Inimigos do Estado
Não possuímos Lei de Imprensa e a Constituição Federal proíbe a censura prévia. A mesma Constituição que protege a liberdade de expressão é a que coíbe os excessos de linguagem na manifestação de pensamento. Funciona mais ou menos assim: você pode publicar, postar ou imprimir a besteira que quiser, mas se exagerar e ofender ou puser em risco a vida privada alheia com base em afirmações levianas, “fake” ou simplesmente injuriosas pode ser processado e punido, civil e criminalmente. Ou seja, pode ter que indenizar e ainda será preso. Tudo muito bonito no papel. Sou juiz há vinte anos e, neles, só vi dois sujeitos irem para o xadrez por divulgar opiniões execráveis na mídia impressa ou virtual – mesmo assim não eram jornalistas. E quanto à reparação civil (financeira) dos danos, a justiça só pode tomar o que o infrator possui em seu nome. Se é um pobretão sem patrimônio, fala o que quiser a custo zero de indenização. “0800”, como se diz. Isso é impunidade, amigo. Falta de rigor e efetividade em nossas leis, que dão liberdades demais a gente que não as merece. Retrato disso é a cidadã suspeita de ameaçar e esculhambar com mentiras aos Ministros do STF nas redes sociais e que, procurada pela Polícia Federal, nem deu bola e ainda reiterou que vai continuar malhando o Supremo do jeito que quiser. Com gente torpe a ponto de por em risco a respeitabilidade institucional não adianta dar direitos demais. Como afirma o jurista alemão Gunther Jacobs, quem agride o Estado não pode se valer da proteção deste mesmo Estado. Deve ser tratado como soldado do exército inimigo durante uma guerra.
Ruínas do STF
A força midiática prejudica o Poder Judiciário, porque coloca os ministros que o integram na perigosa condição de protagonistas da infeliz trama política que nos enreda e aflige. Nossos magistrados supremos deveriam ser moderadores, árbitros ou, melhor ainda, espectadores discretos, somente interferindo em casos eventuais e emblemáticos, questões de Estado. A Constituição deveria blindá-los, tornando-os neutros e imparciais diante dos entrechoques democráticos e institucionais corriqueiros. Só que nossa democracia nada tem de corriqueira e aqueles que deveriam refrear polarizações acabam virando seus êmulos, mesmo que a contragosto. Os que deveriam apaziguar tornam-se alvos da beligerância política. Se o Supremo Tribunal Federal perde sua respeitabilidade soberana, arruína-se a normalidade das instituições e a governabilidade posta em risco se inviabiliza de vez. Todos saímos derrotados. Falo isso diante da afirmação leviana de que o Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, estaria atolado até as orelhas nos esquemas criminosos da Odebrecht, e na besteira maior ainda de se retirar do ar matéria puramente jornalística do site O ANTAGONISTA. Quem leu o conteúdo da matéria sabe que ela foi imparcial e contextualizou fatos, sem deturpar informações – procurar culpados onde eles não estão não é uma maneira inteligente de resolver graves crises de credibilidade institucional.
Polarizações
Uns e outros sempre me consideraram um pensador de direita, simplesmente porque não sou socialista, como se o mundo fosse binário, repleto somente de claros e escuros, gordos e magros, sem nuances e tonalidades. Lembram-me um coronel do sertão que conheci e que entendia que as pessoas ou eram amigas dele, ou inimigas. “Passarinho em cima do muro toma chumbo dos dois lados” – dizia ele. E a esquerda vez ou outra me parece isso, um grande grupo de coronéis encabrestados de sertão, atados a um socialismo moribundo. Por outro lado, também critico o atual governo Bolsonaro e de fato exponho suas mazelas quando entendo que o Presidente não anda bem em um ou outro aspecto de sua administração estreante. Isso, no entanto, basta para que outra espécie de radicais afoitos me considere um esquerdista... Sempre o claro e escuro, a ausência de tonalidades. Se o sujeito critica, é porque é contra – é o que pensam os guerreiros das hordas ideológicas. Vejam vocês o Brasil polarizado em que nos encontramos, em que não se pode ser imparcial, científico e sem paixão política. O brasileiro, nesse país cada vez mais bélico, tem que ser da arquibancada, compor a torcida. Não dá pra simplesmente analisar o jogo. Triste, não?
RENATO ZUPO, Magistrado, Escritor.