Em meio a uma pandemia, a Fórmula 1 quis se fazer maior, mas o coronavírus falou mais alto que o ronco dos motores, e poucas horas antes do início dos treinos livres da sexta-feira, a abertura do 70º Campeonato Mundial foi cancelado.
O risco era iminente. Com gente vinda de vários cantos do mundo, muitos da Itália, país mais infectado pelo Covid-19, depois da China, a Fórmula 1 desembarcou em Melbourne com 6 integrantes de equipes que testaram positivo: um da McLaren e 4 da Haas, além de outras três pessoas não ligadas às equipes, e 8 suspeitos de terem contraído o novo coronavírus.
A McLaren já havia tomado a decisão de abrir mão da abertura do campeonato e se retirou da prova. Ainda na pré-temporada, quando o surto do vírus começava a fazer as primeiras vítimas na Europa, principalmente na Itália, Ross Brawn disse que o campeonato não começaria sem a participação de todas as equipes caso uma delas, ou mais, enfrentassem problemas para entrar em algum país que faz parte do calendário.
A Austrália não colocou restrição à entrada de estrangeiros no país, e a vida seguia normalmente na Fórmula 1 como ela sempre deu de ombros às questões sócio-políticas dos países por onde passa. Foi assim na África do Sul enquanto o mundo repudiava contra o regime de segregação racial do Apartheid; diante da comoção do 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, ou recentemente no Bahrein meio ao conflito entre sunitas e xiitas. Com a pandemia do novo coronavírus declarada, não foi diferente e a categoria foi para a Austrália como se nada estivesse acontecendo no mundo, mesmo diante de vários eventos esportivos e até campeonatos sendo cancelados, ou adiados, como a NBA, ou a MotoGP que cancelou as primeiras provas do ano.
O campeonato que era pra começar na madrugada deste domingo e seria o maior de todos os tempos com 22 corridas programadas, agora terá que se espremer para encaixar as provas canceladas, ou abrir mão delas e fazer uma temporada mais curta. O GP da China já havia sido adiado, mas há uma força-tarefa para reintegrá-lo no calendário em outra data, o que logisticamente não está sendo viável, principalmente por conta das dificuldades e demora da alfândega chinesa em liberar o material das equipes para a realização do GP num curto espaço de tempo. Seu cancelamento oficial é dado como certo, embora, até o fechamento desta coluna ainda permanecia apenas como adiado. Outro que também está prestes a ser cancelado é o GP do Vietnã, que tem data marcada para 5 de abril, mas com a proibição imposta pelo governo vietnamita de entrada de estrangeiros no país, dificilmente estreará este ano. E por enquanto, a segunda etapa do campeonato, no Bahrein, programada para o próximo dia 22, se acontecer, será com os portões do autódromo de Sakhir fechados.
Todo este transtorno a poucas horas da abertura do Mundial poderia ser evitado se a Federação Internacional de Automobilismo, e a Liberty Media, dona dos direitos comerciais da Fórmula 1, tivessem agido com o bom senso e seguido o mesmo caminho de outras ligas esportivas que cancelaram seus campeonatos. Mas por trás do cancelamento de um Grande Prêmio existem contratos milionários, e ninguém quer pagar a conta nesses casos. De um lado, FIA e F1 se mantinham firmes na realização do GP da Austrália, e o outro lado os organizadores do evento também não abriam mão, até que diante da decisão da McLaren em não alinhar para a corrida, da Red Bull já ter mandado seus integrantes para casa, e de Sebastian Vettel e Kimi Raikkonen também terem deixado Melbourne, não restou outra alternativa, senão o cancelamento da corrida.