Quando surgiu a proposta de se escrever algo a respeito da maior festa popular de São Sebastião do Paraíso, em um ano atípico em todos os sentidos, logo também me veio à mente várias indagações sobre como seria a abordagem, sobre a realização ou não da festa da Congada de 2020. É sabido que até este momento, estamos ainda em outubro, por forças das circunstâncias impedidos de realizar eventos que se tenha aglomeração de pessoas. E o contraditório é que a Congada é reunião popular, de anônimos, de conhecidos, de famosos, enfim é a comunidade que se reúne para celebrar seus santos padroeiros.
Diante de tamanha incógnita e indefinição a pergunta que não quer calar é se este ano vai ou não ter congo? Como é sabido, esta festa popular centenária, sempre foi celebrada no fim do ano ininterruptamente. Originária da África, as festividades foram trazidas para o Brasil pelos negros escravos e por aqui se enraizaram. E São Sebastião do Paraíso se tornou um dos berços desta cultura, que mistura a fé, o canto, a música e um conjunto de fatores tradicionais que se celebra em honra de São Benedito, Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia, Santa Catarina, São Domingos e São Jerônimo. Desde o ano passado em Paraíso, incluiu-se entre eles Santa Luzia e São Sebastião.
Ainda era o mês de setembro quando me dirigi a um dos ícones das congadas paraisense para sentir dele qual a expectativa em relação aos festejos de 2020. Estou falando do senhor Lázaro Gasparino, conhecido como ‘seo’ Lazinho, do Terno de Congo Sabiá. Do alto de seus 67 anos de vida e praticamente meio século de vivência na congada, ele fez uma viagem em sua memória para afirmar que nunca presenciou um ano em que a cidade ficou sem ter os tradicionais festejos de fim de ano. “Eu rezo todos os dias, tenho fé e esperança de que teremos a nossa festa que é uma das melhores do Brasil”, diz. E acrescenta: “Pode ter até maior, mas igual a nossa eu nunca vi e já rodei por vários lugares”, completa.
Embora a crença venha em primeiro lugar, na prática o que o público em geral já vem acompanhando desde o primeiro semestre deste ano é a congada se adaptando à realidade dos tempos atuais. No chamado “novo normal” as apresentações dos artistas têm acontecido através das lives (apresentações ao vivo, mas sem público), e com a Congada não está sendo diferente. Vários ternos já fizeram exibição para emissora de TV e internet em suas sedes ou em outros locais reservados visando evitar aglomerações. “Nós tivemos a nossa apresentação no campo da Paraisense”, comenta. Lazinho diz que é difícil deixar o público distante. “Teve uma apresentação ali na Casa da Cultura e quando as pessoas ouviram a batida da caixa e o som do congado, elas foram aproximando, foi chegando gente e teve de isolar a área. Imagina vários ternos passando pelo centro da cidade”, compara.
Assim como vários eventos tradicionais, as celebrações religiosas da Semana Santa, as festas juninas, as tradicionais feiras, exposições e tantas outras atividades do calendário cultural foram deixadas de lado, ainda há uma grande incerteza sobre a Congada que acontece nos últimos dias do ano. “Fico imaginando como vai ser, a cidade cheia de gente, de pessoas que vêm visitar os familiares, dos paraisenses que retornam para ver os amigos e dos turistas que lotam a cidade. Se não tivermos a festa vai ser uma grande decepção, mas fazer o que”, questiona Lazinho. Ele acredita que a partir de outubro quando começarem as reuniões com os membros da comissão organizadora, com os representantes dos ternos a situação será definida.
Para Heraldo Bícego, presidente da Afessp (Associação Folclórica das Escolas de Samba de São Sebastião do Paraíso), entidade que cuida da organização da Congada, além de atípica a situação envolvendo a realização da festa de fim de ano na cidade está desafiante. No ano passado a grande novidade oferecida ao público foi a cobertura da área dos desfiles, considerada uma inovação sem precedentes. “Agora em 2020 ainda não sabemos nem se vamos ter a festa da forma tradicional como acontece, por conta desta questão que é de saúde pública. Estamos no aguardo de instruções, mas não podemos nos acomodar”, diz o presidente.
Heraldo anuncia que existem duas frentes de trabalho para a realização da Congada. Uma delas tem a possibilidade bem remota, pois, depende da existência de vacina e envolve o modelo tradicional do congado. “Estamos pensando numa alternativa, com apresentações dos ternos em local fechado, com acesso restrito apenas aos ternos de Congo e Moçambique. O evento deverá ter transmissão para o público através de lives ou pela televisão”, informa. Para isso deve ser criado um protocolo com as recomendações, restrições e possibilidades. Outra medida que está em estudo, mas depende da aprovação dos representantes dos ternos de congo é o escalonamento das apresentações que também ajudaria a evitar aglomerações.
Enquanto as primeiras decisões vão sendo tomadas segue em andamento o chamamento público que prevê a contratação de empresa para organização e realização da festa.
Nunca, antes, na história desta cidade que hora completa os seus 199 anos e aproxima-se do seu segundo centenário, segundo os entendidos do congado, Paraíso ficou sem os seus festejos de fim de ano. Tudo começa no dia 8 de dezembro quando da solenidade do Levantamento das Bandeiras. Em seguida a partir de 26 de dezembro, já no período a partir de 15 horas tem a procissão das imagens que são transladadas da capela de Nossa Senhora do Rosário, para a Matriz São Sebastião. Durante os dias que se seguem pessoas se vestem de reis e rainhas são levadas pelos ternos até a praça central para o cumprimento de promessas. Os desfiles são um capítulo à parte em que a tradição continuará prevalecendo, nem que seja com apresentações em cantos e lugares diferentes da cidade, mantendo vivo o costume, o legado e a hegemonia que segue de geração em geração, mesmo em tempos de pandemia.