CRÔNICA HISTÓRICA

Reinados do Congo e Moçambique

Por: Luiz Carlos Pais | Categoria: Cidades | 23-12-2020 09:01 | 1040
Foto: Arquivo Família

As restrições atuais impostas pela pandemia não permitem a realização das festas de Congado e de Moçambique, em São Sebastião do Paraíso, Sudoeste Mineiro, bem como em outras cidade da região, pelo menos no formato dos desfiles públicos e das concentrações populares. Mesmo assim, é gratificante assistir apresentação recente que fez um tradicional grupo paraisense de congadeiros, nas redes sociais, mantendo os devidos cuidados para minimizar os riscos de contágio. Do ponto de vista histórico, trata-se de reconhecer e reverenciar o legado cultural deixado pelos escravos africanos, através de suas sucessivas gerações, trazidos para as primeiras grandes fazendas de café do município.

Pouco antes da assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, quando o Segundo Reinado já estava em profunda decadência, ainda há registros da chegada de escravos no Sudoeste Mineiro, muitos deles trazidos do Nordeste do Brasil. Desse modo, são personagens da história local, conforme consta nas anotações do escritor José de Souza Soares, assim no testemunho de Anajá Caetano, escritora paraisense neta de escravos, premiada nos anos 1960, por autoridades diplomáticas africanas.

Para celebrar a memória em sua amplitude é necessário indagar pelo significado social das raízes da grande festa, como símbolo de resistência e repulsa ao pensamento escravista que perdurou por quase quatro séculos do Brasil. De modo geral, desde o final do século XIX, essa grande festa que acontece em Minas Gerais, São Paulo, entre outros estados, desdobra-se entre os grupos de congadeiros e moçambiqueiros. São variações que têm certas características comuns quanto à preservação das tradições africanas. Mas, por outro lado, têm também diferenças fundamentais, quanto à forma de compor o grupo, quanto aos instrumentos e uniformes usados, cadência e ritmo das evoluções. Há também diferenças fundamentais quanto às evocações religiosas que podem estar mais próximas ou mais distantes do culto aos santos da Igreja Católica.

Desde o Brasil Colônia, há relatos sobre os rituais realizados por escravos, longe dos olhos dos colonizadores, celebrando a existência de um reinado fictício que tinha a liderança de um Rei Congo. A principal evocação desse reinado era a resistência à exploração imposta pela corte portuguesa. Nessa época mais remota, as raízes da Congada e do Moçambique em Minas Gerais, estavam centralizadas em Ouro Preto, Mariana, Diamantina, Sabará, São João Del Rei, que se destacavam como principais lugares da província até o final do Segundo Reinado. É nessa linha histórica que se inserem as congadas de São Sebastião do Paraíso e do Sudoeste Mineiro, que, além de suas características próprias, também receberam influências de comunidades africanas de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

Na edição de 11 de novembro de 1891, da Gazeta de Notícia, do Rio de Janeiro, foi publicada uma reportagem sobre as festas de Congado, realizada na então capital da República. O redator destaca o colorido manto usado pelo Rei Congo, costurado a mão, com muito capricho, e ostentado com grande orgulho. Faz referência aos homens que usavam saiote de fitas coloridas sobre as calças, com chocalhos presos às pernas, vestidos com camisas azuis, usando gorras de cetim ou capacetes de papelão enfeitados com fitas e plumas. Esse registro indica a vertente do Moçambique do seu ritmo próprio ainda existente em São Sebastião do Paraíso e outras cidades do Brasil.