A defensora pública Jussara de Oliveira Lauria Resende Torres, é uma profissional dedicada e que ama o trabalho e a instituição a qual serve há quase 20 anos. Não é um trabalho fácil, porém ela luta pelos direitos dos cidadãos, ainda que no âmbito penal, e acredita que todos devem ter o amparo da Justiça. Natural de Jacuí, terra onde viveu até os seus dez anos de idade, Jussara sempre foi dedicada ao estudo e chegou a ser professora, sendo a educação o primeiro passo para a sua verdadeira vocação: o Direito. Jussara é filha da batalhadora Lourdes Maria de Oliveira, que criou ela e os irmãos sempre priorizando a educação acadêmica. Os irmãos Joel e Juneine também são formados em Direito, profissão também do seu marido, Jober Resende Torres, uma união que dura há 12 anos. Aos 48 anos, é com carinho que ela recorda a caminhada e fala de temas importantes como a educação como uma ferramenta importante para a redução do crime.
Jornal do Sudoeste: Como foi a sua formação acadêmica até se formar em Direito?
J.O.L.R.T.: Até por volta dos meus 10 anos eu morei em Jacuí, de onde sou natural e fiz parte do ensino fundamental. Quando nos mudamos para cá eu estava na quinta série, e concluí o ensino fundamental aqui. Estudei sempre em escola pública, entre elas o Paraisense, até terminar o ensino fundamental, e o segundo grau cursei no Benedito Ferreira Calafiori (Ditão), onde fui uma das primeiras turmas. Também fiz o curso de magistério e me formei. Quando terminei o segundo grau ainda era menor de idade, tinha 17 anos à época, foi quando ingressei no curso superior e fiz licenciatura em História na faculdade de Guaxupé, viajava todos os dias para estudar. Quando me formei, cheguei a dar aulas também, mas mesmo antes disto eu já dava aula e trabalhei na pré-escola do município. Lecionei História na antiga Escola Técnica de Comércio São Sebastião, onde hoje é o Objetivo e cheguei ser substituta na rede estadual, e também dei aula no ensino especial na Escola Estadual Mariana Marques. Depois que deixei o magistério eu fui estagiária na extinta Minas Caixa, trabalhei por um tempo e dali fui para Copasa, onde trabalhei por nove anos e, durante esse tempo, eu fiz o curso de Direito em Franca, comecei em 1992 e me formei em 1996. Em 1997 eu prestei o concurso da Defensoria Pública e passei, fui aprovada e em 1998 tomei posse, no próximo ano completo 20 anos de atuação.
Jornal do Sudoeste: Minas Caixa?
J.O.L.R.T.: Sim, era um banco. Eu prestei concurso porque até então era estagiária, mas logo quando isso aconteceu o banco fechou as portas e logo depois comecei a trabalhar na Copasa e de lá fui para Defensoria. Após formada em Direito fiz pós-graduação em Direito Civil pela Universidade de Franca. Quando eu passei no concurso, fui nomeada para a comarca de Poços de Caldas, onde trabalhei três meses e quando abriu uma vaga para Paraíso, eu pedi minha remoção e me mudei para cá. Casei-me em 2006 com Jober, ele também é advogado na Comarca, e é uma união muito feliz, estamos casados há 10, mas estamos juntos há 12 anos. Trabalhando já são 31 anos, dos quais 20 são de Defensoria. Eu gosto muito do que eu faço e sou muito feliz no meu trabalho e no meu casamento.
Jornal do Sudoeste: Você ainda tem ligações com Jacuí?
J.O.L.R.T.: Jacuí é uma cidade muito próxima. Minha família toda é de lá, tenho alguns primos que moram aqui e o contato é bastante próximo. Minha infância lá foi muito feliz, em uma época que a gente brincava na rua e não havia preocupação da mãe saber onde você estava e o que estava fazendo, não tinha celular. Então foi uma infância muito tranquila e de muita brincadeira. Quando mudei para cá, dei continuidade aos meus estudos, sempre gostei muito de estudar e de ler. Foi uma fase muito boa e ainda tenho uma ligação muito forte com a minha terra natal.
Jornal do Sudoeste: Você sempre foi dedicada aos estudos?
J.O.L.R.T.: Sim, desde o início. Na minha época, como eu completava seis anos em setembro, eu não tinha idade para ingressar na pré-escola no ano seguinte, então eu já ingressei direto na primeira série e por isso acabei concluindo meus estudos mais cedo. Eu sempre tive a pretensão de estudar Direito, mas acabei fazendo magistério e História e tive essa experiência com o ensino e educação. Eu vejo que o professor é muito importante, mas o problema desta carreira é a falta da valorização. Depois de formada em Direito, eu também dei aula nas faculdades de Direito aqui em Paraíso, na Unifenas e também onde hoje é a Libertas. A educação foi o primeiro passo, mas o meu foco era o Direito.
Jornal do Sudoeste: Ser defensor não é um trabalho fácil, você gosta?
J.O.L.R.T.: Sim. Eu gosto muito da instituição onde trabalho. A Defensoria Pública foi escolhida como uma das instituições que as pessoas mais confiam. Esse dado é uma pesquisa que foi realizada pelo Conselho Federal do Ministério Público. É uma instituição importante e respeitada. A esperança que eu tenho é que ela cresça, tenha um orçamento compatível com as suas necessidades, porque o papel que nós temos é muito importante.
Jornal do Sudoeste: Falando nisso, para quem não conhece, qual é o papel da Defensoria Pública?
J.O.L.R.T.: O papel da Defensoria é prestar assistência jurídica integral àquele que não tem condição de pagar um advogado, ou seja, para aqueles que são hipossuficientes economicamente. Essa assessoria deve ser integral, tanto judicial quanto extrajudicialmente. É basicamente este o papel da Defensoria, tanto do ponto de vista dos direitos individuais, como também direitos coletivos. Nós somos titulares da ação civil pública, então nós podemos ajuizar também esse tipo de demanda. Mas em resumo é isto, é garantir o acesso à Justiça aqueles que não podem pagar. A minha atribuição é a área criminal, que envolve a execução penal e infância e juventude no que se refere ao ato infracional. Eu divido essas atribuições com um colega porque a demanda nesta área é ainda maior que a área civil.
Jornal do Sudoeste: Algumas pessoas têm a visão de que o “defensor defende bandido”, não é por esse lado, não é mesmo?
J.O.L.R.T.: Dizer que o defensor público que atua na área criminal defende bandido é uma visão preconceituosa. A pessoa que pratica um delito, seja ela pobre ou não, no processo penal você defende os direitos pessoais daquela pessoa e nem sempre elas são culpadas. Vez ou outra nos deparamos com uma pessoa que é inocente. Então, não pode haver essa visão de que nós “defendemos bandidos”, nós defendemos os direitos processuais que a pessoa tem, assim como no processo civil, de família e, naturalmente, no processo penal. E mesmo quando a pessoa é condenada, nosso trabalho é também verificar a questão dos direitos, porque a prisão não é perpétua, nossa constituição não prevê isso. Então, o preso que cumpriu um determinado tempo, e ele faz jus a um regime mais brando, há os benefícios que a lei de execução penal tem.
Jornal do Sudoeste: Existe algum caso que tenha te marcado durante a sua carreira?
J.O.L.R.T.: São várias situações que nos deparamos, até porque o crime nem sempre é um fenômeno insitamente pessoal. Existe uma série de fatores que levam a isso, dependendo do meio onde aquela pessoa é educada, as oportunidades que ele tem ou deixa de ter. Então, às vezes, você se depara com algumas situações que mexem com você e te faz refletir e pesar. Eu já tive caso, por exemplo, de homicídio, em que os dois filhos mataram o pai em razão de uso excessivo de bebida alcoólica. Esse pai chegava em casa e batia nesses filhos e na mãe, desde que eles eram muito pequenos. Eles eram muito jovens, tinham acabado de completar a maioridade e lembro-me que esse pai chegou em casa e eles o mataram com um facão. Foi um caso que veio para a Defensoria Pública. No interrogatório, nas palavras deles, eles eram muito simples, disseram que não queriam matar o pai, mas que não tiveram escolha. Não me lembro se foram absolvidos, mas esse homicídio foi em um momento em que esse pai estava batendo em todo mundo, então há a questão da legítima defesa. São várias situações, então, quando dizem que nós defendemos bandidos, não, nem sempre.
Jornal do Sudoeste: Você não sentiu medo quando começou?
J.O.L.R.T.: Não. Você é preparado para isso. Desde que você estude direito e entenda como funciona a aplicação da lei penal, você sabe lidar com a situação. Lógico que somos humanos, e quando você encara uma situação, como a desses meninos, é muito triste, porque foram pessoas muito jovens que cometeram um crime, não porque quisessem aquele resultado, mas porque estavam em uma situação que não tinha outra saída. Então, não senti medo, mesmo porque quando eu comecei minha área de atuação não era criminal, eu atendia a Vara da Família quando ainda prestávamos esse serviço. Ali, também, eu vivenciava uma série de conflitos, porque os conflitos familiares também envolvem relações interpessoais e você sempre está lidando com situações que mexem com o seu íntimo, com a maneira de ver o mundo e de pensar, mas nós somos preparados para isso.
Jornal do Sudoeste: Falando em crime, a educação pode ser uma ferramenta contra isso?
J.O.L.R.T.: Sim. É uma realidade quase que matemática. Se não há investimento em educação, obviamente que terá que se construir mais presídios. A nossa realidade, da comarca de São Sebastião do Paraíso, que não é diferente do restante do país, é de um presídio lotado, com muita gente jovem, e grande parte deles envolvidos com tráfico de drogas, que alimentam outros tipos de delitos, quase sempre de natureza violenta. Infelizmente, quando você vê que esses jovens estão recolhidos em um presídio, a grande maioria deles não teve um processo normal de educação, são pessoas muito jovens que sequer completaram o ensino fundamental. São situações intimamente ligadas, se você tivesse todos esses jovens inseridos no sistema de ensino desde a infância, provavelmente eles não estariam no presídio. A experiência que eu tive com a educação, me faz ter muita certeza sobre isto. E não só a educação escolar, há também a educação familiar, que é muito importante. Hoje, também, muita gente joga o problema dos jovens para a escola e se esquecem que tem que ter a base, que é a família. Então, se a família é desestruturada, envolvida com crimes, a tendência é que os filhos também sigam esse caminho. Eu não tenho dúvidas que se resolvermos o problema da educação, da inclusão do jovem ao ensino, iremos ter menos gente nos presídios.
Jornal do Sudoeste: Hoje, qual a realidade do presídio em São Sebastião do Paraíso?
J.O.L.R.T.: A organização do presídio de Paraíso é muito boa. É pequeno, conta com 128 vagas, mas que está com mais de 300 presos. A Defensoria, inclusive, ajuizou uma ação civil pública pedindo para que esse número de presos fosse limitado. Foi uma ação que foi ajuizada em 2012, veio uma decisão liminar no final de 2016 por parte da juíza da Vara Criminal da comarca de São Sebastião do Paraíso, Édina Pinto, que limitou esse número. A demora na decisão foi porque houve recurso do Estado. Ela limitou o número de detentos a 200 presos, só que o Estado, até hoje, não cumpriu integralmente essa determinação. Chegaram a ser feitas algumas transferências, mas outros são presos em flagrante e é uma situação cíclica que só tende a aumentar, infelizmente.
Jornal do Sudoeste: Podemos dizer que Paraíso é uma cidade violenta?
J.O.L.R.T.: A cidade, eu não diria violenta, porque há a atuação de cada instituição no combate ao crime. Mas muito desses problemas de violência giram em torno das drogas. O índice de jovens com condenação motivada pelo tráfico de drogas é grande e atrás disso vêm outros problemas, por exemplo, o roubo, é uma coisa alimentando outra.
Jornal do Sudoeste: São 48 anos bem vividos. Qual o balanço que você faz da sua vida e quais são suas expectativas para futuro?
J.O.L.R.T.: Começando desde a minha infância em Jacuí, foi uma infância muito feliz, a minha mãe foi muito guerreira e ela foi um suporte muito importante para a nossa educação e sempre trabalhou e fez questão que nos mantivéssemos na escola, tanto que eu e meus irmãos temos formação superior em Direito e estudamos a vida toda em escola pública. Ingressamos à Universidade com muito trabalho e dedicação. A minha adolescência eu também trabalhei e estudei e isso não me prejudicou em nada e não me subtraiu nenhuma felicidade, pelo contrário, fui muito proveitoso. Depois eu me mudei para Paraíso, morei muito pouco tempo em Poços, depois vim para trabalhar na Comarca do município, casei-me aqui e sou muito feliz no meu casamento. Já tenho 20 anos de estrada na Defensoria Pública, gosto do que faço e minha expectativa para futuro, em termos profissionais, é que a Instituição se estruture e em termos pessoais que Deus me conserve como eu estou.