Paraíso, formosa e altaneira
Vivendo o apogeu de sua glória
Decantada cidade flor mineira
Por poetas que contam sua história
Deixaram, porém já esquecida
Uma história bonita e diferente
De pessoas humildes e sofridas
Que viveram nesta terra e eram gente
Vamos, pois, reviver uma lembrança
Um popular travesso e folgazão
Inofensivo qual uma criança
O estimado e saudoso “Pimentão”
Quem se lembra daquele velho negro
Trôpego, dengoso e esquisito
Alma pura a procura de sossego
Assim era o feioso “João Bonito”
Pedindo sua esmola benfazeja
A clamar da vida a sorte ingrata
Em seu ponto, ali perto da igreja
Estava ele, Domingos, o “Charnata”
Recolhendo a lenha amontoada
Seu machado rachando cada pau
A se coçar, que pobre camarada!
O finado “Benedito Bacurau”
Seu pó de arroz, sua roupa arregalada
Seu baton, seu colar, sua inocência
Tagarelando pela rua com a moçada
Caminhava feliz “Dona Fulgência”
“Tata é muié, eu sô home”, ele dizia
Conhecido popular de longa data
Com os dedos no peito ele batia
Apressado pela rua ia o “Tata”
Servindo muitas vezes de chacota
Rechaçando a zombaria numa esquina
E foi assim, seguindo a sua rota
Que viveu entre nós a “Ambrozina”
Um chicote em seu ombro carregava
Enrugado, velhinho, dava pena”
Seu funeral todo o povo acompanhava
Lá se foi o “Artur da Madalena”
Seu carrinho de mão ia rodando
A sanfoninha soprando melodias
A tocar um violão de quando em quando
Foi feliz, bem feliz, o “Azarias”
Guardemos com carinho entre as lembranças
E que seu exemplo entre nós não se apague
O amigo de todas as crianças
“Teteínha” o bondoso “Digue Dague”
A Avenida Doutor Delfim Moreira
Num casebre sem flor, sem aparatos
Os bichanos povoavam a casa inteira
E com eles viveu “Maria dos Gatos”
Um caprino puxando a carrocinha
Esquecer-se desse quadro não se pode
No alto da cidade em sua casinha
Viveu por muito tempo “João do Bode”
Passou pela vida a rezar
Fazendo pregações a toda hora
De seu quarto ele fez o seu altar
Assim era o “Zé Nossa Senhora”
Trazendo encomendas, viajava
Herói das trevas que vivia do seu ego
Suas latas em uma vara carregava
Do seu trabalho viveu o “Mané Cego”
Sua resposta era rápida, era exata
Foi um ídolo para toda a molecada
Gabriel, calçando uma alpercata
Era um mestre, era o “Rei da Tabuada”
De casa em casa, injeções ele aplicava
A garotada se enchia de temor
Olhando vesgo pela rua ele passava
E passou pela vida o “João Doutor”
No cruzamento de uma rua ele parava
Curiosos ali iam surgindo
O povo reunido delirava
Ouvindo o discurso do “Laurindo”
“Não percam hoje no Cine Recreio
Um punhado de bandidos e o Mocinho”
Era gostoso ouvir em nosso meio
O megafone na voz do “Zé Coquinho”
Em seu trabalho no Posto de Saúde
Ser caridoso e atencioso era o seu fraco
Velho amigo que esquecer não pude
Deixou muitas saudades “Zé Macaco”
Passos lentos, caminhando cauteloso
Seu semblante, seu olhar de homem sério
Professor de violão ficou famoso
E aqui fica uma homenagem ao “Glicério”
Rãs Brother’s Corporation
Desculpem essa brincadeira minha
Deixar no anonimato não lhes deixo
Não poderia esquecer-me do “Ranzinha”
Desfilando pelas ruas da cidade
Corpo esguio no trejeito da cabrocha
Seu sorriso a mostrar felicidade
Eis aqui, a querida “Marta Rocha”
Melodia de uma gaita a gente ouvia
Executada ao sabor de uma caninha
Quem passasse pela rua logo via
O artista que tocava era o “Foicinha”
Uma figura deveras interessante
Sua crença descrevo neste verso
Possuindo gigantesco diamante
“Juca da Pedra” era o “Rei do Universo”
Uma farda militar já desbotada
Lhe trouxe a fama, à qual fazia jus
Deram-lhe uma patente engraçada
Arcênio, “Tenente dos Urubus”
Viveu entre nós por longo tempo
Famoso pela sua gargalhada
Da Congada foi mestre, foi Rei Congo
Para todos ele foi “Chico Risada”
Um laço, uma vara, um berrante
Vestir-se a gaúcho era o seu lema
Andando pelas ruas radiante
Feliz entre nós “Tião Borborema”
Em suas costas uma capa permanente
Prestativo, ora aqui, ora acolá
Respeitoso, saudando a toda gente
Ubiratan e seu famoso “olá, olá”
Tudo isto se chama Paraíso
Gente humilde que aqui vive ou que viveu
Trazendo n’alma a beleza de um sorriso
Que há muito nosso povo esqueceu.
(Do livro “Outra História”)