POLEPOSITION

Celebrando o Piquet piloto, somente então

Por: Sérgio Magalhães | Categoria: Esporte | 22-08-2022 09:00 | 843
Nelson Piquet completou 70 anos nesta semana
Nelson Piquet completou 70 anos nesta semana Foto: Arquivo

Falar sobre Nelson Piquet é polêmico. Porque o próprio Piquet é polêmico, ou causa polêmica. Na última quarta-feira (17) ele fez 70 anos, uma data importante e que merece ser celebrada por todas as pessoas que entram na septuagésima década de vida. Mas o Piquet-70 passou praticamente batido na imprensa, muito por conta de suas condutas, a mais grave de todas, usar termos racistas e vulgares para falar de Lewis Hamilton, o que causou repúdio e nojo na F1, no esporte e na imprensa. No dia do aniversário, o conceituado jornalista inglês Matt Bishop postou em tom de ironia nas redes sociais: “Há 70 anos nascia Nelson Piquet, então aqui vai uma foto de Hamilton”. 

Mas o tema da coluna não é o cidadão Nelson Piquet Souto Maior. Foco apenas no “piloto Nelson Piquet”, tricampeão Mundial de F1, que vestido de macacão, luvas, balaclava e capacete, ou sentado sobre uma pilha de pneus trocando ideias com os engenheiros de corrida nos autódromos, foi um dos melhores pilotos que já passaram pela F1. E se para os que o detestam e o vêem apenas como vilão da história, o termo “um dos melhores” soe forte demais, haverão de concordar comigo que Piquet foi seguramente um dos pilotos mais inteligentes que o automobilismo viu correr.

Carioca de nascimento, brasiliense de criação, o Piquet que mudou a grafia do sobrenome para “Piket” para se disfarçar do pai, um médico e ex-ministro da saúde do governo Médici, que o queria tenista, se fez piloto praticamente sozinho, metendo a mão na graxa numa oficina de Brasília e que perambulava pelas estradas do país numa Kombi velha rumo às corridas, levando na bagagem o carro de corrida, ferramentas e o sonho de ser um grande piloto.

A história do Piquet piloto é bonita, às vezes era preciso parar no caminho, arrancar o motor fundido da Kombi e instalar o do Fórmula Super Vê (categoria em que correu e foi campeão nos anos 70) para chegar ao local da corrida, e depois desmontar tudo para disputar a prova, quando não menos bizarro, tomar emprestado sem o conhecimento do dono, o motor do carro de passeio que estava aos cuidados da oficina Camber para conserto, e só devolver na segunda-feira depois de usá-lo em seu carro de corrida! Era romântica do automobilismo, diga-se.

Esse Piquet aventureiro e profundo conhecedor de mecânica, que economizava nas refeições para comprar peças para o carro de corrida, foi para a Europa com a cara e a coragem, e para superar a desvantagem técnica do chassi Ralt na F3 Inglesa, inventou uma forma de aquecer os pneus antes da largada, que logo depois foi desenvolvido pela F1, o famoso “cobertor elétrico”, indispensável até os dias de hoje, no que foi o pulo do gato de Piquet, uma vez que enquanto os adversários demoravam para aquecer os pneus, ele já largava com os pneus na temperatura ideal de funcionamento e isso foi determinante para vencer 14 de 17 corridas e ganhar o campeonato.

Na F1 ele tinha a maestria de acertar e desenvolver como poucos os carros de sua época, quando a sensibilidade do piloto fazia todo o diferencial. Foi ele quem desenvolveu um dos componentes que considero como uma das maiores engenhocas que a categoria já teve, as suspensões ativa nos anos 1980, que consistia em sensores eletrônicos que liam as irregularidades do asfalto e nivelavam a altura do carro tornando-as praticamente imperceptíveis. A lista de contribuições de Nelson Piquet para o automobilismo é extensa.

Esse Piquet, piloto, foi campeão com três tipos de motores, algo muito valioso em sua época; em 1981 com Ford-Cosworth, em 83 com BMW turbo, e 87 com Honda. Venceu 23 corridas (foi ultrapassado recentemente nas estatísticas pelo genro, Verstappen), fez 24 poles, 23 voltas mais rápidas, subiu 60 vezes no pódio, liderou 1.600 voltas na F1, totalizando 7.610 km como líder de corridas. Ao todo foram 204 GPs entre 1978 e 91.

Esse Piquet, genial como descrevi acima, de macacão e capacete, merece todo o respeito, reconhecimento e nada apaga o que ele fez nas pistas. Já o outro lado da moeda, infelizmente tem dado munições para que seus feitos nas pistas acabem ofuscados por suas atitudes.