criança pudesse ter contato com a música. É uma família que eu tenho contato até hoje e cheguei a fazer um trabalho para a faculdade para contar essa história. Fiz essa matéria para a Folha da Manhã, a Folha Revista e isso tomou tal rumo que hoje ela vai a Belo Horizonte para discutir políticas públicas sobre o autismo na cidade dela. Hoje o trabalho dela atende cerca de 20 e 30 crianças e o autismo passou a ter visibilidade em Monte Santo, ao passo que não se dava muita importância antes disto e se tornou prioridade.
Jornal do Sudoeste: Qual foi o pior momento que você passou na profissão?
G.V.G.: No começo. Entrei na TV Sudoeste como estagiária e fui orientada por um tempo pela Angélica Dizaró. Até então eu não sabia nada, era meu primeiro ano de faculdade e é tudo muito teórico e não lhe passam nada sobre como ser e como agir enquanto repórter. No final de agosto fui contratada e já tinha aprendido muita coisa. Porém, no começo eu me sentia muito insegura e não sabia se tinha sido realmente clara e esta sempre foi minha maior preocupação, mas no começou eu travava muito. Quando comecei a trabalhar como correspondente da Folha no final do ano passado, também não sabia se estava bom o suficiente, foi outro aprendizado e outra experiência. Então, acho que o pior momento foram esses inícios e a insegurança na carreira que eu tinha. Sou uma pessoa que se cobra muito.
Jornal do Sudoeste: Mas isto não te impediu de continuar...
G.V.G.: Não, tudo nós temos que arriscar para poder fazer; e estou no momento certo para isto que é o momento da faculdade, então aproveito a cada um desses momentos para fazer uma matéria difícil, de política, de polícia, de polêmicas da cidade, não tenho mais esse receio.
Jornal do Sudoeste: É difícil ser repórter ?
G.V.G.: Tem dias que não tem nada, mas há dias que são 10 ou 20 matérias que surgem e não dá para fazer tudo, embora seja esta a vontade. Mas tenho lidado bem com esta questão; no começo eu queria dar conta de tudo, mas a gente entende que não tem como e que a gente precisa ter prioridades para fazer tudo com a maior cautela.
Jornal do Sudoeste: Você falou sobre a luta do movimento negro. Como o jornalismo pode ajudar nisto?
G.V.G.: Quando eu comecei no programa De Mulher para Mulher, pude ter mais contato com matérias sobre movimentos sociais, não apenas de Paraíso, mas do Brasil inteiro. Assim, dávamos oportunidade a representantes destes movimentos e aprendi muito com isto. Sobre o movimento negro aprendi muito com a socióloga Eloíse Iara, sobre o feminismo com a Cristiane Bidewald e outros temas. Pude desta forma dar voz para essas pessoas para falarem sobre esses temas que, mesmo sendo em uma TV de interior, onde as pessoas são um pouco mais conservadoras, puderam ver e aprender sobre essas questões também e passaram a ter conhecimento sobre seus direitos e que elas podem denunciar questões sobre abusos e casos de discriminação.
Jornal do Sudoeste: Como é para o jovem viver em Paraíso?
G.V.G.: Sim, acredito que é uma cidade conservadora. Para o jovem não tem muita opção de entretenimento e às vezes, o que tem não é bem divulgado e acabamos perdendo. Porém, recentemente passou a ter um movimento maior, especialmente dos grupos de teatro e achei isso muito interessante. Há alguns dias passei pela Praça da Matriz e tinha muito gente: estavam cantando, dançando, se divertindo e não precisando sair da cidade para fazer alguma coisa. Porém, percebo que em Passos, por exemplo, que é uma cidade próxima, há mais coisas, talvez por ter mais jovens por causa da universidade, mas acho que Paraíso precisa investir mais em eventos culturais e atividades que alcancem não apenas os jovens, mas toda a população.
Jornal do Sudoeste: Você tem planos para o futuro ou pensa apenas no agora?
G.V.G.: Eu gosto de planejar, mesmo que não aconteça daquela forma. Quero ir para fora, fazer especializações na área. Quero viver um ano cultural também depois de formada, mas temos que trabalhar (riso). Porém, gostaria de viver em uma cidade onde eu tivesse acesso mais fácil a cultura, como São Paulo e pudesse conciliar isto com meu trabalho. Passei recentemente uma semana em São Paulo e a quantidade de eventos que vi lá, é o que tem em Paraíso em um ano... entendemos que a proporção é diferente, mas acredito que aquilo que eu vivi deveria ser para todo mundo.
Jornal do Sudoeste: Qual a importância da imprensa?
G.V.G.: Tirando as críticas que fazem sobre a imprensa no interior ser tendenciosa, a TV, o jornal impresso, a rádio, a web, são plataforma que atingem faixas etárias diferentes. Tenho parentes que só assistem TV, outros que só leem jornal, outras que só escutam rádio. Independente do veículo ele alcança todos os públicos ele é importante para levar a informação.
Jornal do Sudoeste: Muito jovem, mas qual o balanço você faz desses seus 21 anos ?
G.V.G.: Uma vida de descobertas. A cada dia, a cada mês, a cada ano eu descubro que sou mais forte do que eu pensava, mais capaz do que eu imaginava e me cobro um pouco menos. Eu sei que às vezes a cobrança mata o que há de melhor dentro da gente porque queremos ser perfeitos e não dá. Vamos tocando a vida da melhor forma possível. A Geovana que eu era ficaria orgulhosa da Geovana que eu sou agora. Não me arrependo de nada e cada momento que eu passei serviu para me levar para um caminho melhor e conhecer pessoas incríveis e que fazem parte da minha vida. Não tem como ficar voltando atrás, e a vida não pode parar.