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Lara Galvão: Arquitetando a vida por meio das palavras

“A literatura pode transformar de várias formas, levando as pessoas a lugares e experiências que nunca viveram”
Por: João Oliveira | Categoria: Entretenimento | 18-02-2019 10:08 | 2171
Lara Galvão fará o lançamento do seu livro “Voltar para a Terra” neste sábado (16/2), na Casa Milaneze
Lara Galvão fará o lançamento do seu livro “Voltar para a Terra” neste sábado (16/2), na Casa Milaneze Foto: Arquivo Pessoal

A arquiteta e escritora, Lara da Cunha Calvão é paraisense que desde muito jovem tem se relacionado com o mundo das letras. Formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Londrina (PR), sua primeira publicação aconteceu quando tinha ainda entre seus 19 e 22 anos, após ganhar um edital que financiou esta primeira experiência como escritora. Filha de Norma da Cunha Galvão e Waldemar Antonio Galvão, ela está para lançar o seu mais novo trabalho: “Voltar para a Terra”, um livro de poemas que, segundo ela, se organizam de modo a formar um ciclo, um percurso. Lara atualmente vive em São Paulo, mas “volta para a terra”, no caso onde ainda vive sua família e amigos, para apresentar seu último trabalho.

Jornal do Sudoeste : Onde estudou em Paraíso?
Lara Galvão: Estudei nas escolas estaduais Coronel José Cândido e Campos do Amaral, passei também pelo Colégio Paula Frassinetti e Objetivo.

Jornal do Sudoeste: O que a motivou a seguir a carreira de arquiteta?
Lara Galvão: Fui fazer arquitetura pelo gosto pelas artes e por uma pequena facilidade para o desenho. Dentre os cursos de artes, na época, foi o que me pareceu ter um equilíbrio entre a área que gostaria de seguir e oportunidades de trabalho, este era em parte o meu pensamento. Mas também fui influenciada por pessoas à minha volta e a sociedade em si, eu não tinha uma inclinação para uma coisa só, foi uma escolha apenas, que pode definir muitas coisas na vida, eu sei, mas hoje tento não me prender aos padrões (o que não é fácil, nem sempre consigo), e a vida parece ir mostrando outras formas de fazer as coisas, outros olhares sobre um objeto, outras dimensões, questionamentos e ações, para transformar algo que nós mesmos fazemos e mesmo assim parece distante, em algo único e seu.

Jornal do Sudoeste: Você se deu bem com a carreira? Faria outra escolha se pudesse voltar no tempo?
Laura Galvão: Sim, eu já trabalhei em algumas áreas da arquitetura, consegui aproveitar os conhecimentos que a faculdade proporciona, junto com as experiências do trabalho prático, para desenvolver o meu lado profissional. Não posso reclamar do que tenho, só sou esta pessoa neste momento por um conjunto de acontecimentos, escolhas, pessoas, negações, afinidades, frustrações, fracassos, coragem, vulnerabilidade e provavelmente muitas outras conjunções.  Eu acho que as escolhas são únicas em seu tempo, mas se eu fosse escolher agora, neste tempo-espaço, eu provavelmente faria algum curso que tenha maior relação com a expressão artística, poética e social da escrita e da performance.

Jornal do Sudoeste: Por que decidiu ir embora de Paraíso e o que essa mudança representou para você? Foi difícil?
Lara Galvão: Eu fui embora de Paraíso para estudar, como muitos jovens daqui. Em minhas lembranças as dificuldades comuns de quando saímos de casa não soam como um peso, mais como uma experiência de amadurecimento, de ter que se virar com o que tem e com o novo. Quando se é jovem, parece mais tranquilo, né? Ou esquecemos depois (risos). As mudanças espaciais geralmente me proporcionam grandes movimentos internos, esta mudança, quando muito jovem, para um lugar longe e para fazer faculdade, foi muito importante para conhecer mundos diferentes e também me identificar com pessoas, modos de viver,  me fortalecer e me empoderar no que sou e em minhas escolhas.

Jornal do Sudoeste: Você acredita que falta oportunidade para os jovens profissionais em Paraíso?
Lara Galvão: Eu não moro em Paraíso há muito tempo, então não acredito ser a melhor pessoa para responder, mas acredito que faltem oportunidades sim, tanto para o estudo, trabalho, como para voltar depois e seguir vivendo em Paraíso, a depender do seu tipo de formação, ou da falta dela. Como em todo país, há poucas oportunidades principalmente para quem não tem o privilégio de um estudo de qualidade.

Jornal do Sudoeste: Você ainda mantém vínculos a sua cidade natal?
Lara Galvão: Sim, meus pais e outros parentes sempre viveram aqui, tenho alguns amigos que ficaram e outros que voltaram para Paraíso. Venho sempre que posso e passo todos os Natais. Para mim é importante vir para o Estado de Minas, tomar o café daqui, comer o pão de queijo, todas as comidas (risos), estar com pessoas queridas e na natureza e águas da região.

Jornal do Sudoeste: Você tem uma inclinação para a literatura e já tem até obras publicadas! Quando você também começou a dedicar o seu tempo para a escrita?
Lara Galvão: Eu escrevo desde a adolescência, mais por conta de gostar de ler e como uma forma de expressão natural. Não sei exatamente como começou este exercício. Comecei a me dedicar à escrita de forma mais consciente durante a faculdade, onde tinha uma biblioteca grande com muitas possibilidades e a facilidade de pegar livros de literatura e filosofia. Através destas descobertas fui testando formas de escrever e de encontrar meu jeito para isso.

Jornal do Sudoeste: Quais autores a inspiram ?
Lara Galvão: É difícil selecionar autores, pois são muitos e cada um inspira de uma forma, então farei uma grande lista (risos)! Entre eles estão João Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Clarice Lispector, Raduan Nassar, Carlos Drummond de Andrade, Caio Fernando Abreu, Carolina Maria de Jesus,  João Cabral de Melo Neto, Marcelino Freire, Francisco Alvim, Nicolas Behr, Hilda Hilst, José Saramago, Ana Maria Gonçalves, José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe, Gabriel Garcia Marquez, Ana Cristina Cesar, Herman Hesse, Graciliano Ramos, Albert Camus, Ferréz, Gaston Bachelard, Lawrence Ferlinguetti.

Jornal do Sudoeste: Como nasceu a ideia da sua primeira obra “Nada além de todos os dias”? Fale um pouco do seu processo criativo.
Lara Galvão: Este primeiro livro é de contos, escrevi durante a faculdade entre meus 19 e 22 anos. Não partiu de uma primeira ideia, eles não têm uma conexão específica entre si, alguns são histórias que fui escrevendo através de experiências, impressões do cotidiano, do espaço e das pessoas e outros são prosas poéticas em um exercício mais orgânico da escrita. Hoje não considero este livro bom, têm partes mal escritas, alguns “lugares comuns”, é mal editado e diagramado, o tamanho da fonte é muito pequena (risos)... Acho que duas coisas foram interessantes ao fazer este livro, uma foi o processo de como consegui realizá-lo, através de um edital da Secretaria da Cultura de Londrina, com o qual fui contemplada e que exigiu que eu fizesse um projeto estratégico, um plano de trabalho com contrapartida social; e outra foi a forma de escrever, com a liberdade e fôlego que eu tinha na época, trazendo sentimentos fortes para o texto. Ao mesmo tempo estas duas questões fizeram do livro também não tão bom, pois fiz praticamente tudo sozinha, sem muitos filtros, sem editor ou pessoa mais capacitada em literatura para criticar o texto. Hoje em dia passando por outras experiências, não muitas (risos), em contato com o mundo editorial, tenho mais condições de fazer esta análise. Ah, o desenho da capa é bonito, gosto muito, foi feito por um amigo muito talentoso: Rodi Barrocal.

Jornal do Sudoeste: Como nasceu a ideia do seu novo lançamento: “Voltar para a terra”?
ara Galvão: O meu novo livro “Voltar para a terra” é um livro de poesias, comecei a escrevê-lo durante um curso de Permacultura,  que resumidamente é um conjunto de ideias e aplicações que foram organizadas a partir de técnicas, conhecimentos e habilidades de sabedoria ancestral e tradicional junto as modernas. Tem como base a ecologia e é um instrumento utilizado para a criação de sistemas humanos sustentáveis, valorizando e unindo pontos como conhecimento tradicional, agricultura ancestral, construções eficientes, equilíbrio (mental, físico e espiritual), diversidade, recursos naturais e sustentabilidade. Tornando possível desenvolver técnicas de utilização consciente dos recursos naturais, como o solo e a  água, de forma eficiente, de baixo custo e de baixo impacto ambiental e que podem ser facilmente replicáveis em diversas comunidades. O que nos traz um resultado de cuidado com o planeta, com o outro e o uso e compartilhamento consciente dos recursos. Segundo um dos desenvolvedores da Permacultura, Bill Mollison, a Permacultura consiste na “elaboração, implantação e manutenção de ecossistemas produtivos que mantenham a diversidade, a resiliência, e a estabilidade dos ecossistemas naturais, promovendo energia, moradia e alimentação humana de forma harmoniosa com o ambiente”. Comecei a escrever as poesias como um exercício diário de escrita e naturalmente, por conta do encantamento e entendimento dessas novas ideias e experiências práticas de se utilizar dos recursos e das relações de forma mais consciente,  os temas dos poemas sempre tinham a ver com questões de cuidado com a terra, com o outro, com as relações e com a exaltação de belezas, levezas e alertas de destruição.

Jornal do Sudoeste: O título dá uma sugestão do que o leitor pode encontrar?
Lara Galvão: A terra é abordada em vários sentidos, como planeta, a terra onde nascemos e depois por onde transitamos, a terra onde plantamos e tiramos nosso alimento, por onde passam as águas, nossos rios como o Doce e o Paraopeba , a posse da terra, a relação campo e cidade, interiores e capitais, periferias e centros. Portanto, o título dá sim uma sugestão do que o leitor pode encontrar. O livro tem as suas unidades que são os poemas, mas se organizam de modo a formar um ciclo, um percurso, gosto de pensar que é do nascimento até a morte, é como uma vida que por estar impressa nesta existência e tentar revelar através da poética o que é simples e essencial, alerta outras vidas sobre como estamos vivendo. Os poemas são concisos e alguns visuais, tentam trazer a profundidade do simples, resultado de um trabalho de lapidação da escrita, de muitos cortes e escolhas. O livro foi editado pela Livre Editora, um selo criado da parceria de duas pessoas importantes na cena literária atual: o Marcelino Freire, grande escritor pernambucano, agitador cultural em São Paulo e por todo o país, que realiza a Balada Literária, evento de literatura que atualmente acontece em São Paulo, Teresina e Salvador. Ele também oferece oficinas de escrita incríveis e generosas, que são frequentadas por novos autores e que deram grande impulso para muitos escritores contemporâneos. Eu mesma fiz oficina com ele em duas oportunidades e este livro é com certeza fruto deste aprendizado. A outra pessoa é Vanderley Mendonça, que é escritor, designer e tradutor, que também criou e é editor do Selo Demônio Negro. Eles são algumas das pessoas que hoje incentivam a publicação independente e tornam possível livros como o meu serem publicados, sou muita grata pelo carinho e trabalho deles.

Jornal do Sudoeste: Falando em Literatura. Você acredita que ela pode transformar vidas?
Lara Galvão: Sim, acredito que pode transformar de várias formas, levando as pessoas a lugares e experiências que nunca viveram, mais sensíveis e espirituais, abrindo assim um campo sutil pouco frequentado em nosso jeito de viver, que geralmente é mais preso a matéria e as realizações nesta dimensão. Acredito que a literatura faz grande diferença no aprendizado de uma criança ou adulto, para ampliar seu repertório, ir atrás de novos interesses, expandir o modo de pensar trazendo novas ideias e diversidade. Acho que a literatura hoje, principalmente a poesia, transforma muitas vidas nas periferias e centros das grandes cidades, acredito que até em cidades menores com seus saraus e slams incríveis, tratando de temas sociais urgentes, de forma poética, com muita força e empoderamento. Trazendo para a rua, na boca, para quem quiser ouvir, uma poesia consciente que fala de tudo: questões de diferença social, das violências contra negros, mulheres, LGBTs, crianças, idosos, e também falam de amor, de fé, do que você quiser, é livre, isso é uma grande potência transformadora, realizada pela população, em comunidade, de forma horizontal e com respeito. Esse movimento que já vem acontecendo há alguns anos e me transforma constantemente.

Jornal do Sudoeste: Você tem alguma obra que marcou a sua vida? Qual e Por quê?
Lara Galvão: Sim, tenho algumas, vou citar seis: “Grande Sertão: Veredas” de João Guimarães Rosa, “Água Viva” de Clarice Lispector, “Lavoura Arcaica” de Raduan Nassar, “Quarto de despejo - Diário de uma favelada” de Carolina Maria de Jesus , “Um Defeito de Cor” de Ana Maria Gonçalves e praticamente tudo que leio de Manoel de Barros me marca. Cada um destes livros me marcou por vários motivos diferentes, mas todos pela originalidade da linguagem e temas. “Grande Sertão: Veredas”, acredito que seja o livro mais incrível que já li, por todo o contexto do cenário do sertão mineiro, da regionalidade, da linguagem, pelos personagens e suas inquietações, a procura de saber quem se é no sertão da vida, pelos  questionamentos... quem é Deus e quem é o Diabo? Muitas frases são extremamente profundas, guardamos em caixinhas para ler novamente depois por toda existência, um livro que nunca termina. E que história de amor! Só lendo.

Jornal do Sudoeste: Qual a mensagem que você deixa para os nossos leitores?
Lara Galvão: Lembrei-me de uma frase que é uma poesia. Fui a uma manifestação há algumas semanas, organizada pelos indígenas de todo país, que foi realizada nas principais cidades do Brasil e do exterior. O povo da floresta foi às ruas lutar por seus direitos, pela demarcação de terras, pela proteção da natureza e por suas próprias vidas, pois suas aldeias são muitas vezes invadidas com violência. Eles fizeram algumas faixas com frases e uma delas dizia: “Sem pacto com a mata o céu cairá”.

Jornal do Sudoeste: Quais são seus planos futuros?
Lara Galvão: Gostaria de continuar escrevendo.