LÍNGUA SOLTA

Das inquietações do discursoI

Por: Michelle Aparecida Pereira Lopes | Categoria: Cultura | 10-07-2019 09:46 | 1275
Michelle Aparecida Pereira Lopes
Michelle Aparecida Pereira Lopes Foto: Reprodução

O texto de hoje inicia uma série de escritos que pretendo elaborar sobre uma das áreas de pesquisa mais profícuas, quando se trata de observar os sentidos produzidos em uma sociedade: a Análise do Discurso, de linha francesa, ao longo do texto, chamada, simplesmente, de AD. Para isso, hoje contarei um pouco da história dessa teoria, que tem sido usada por diversos pesquisadores e fornece contribuições relevantes para pensarmos como o discurso é norteador do nosso olhar sobre as diversas questões de nosso dia a dia. Também falarei um pouco sobre o significado de discurso, para a AD.

No final da década de 1960, na França, aconteciam diversos movimentos sociais, além de muita discussão sobre as Ciências Humanas. Foi época das releituras de teorias do início do século XX, dentre as quais a Linguística. Alguns postulados da Linguística intrigavam o filósofo Michel Pêcheux (1938-1983), especialmente porque quando esse analisava o discurso político, compreendia que a língua sozinha não era capaz de construir todos os sentidos. E, de fato, não é! Somente para exemplificar, de modo bem simples, quantas vezes já consideramos um dizer positivo de alguém, como uma ofensa? Porque o sentido produzido não está somente nas palavras, obviamente.

Mas o olhar de Pêcheux não considerava apenas essas questões individuais, era mais apurado socialmente. Para ele, interessava compreender mais a fundo o funcionamento da língua na sociedade, isto é, como ela se organiza para produzir determinado sentido. À medida que seus estudos avançavam, o filósofo compreendeu que o sentido se produz por meio de uma conjuntura: língua, sociedade e história. Por isso, nomeou essa mistura de língua, sociedade e história, de discurso.

Longe daquela ideia do senso comum de discurso, compreendido como um texto elaborado previamente para alguma ocasião, para a AD, o discurso é o objeto que condensa o linguístico, o social, o histórico, o ideológico. Estudar o discurso é fazê-lo por meio da observação da língua em funcionamento, sobretudo por meio dos sujeitos que a utilizam.

No Brasil, a AD chegou somente no final dos anos de 1970, trazida pela professora Eni Orlandi do departamento de Linguística do IEL/Unicamp. De lá até os dias de hoje, já foram desenvolvidos inúmeras pesquisas sobre os diversos discursos que circulam na sociedade. Ao longo dos anos também, outras perspectivas da mesma teoria foram sendo agregadas por pesquisadores brasileiros.

Eni Orlandi diz que “a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando”. Por isso, as pesquisas de AD são importantes para nos ajudar a compreender como nossa sociedade vem falando na contemporaneidade, seja sobre política, sobre educação, sobre corpo, e tantos outros assuntos. E você deve estar se perguntando: “E o olhar?” Sobre o olhar, eu te conto nos próximos textos!

Leia mais sobre a história da AD em: ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2005.

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MICHELLE  APARECIDA PEREIRA LOPES: Doutora em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos e pesquisadora da constituição discursiva do corpo feminino ao longo da história. É docente e coordenadora do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade de Passos.