TASSIN

Bombeiro Tassin retorna a Paraíso e relembra momentos emocionantes em Brumadinho

Por: João Oliveira | Categoria: Cidades | 22-02-2019 17:35 | 5523
Bombeiro Militar de São Sebastião do Paraíso, Guilherme Tassin
Bombeiro Militar de São Sebastião do Paraíso, Guilherme Tassin Foto: Nelson P. Duarte

O soldado do 2º Pelotão de Bombeiros Militares em São Sebastião do Paraíso, Guilherme Tassin, retornou da operação de resgate que participou em Brumadinho e relembra momentos emocionantes durante as buscas por vítimas soterradas pela lama da barragem de rejeitos de minérios da Vale que rompeu no último dia 25 de janeiro. Tassin recorda da tristeza com a qual se deparou em decorrência da situação e das famílias que aguardavam por notícias de seus entes desaparecidos, mas destaca a solidariedade e a união de pessoas naquele momento de dor.

Conforme conta o bombeiro militar, um dos momentos mais marcantes foi quando duas crianças, uma delas de sete e outra de seis anos, pediram, uma delas para que os socorristas salvassem o pai, e a outra, o irmãozinho chamado Heitor, de um ano e seis meses, ambas vítimas da tragédia.

Tassin chegou a Brumadinho em 8 de fevereiro e foram sete dias de trabalho, que se iniciavam com o nascer e encerrados com o pôr do sol. Ele conta que as buscas ainda permanecem por tempo indeterminado e que é possível que seja convocado novamente para ajudar no resgate de vítimas ainda desaparecidas.

Tassin, que integrou uma equipe de 11 bombeiros militares, explica que as equipes se alternavam para realizar as buscas em diferentes locais e que às vezes essas equipes passavam mais de uma vez pelo menos local, sempre encontrando alguma coisa. De acordo com ele, dada à profundidade da lama, uma equipe encontrava vítimas, outra realizava novas escavações e quando novamente outra equipe passava pelo mesmo local, acabava encontrando novas vítimas. O soldado recorda que nos dias que esteve em Brumadinho, pelo menos 400 bombeiros, não apenas de Minas, mas de outros estados da federação, trabalhavam nas buscas.

“Lá está uma atmosfera em que todos respiram a tristeza e a tragédia. A todo o momento aconteciam velórios e quando o helicóptero passava com possíveis vítimas resgatadas, a população já ficava ansiosa. Tudo isto era muito triste, mas também houve momentos bons como, por exemplo, a solidariedade. Ali, quase todo mundo perdeu ou parente ou amigos próximos e a todo o momento eles não hesitavam em querer ajudar a gente a continuar os trabalhos”, recorda.

Conforme Tassin, famílias se organizaram em grupos de voluntários para prestar total apoio aos bombeiros. “Lavavam nossas roupas, botas, fizeram uma estação de massagem e fisioterapia, trabalhavam para servir alimentos para nós entre várias outras ações de apoio. É uma situação triste, mas a questão do ser humano, mesmo em meio a esse sofrimento, foi emocionante. Às vezes uma pessoa estava trabalhando, ela parava para enterrar um parente e voltava para continuar trabalhando e se esforçando para ajudar a gente para que conseguíssemos encontrar mais vítimas para dar esse ‘encerramento’ para outras famílias”, ressaltou.

O soldado conta que o colapso aconteceu em um vilarejo há cerca de 20 quilômetros da cidade de Brumadinho e que todo mundo que estava ali, era parente ou conhecido de algum morador da cidade. “Houve pessoas que perderam mais de um parente de primeiro grau nesta tragédia e estávamos o tempo todo em contato com essas famílias.

O bombeiro conta que foi muito perguntado se eles tinham a expectativa de encontrar alguém com vida e a resposta era sempre veemente. “A nossa expectativa como bombeiros é de sempre encontrar alguém com vida e isto só termina quando achamos essa pessoa morta. Mesmo sabendo que tecnicamente isto só é viável nas primeiras horas, nosso trabalho e o nosso desejo é sempre de encontrar alguém com vida. Já fazia 25 dias que tinha acontecido o rompimento da barragem, porém, íamos para campo esperando encontrar alguém vivo, isto nunca é impossível. Infelizmente, encontramos apenas vítimas fatais e mesmo isto para as famílias já era algo muito importante, uma oportunidade de se despedir do seu parente”, destaca. O número de vítimas encontradas ainda é incerto, mas até meados da semana já se estimava 177 vítimas e outras 149 ainda estão desaparecidas.

DESAFIOS
Um dos maiores desafios, conforme narra o bombeiro, além do terreno incerto e perigoso, foi a toxidade da lama que é rica em metais pesados. “Essa lama era o rejeito do minério de ferro. Tivemos que usar roupa de mergulho para poder entrar na lama sem ter contato com a pele; além de mascara, protetor de ouvido, óculos, luvas e capacete. Além disto, tomamos antibióticos logo que chegamos e assim que saímos, para prevenir doenças como leptospirose, leishmaniose e muitas outras. Agora temos que fazer acompanhamento por pelo menos seis meses”, destaca.

Todavia, ele destaca que até o momento, não há informação sobre nenhum bombeiro que participou das operações de resgate veio a ser contaminado com alguma doença ou pelos metais pesados presente naquela lama. Tassin conta ainda que houve o perigo do rompimento de uma barragem próxima que acabou sendo afetada pelo rompimento da barragem vizinha, mas que ela foi drenada e isto permitiu que as buscas fossem retomadas. “Isso não foi o pior da história, o pior mesmo e complicado foi o deslocamento neste ambiente, foi extenuante, principalmente com todo o equipamento de proteção, o peso disto tudo; foi muito cansativo e desgastante. A roupa de mergulho veda a gente, não deixa nós termos contato com a umidade externa, mas também é muito quente. Andávamos com o auxílio de um pedaço de pau, sentindo o terreno para não ficarmos preso na lama”, recorda.

Tassin, que já atua como bombeiro há cinco anos, conta que, apesar das circunstâncias, foi uma experiência muito proveitosa. “Foi a primeira ocorrência de tamanha complexidade que atendi e, por coincidência, a maior do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. Acho que dificilmente voltarei a atender outra e espero que seja realmente a única. Apesar de toda a tragédia, naquele campo repleto de terror, víamos um broto de amor envolvendo as pessoas. O mesmo ser humano que mata é o mesmo ser humano que é capaz de sair de um velório e ao invés de chorar ir até ao local da tragédia ajuda a resgatar o corpo de algum vizinho, parente ou amigo vítima daquela circunstância”, completa.