ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 31-05-2019 15:04 | 1321
Foto: Reprodução

Lei Rounet
É necessária muita cautela ao se criticar a conhecida Lei de Incentivo a Cultura, a Lei Rouanet. Não faz parte de suas exigências o ineditismo da obra ou que o proponente e autor dessa obra seja um desconhecido sem mercado ou um artista consagrado. Também não é uma lei de incentivo à mendicância cultural. O artista pode e deve lucrar com ela, bastando (eis aí o segredo) que o projeto tenha finalidade e acessibilidade social, que reverta em proveito da população carente e incentive a propagação da cultura. A interpretação daquilo que é de valia cultural ou não, que interessa ou não às artes, é intensamente subjetivo. Música nordestina, por exemplo, muitos acham um lixo e outros consideram um verdadeiro patrimônio cultural brasileiro – não é por aí, também, que se irão criar entraves para os bons ofícios da Lei Rouanet. Acredito, isso sim, que o esmero com os gastos públicos deve criar limites para os valores dos projetos e que o acesso ao produto cultural custeado indiretamente pelos nossos impostos deve contemplar bem mais, e melhor, a população de baixa renda. Vejo com reservas, por exemplo, quem acha “pouco” o teto de um milhão de reais por projeto individual. Por seis anos e com muito menos da metade disso editei e divulguei três livros, doando grande parte de seus exemplares para bibliotecas e escolas públicas de todo o país, onde palestrei, como também o fiz em presídios de diversos estados brasileiros e associações de cegos, para os quais também doei audiolivros e obras em Braille.  Dá pra fazer muito, e bem, com os benefícios da Lei Rouanet. Com eles é possível levar a cultura para públicos com nenhum acesso a ela e divulgar autores sem mercado, com pouco dinheiro e enorme economia para o Estado que deveria, ele próprio, investir diretamente nisso. Só não é possível fazer jorrar dinheiro onde não há para defender despesas desmesuradas com artistas consagrados em eventos sem conotação social ou que não importem em qualquer incremento às artes brasileiras.

Lei de Armas
Jair Bolsonaro flexibilizou através de decretos o acesso do cidadão honesto ás armas de fogo e nisso leva em conta o plebiscito de 2006. Nele, decidimos livremente permitir o comércio e a produção de armas de fogo no país. O recado, claríssimo, era de que o que pode ser comercializado pode ser adquirido, o que é óbvio. No entanto, nossos legisladores não pensaram assim e permaneceram mantendo em vigor a antiga lei de armas, que não somente não coibiu a violência, como a fez aumentar enquanto na prática impedia quase integralmente que pessoas honestas adquirissem e portassem armas.  Ou seja, um contrassenso: a população já disse sim às armas, lá em 2006! Discordo de todos esses intelectuais de zona sul que acham que ter arma de fogo em casa é incentivar a criminalidade e dar ensejo a mortes bestas por discussões banais domésticas ou no trânsito. Quem mata é o homem, não a arma que ele porta. Se o Congresso tivesse legislado conforme a vontade popular e como é seu dever, não teriam sido necessários decretos presidenciais tardios. Ao coibir armamento, quando a população quer sua liberação, o legislador brasileiro age como se estivesse pajeando crianças irresponsáveis e não cuidando dos interesses da nação.

Lei Maria da Penha
Aplico a Lei Maria da Penha por mais de dez anos e desde sua edição. Verifico em ao menos dez por cento dos casos a absoluta necessidade da existência de uma legislação assim, de gênero e proteção à mulher. Antes dela, por exemplo e enquanto advogado, levei uma cliente aos Juizados Especiais Criminais de Belo Horizonte: a moça se queixava de um ex-namorado que a atormentava, batia em seus amigos, ligava altas horas da noite fazendo ameaças e lhe mandava cartinhas indecentes (a internet ainda engatinhava e não havia, então, redes sociais). A solução encontrada, em época sem Lei Maria da Penha, foi repreender o valentão. Claro que não funcionou. Se prosseguisse o processo, seria algo lento que acabaria em condenação sem pena de reclusão – isso não o intimidaria.  Ou seja, nada o fez parar, muito menos a admoestação judicial. A minha cliente teve que se mudar de cidade sem deixar endereço. Era isso ou contratar um pistoleiro, porque lei que a protegesse não havia. Para esses casos, portanto, imprescindível proteção legislativa à mulher, que já veio tarde. Mas há outros casos, que infelizmente são maioria, e mostram como a Lei Maria da Penha pode ser deturpada. Meras discussões e destemperos que acabam desnecessariamente nas barras dos tribunais, maridos e namorados processados por trocar farpas com mulheres também desequilibradas, e gente mal intencionada que cria situações policiais contra o marido para apimentar um divórcio litigioso e pedir pensão.  Portanto, a proteção à mulher é a proteção à família e, em última análise, uma defesa social – deve permanecer e ser aplicada sempre que necessária. Exageros, que existem em profusão, é que também devem ser reprimidos com o mesmo rigor.
RENATO ZUPO, Magistrado, Escritor