A barraqueira e o cafajeste
A Deputada Maria do Rosário processou e fez condenar o humorista Danilo Gentili por injúria – ele teria sido escatológico, intensamente ofensivo, ao se referir à parlamentar em um de seus programas de variedades. Não é o primeiro barraco protagonizado por Maria do Rosário, que já se emaranhou em polêmica semelhante com Jair Bolsonaro quando os dois eram colegas de Câmara dos Deputados. Portanto, não acredito na coincidência das duas discussões. Muito provavelmente Maria do Rosário é daquelas barraqueiras muito comuns de se encontrar, que arrumam confusão e, ao mínimo sinal de que irão levar a pior, chamam o guarda, o marido ou o irmão parrudo. Provocam a lambança da qual posteriormente reclamam. Só que o caso aqui é outro. Muito embora seja antirrepublicano se processar um comediante por fazer comédia, a conduta de Danilo Gentili diante das câmeras nada teve de “engraçada” em seu humor de beirada de zona. Foi gratuitamente grosseiro, ridículo, desnecessariamente debochado. Isso não é humor, é injúria mesmo. Outros artistas não devem comprar a briga, porque Gentile exagerou muito no tom. Figuras públicas têm família e princípios, e mesmo a briguenta Maria do Rosário não é diferente.
Gore Vidal
Sou um cara a moda antiga que procura ser cortês quando se pronuncia. Posso reagir a uma ofensa, mas tomar a iniciativa de perpetra-la, nunca. Aí estranho essa maré de “epítetos desairosos” – como dizia o jurista Roberto Lyra – que assombra as redes sociais e me lembro do jornalista Gore Vidal, formador de opinião da esquerda americana, chamado para comentar as eleições americanas no final dos anos 1960 ao lado do colega de profissão Bill Buckley, este um porta voz da direita republicana. Não deu outra: toda a transmissão virou um debate caloroso entre os dois pilares da imprensa dos Estados Unidos. Houve ferrenhas discussões, os dois se odiavam e Gore Vidal acabou saindo do tom e irritando muito, irritando demais, o adversário. Bill Bucley, apesar de ser um cavalheiro ao estilo elisabetano, não resistiu e respondeu chamando o desafeto de “Gay”, o que Vidal de fato era, mas que na época não se comentava. Foi um escândalo que parou o país. Uma década depois, Bucley já velhinho mostrou-se consternado quando reviu a cena em outro programa de TV. Estava francamente decepcionado consigo mesmo pela baixeza da resposta que deu. Era visível seu remorso e sincero arrependimento, mas Gore Vidal nunca o perdoou. Para a gente educada da época havia ofensas indizíveis e nós hoje não imaginamos que essa conduta urbana e polida um dia existiu entre homens da mídia. A trama toda está em um documentário saboroso da Netflix, que recomendo, e demonstra como descemos hoje ao nível mais baixo da comunicação social.
Arthur
Nomes tem poder. Um amigo meu, pai de uma Alice, relatou que pensou muito antes de dar esse nome à filha, porque sabia que a menina seria introspectiva, como todas as Alices do mundo. E não deu outra. Pedros e Paulos, por sua vez, tendem a se adaptar melhor ao meio, são mais comuns, mais standard – no bom sentido, claro. Quando registrei meu segundo filho com o nome de “Arthur”, sabia que viria uma criança bem sapeca e alegre – todos os seus homônimos que conheço são extrovertidos. O meu Arthur cativa a todos por onde passa e está completando oito anos de muita graça. É um arteiro, fazedor de arte, como o próprio nome induz crer, muito embora signifique de fato “o rei matador de dragões”. O primeiro de que cronologicamente se ouviu falar foi seu xará histórico, o lendário Arthur Pendragon, que derrotou criaturas mitológicas e ajudou a defender o Graal, o cálice sagrado. Parabéns ao meu filho, ao rei da lenda e a todos os “Arthures” do mundo.
RENATO ZUPO, Magistrado, Escritor.