Ah, Jesus Cristinho, dia 25 será teu aniversário. Vê como as ruas estão aparentemente alegres, muito coloridas. Nas casas do alto da cidade há arranjos de luzes nos jardins suntuosos. Dentro das mansões, grande é o movimento, compras foram feitas, sofisticados menus são preparados. Em nome da união das famílias comer-se-á, beber-se-á em demasia, brinquedos caríssimos serão dados a crianças fortes, bem fornidas, enfastiadas de tantas guloseimas. Orações automáticas serão feitas às pressas, se feitas, porque o comer e o beber atiçam a vontade de todos. É uma festa gastronômica, de glutões, há exageros e desperdícios. Alimenta-se o corpo e deixa-se morrer à míngua o espírito.
Ah, meu Cristinho, como o homem distorce os teus desejos. Nasceste pobre, de família humilde, cobriste o teu corpo com apenas o necessário, calçaste teus pés com sandálias. Quando querias reunir teus Apóstolos, teus amigos, tu o fazias com simplicidade, sem alarde nem abastança. Deste um dia uma grande festa, a mais bela, onde multiplicaste pães e peixes para a multidão faminta, mas foi em campo aberto, junto ao povo, servindo o alimento essencial. Fora isto, banqueteavas os grandes grupos, os aglomerados, com sabedoria, com parábolas, servindo a Palavra como alimento maior.
Dizem que não sorrias nunca, estavas sempre atento e lúcido, porque sabias (e como sabias!), que a vida é luta, é tristeza, é trabalho. Eras doce e manso, compreensivo e antipre-conceituoso, aceitavas os pecadores, dando-lhes o perdão, entendendo suas faltas. E que fazem os homens, Cristozinho bom e amável, depois de tantas lições recebidas? São irascíveis, guerreiam, odeiam, julgam, condenam, discriminam, separam. Há vencedores e vencidos, opressores e oprimidos, ricos e pobres.
Ah, meu querido Menino, por que te digo tudo isto, no teu aniversário, como se tu já não soubesses? Eu também erro tanto, troco meus passos, cometo pecados e deveria hoje falar só de coisas boas. Rezar para ti, oferecer-te, não ouro, incenso ou mirra, mas flores, pássaros, borboletas e crianças. Queria te dar uma boa nova, dizendo-te: Vê, os homens criaram juízo, ouviram seus corações, refizeram seus caminhos, aprenderam a amar. Já não há mais guerra, nem ódio, nem fome, nem violência. Todas as crianças são amadas, bem alimentadas e tratam-se os animais com respeito e carinho. Já não se violenta mais a Natureza e o homem cuida do seu espírito e não só do corpo, amealha riquezas de bondade, de ternura, de altruísmo, erradicou do coração as ervas daninhas da hipocrisia, da brutalidade, da ambição, do orgulho e da injustiça. Coro de vergonha, porque é teu aniversário e nada do que queres posso te dar. Mesmo assim ouso ainda fazer-te um pedido: não fiques zangado, não te entristeças, não penses em castigar-nos. Perdoa-nos mais uma vez.
E um dia teremos, finalmente, em outro aniversário teu, um verdadeiro Natal.
(*)Ely Vieitez Lisboa é escritora.
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