Guilherme de Souza Borges
Ele nasceu no dia 04 de agosto de 1940, na região do Itambé, em Cássia, aqui nas Minas Gerais. Nos braços da mãe, nossa avó Júlia, recebeu o nome de Élio, mas seu pai, nosso avô Quinca Borges, na hora do registro, deu-lhe o nome Joel. E assim ficou, Joel Cintra Borges.
Desde a infância, mostrou-se um curioso nato e um teimoso irremediável, aliás, característica de todo bom Borges. Questionava tudo e não se contentava com explicações vazias e sem comprovação prática. Ainda na roça, sob a luz de vela ou lamparina, adentrava noite afora, lendo tudo o que via pela frente.
Por não concordar com a injustiça da idéia de Céu e Inferno, passou a questionar a existência de Deus e a importância da fé, tornando-se ateu, até que um dia, ouvindo uma palestra de Raul Teixeira, encontrou na doutrina Espírita a razão para se crer em Deus, desenvolvendo uma fé capaz de remover montanhas. E quantas montanhas ele removeu!
A ideia da reencarnação tornou-se para ele a explicação para aquilo que, aparentemente, poderia ser tido como injustiça Divina, e dizia: “Guilherme, a vida é uma fração de segundo, diante da eternidade”.
Queria ser médico. Então, o Plano Superior achou que os animais precisavam de um aliado e ele se formou em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, de cuja escola recebeu, recentemente, uma comenda, pelos cinqüenta anos de exercício da profissão. Com o senso de humor que lhe era peculiar, dizia: “Olha, meu caro, de agora em diante, favor me tratar por Comendador Dr. Joel Cintra Borges”, e caia na gargalhada, porque nunca foi apegado às vaidades do mundo material.
No exercício da sua profissão, percebeu que tinha a oportunidade de fazer um pouco mais, do que simplesmente clinicar e, assim, ouvia os seus clientes, percebendo a sua necessidade humana. Os seus pacientes saiam medicados e seus donos renovados por palavras de conforto, fé e esperança. Quando em consulta aos animais, aproveitava para se deliciar com a perfeição Divina, encantando-se com os corpos das criaturas, emocionando-se com o som das batidas do coração.
Estudava, também, a natureza humana, e não distinguia a posição dos clientes ou dos animais, enxergando em todos, uma oportunidade para fazer aquilo a que se propôs, da melhor forma possível, independentemente do que quer que fosse, inclusive de pagamento.
Logo no primeiro ano da faculdade, deparou-se com alguns colegas jogando xadrez. Curioso como era, aprendeu com eles mesmos as primeiras lições. Mas deles também vieram contínuas derrotas no tabuleiro. Mas isso foi só no primeiro ano, porque, daí em diante, decidiu que nunca mais perderia uma partida no Grêmio Estudantil. E assim foi. Estudou tanto as técnicas do xadrez, que na faculdade ninguém mais lhe ganhou uma partida.
Certa vez, viu-se diante de um grande xeque, que a vida lhe pregou. Havia perdido a casa, a esposa, os filhos .... tudo! Foi então que um convite o trouxe às terras do Paraíso. Desembarcou na rodoviária, trazendo consigo uma única mala, com os seus poucos pertences. Alojou-se num pequeno quarto no Hotel Tropical, onde residiu por alguns anos. Iniciou as suas atividades como um dos veterinários da saudosa Coolapa, tendo pela frente um grande desafio: reconstruir a sua vida!
Mas, como bom jogador que era, mostrou para a vida que não era do tipo de se intimidar com xeque nenhum. Valendo-se de lances ousados, de jogadas estrategicamente perfeitas, fez da sua vida uma das mais belas partidas das quais se tem notícia, invertendo o jogo, demonstrando uma incrível capacidade de superar, de reconstruir e de construir coisas novas. E como construiu... .
Certa vez, nos chamou, nós, os seus filhos, então residentes em Ribeirão Preto, para virmos morar “no Paraíso”. A Vila Formosa nos acolheu e ali passamos os anos mais felizes das nossas vidas! Daí pra frente, tudo foi se ajeitando, se arrumando, se construindo...
Era uma alma inquieta. Não parava de ler e de estudar, sempre inventando coisas. Quando se aposentou, com medo de não ter o que fazer, ingressou no curso de inglês, que concluiu com louvores, aprimorando-se até achar que estava apto a andar pelo mundo. Viajava para qualquer canto do planeta sozinho e nunca teve problemas para se comunicar. E olha que era gago! Ria muito, quando contava a história do copo de leite que pediu num restaurante da Rússia. Depois de falar “leite” em todas as línguas que conhecia, sem êxito no intento, gesticulou para a atendente russa o movimento que faz um retireiro e, para sua surpresa, estava ali o tão esperado copo de leite.
Surpreendeu-se com o que viu mundo afora: com a evolução cientifica de Israel, com a grandeza das pirâmides do Egito, com a comida do povo indiano, com as belezas dos museus europeus, com a disciplina dos nipônicos, mas dizia que, como o Brasil, não existe país no mundo. O que mais lhe chamou a atenção em tudo o que viu, foi a ausência de Deus nos corações das pessoas estrangeiras. Falava que o Brasil está anos luz a frente de todos, no quesito religiosidade.
E foi justamente a religiosidade, a sua fé, que norteou as maravilhosas jogadas que fez, no tabuleiro da vida. Era um ser humano diferente. Não era deste mundo. Era, na verdade, um ser do universo. É isso o que nos conforta, porque sabemos que ele está no mundo ao qual verdadeiramente pertence, certamente se deliciando com a oportunidade de viajar pelo universo, vendo os astros que tanto admirava, colocando em prática as suas curiosidades sobre física quântica.
Numa das últimas conversas que tivemos, na sexta-feira que antecedeu o seu desencarne, falamos sobre Paraíso e sobre como a cidade e o seu povo nos recebeu, nos acolheu, nos adotou, enfim. Sempre que falávamos sobre isso, os seus olhos brilhavam e ele olhava longe, como se refletisse sobre algo mais profundo, como lhe era peculiar.
Certamente, ele sabia que nas terras desse Paraíso, é que encontrou as forças necessárias para cumprir o seu propósito, quando aqui desembarcou trazendo consigo a mala vazia de coisas e o coração cheio de esperanças. Percebeu, também, que o seu povo é dotado de algo incomum, que não se vê em todo lugar, e que faz do Paraíso um lugar diferente e acolhedor, como se uma estranha energia envolvesse os forasteiros, fazendo-os aqui fincarem as suas bandeiras.
Não sabemos dizer se ele escolheu as terras do Paraíso ou se foi o contrário. Sabemos, apenas, que aqui a sua vida, por tudo o que fez, superou, e muito, a vida do homem comum, assemelhando-se às revoadas dos anjos, que por onde passam deixam o rastro de luz, de paz e amor.
Embora o vazio da sua presença física ecoe em nossos corações o grito da saudade, sabemos que as nossas lágrimas serviriam apenas para aprisionar, injustamente, um espírito que precisa voar livre.
Sabemos, por tudo o que ele fez e nos ensinou, que o anjo precisa seguir viagem. Assim, se aqui nas terras deste Paraíso ele semeou tanto amor, é justo que colha os seus frutos, voando livre no Universo do Paraíso de lá, com o qual tanto sonhou!
Nós, os filhos e netos do anjo Joel, manifestamos a nossa sincera gratidão a toda a família paraisense, pela tantas demonstrações de amor e respeito que tiveram para conosco, desde que aqui chegamos, inclusive e especialmente no momento difícil da sua despedida. Que Deus lhes pague, porque todos vocês foram pessoas muito importantes para ele!