ELES por ELES

Francisco de Paula & Noêmia Benassi de Paula

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Entretenimento | 23-10-2022 06:25 | 1144
Francisco Aparecido de Paula e Noêmia Aparecida Benassi
Francisco Aparecido de Paula e Noêmia Aparecida Benassi Foto: Bruna Silffer

Nestes 201 anos de história, São Sebastião do Paraíso guarda muitas memórias preciosas. Seja em sua sede, no distrito da Guardinha ou no povoado de Termópolis, sua gente salvaguarda a parte mais rica na construção de nossa identidade. E foi no povoado de águas termais que encontramos o simpático casal Francisco Aparecido de Paula e Noêmia Aparecida Benassi de Paula. Para todos que o conhecem ele é o Chico da Noêmia e realmente a cumplicidade une o casal no bucólico lugarejo. Pessoas simples e de muita fé, Francisco e Noêmia contam “causos” e um pouco de suas histórias regadas a muito amor, união e superação.

Senhor Francisco e dona Noêmia, nos contem sobre suas origens.
Francisco: Nasci aqui mesmo em Termópolis em 1937. Estou com 85 anos e sou o mais velho de seis irmãos. Meus pais eram Ananias Francisco de Paula e Maria Conceição. Eles me ensinaram que é muito bom a gente ter o nome limpo. Nunca ninguém da minha família foi para a cadeia! (risos) Já minha avó era índia e meu avô pegou ela pelo laço no mato. Tenho muito parente no Chapadão, uma roça aqui perto de Águas Quentes (Termópolis). Eu menino já trabalhava na roça e tinha que fazer o serviço direito, porque meu pai era bravo. Mas mesmo assim eu fazia muita arte. Outra coisa, é que eu nasci antes da hora. Eu era “miudinho”, mas cresci com saúde graças a Deus. Minha mãe viveu até os 94 anos, morreu em 2008, em Paraíso.

Noêmia: Já eu nasci em 1948 em uma fazenda aqui perto de Termópolis, a Fazenda Fundãozinho, que dá pra avistar daqui do povoado. Meus pais, Arsênio Benassi e Maria Rodrigues Benassi, constituíram uma grande família, tiveram 17 filhos e sou das mais novas. Meu pai é de família italiana e minha mãe tem muitos parentes em Jacuí. Nossa infância foi de muita fartura na roça, as mulheres trabalhavam nos afazeres de casa e os homens na roça. A gente fazia queijo, todo tipo de doce e matava porco. Só duas irmãs minhas estudaram, meu pai mandou elas pra Paraíso pra isso. A casa onde eu nasci e cresci existe até hoje no Fundãozinho, mas tem outro dono. Minha família foi perdendo tudo ao longo dos anos, o que sobrou foi dividido entre os irmãos.

Senhor Francisco, começou a trabalhar muito cedo? Que atividades já exerceu?
Como eu falei, ainda criança já trabalhava na roça fazendo de tudo: tirava leite, capinava e cuidava das criações. Já trabalhei no Triângulo Mineiro, onde eu morei por um tempo. Uma vez, aqui perto mesmo, eu estava “panhando” café em uma rua mais afastada do resto dos “peão”. E quando fui pra perto deles de novo, ficaram todos intrigados de eu ter ido perto de um tal corpo seco que tinha lá. Nem tinha visto, o bicho tava preso numa árvore lá, dizem que eram os restos de um dentista muito ruim que residiu aqui em Águas Quentes (Termópolis). Ele morava e tinha o consultório ali onde é a casa do seu Odair. Depois conto melhor a história... Além disso, trabalhei para a Companhia Mendes Júnior (Hotel Termópolis). Comecei como auxiliar de cozinha, depois auxiliar de mecânico. Trabalhei também no Morro do Níquel como ajudante de caminhão, borracheiro... Mas a fase que trabalhei na cozinha foi muito boa, aprendi a cozinhar várias coisas. Hoje sou aposentado.

E como foi o tempo de escola?
Noêmia: Estudei muito pouco com um professor de Jacuí que meu pai contratou para as crianças lá da Fazenda Fundãozinho. Tínhamos que trabalhar, ajudar nos afazeres. Também tinha a escola aqui da vila, mas eu não gostava. Uns meninos mais velhos implicavam demais comigo e até batiam. Muitas vezes eu matava aula, ficava escondida no mato até dar a hora de voltar pra casa. Mas sei ler e escrever o básico, pelo menos.

Francisco: Eu não completei nem o primeiro ano numa escola que tinha lá no Chapadão. A professora se chamava Luzia e vinha de Passos. Logo que comecei a escola fechou. Naquela época a gente usava o tal do penal pra escrever, a gente aprendia já com aquilo. Aprendi a escrever meu nome completo. E não só porque a escola fechou, nesta época meu pai faleceu e eu e meus irmãos mais velhos tivemos que largar a escola pra trabalhar e cuidar dos irmãos menores.

Como é viver em Termópolis?
Noêmia: Moramos alguns anos na cidade e não acostumamos. Achamos bem melhor aqui do que na cidade. A verdade é que aqui tem nossa família e amigos. Todo mundo conhece todo mundo. Todo dia eu vou ali na casa da dona Lazinha pra ver como ela está. A gente busca fruta na casa de um, compra verdura de outro e assim por diante. Aqui é sossegado, mas também a gente morre de medo de deixar a casa sozinha. Se um sai, o outro fica vigiando a casa, porque nunca se sabe. Os bandidos estão vindo pra roça agora!

Francisco: Aqui é um lugar bom e abençoado. Todo dia eu dou uma passadinha ali no bar do Tatu pra tomar uma dose pequena de vinho, pra abrir o apetite antes do almoço. Também visitamos nossa filha Patrícia, a única dos filhos que mora aqui. É um ritual já, por volta das quatro horas vamos até a casa dela, porque é o horário que ela para do serviço. Ela também trabalha no hotel.

Senhor Francisco, fiquei curioso com a história do tal corpo seco. Conhece outros causos?
Então, a gente escutava a história de um homem que era um dentista muito ruim e virou o corpo-seco. Aquele, que eu citei há pouco. O filho dele contava que o pai fez muita coisa errada, o que não podia ele fazia! Adoeceu, morreu e ficou vagando por aí. Vieram uns padres e levaram ele lá pro Morro Vermelho. Tem gente que diz que nem o diabo quis ele! (risos) Mas também tinha causo de lobisomem! A minha falecida mãe falava que um lobisomem já rondou a casa dela. Era por volta de umas seis horas da tarde na quaresma. Meu pai não estava em casa e minha mãe estava sozinha com todos os filhos, inclusive com a minha irmã Eliza que era recém-nascida e não tinha sido batizada. E o bebê que não é batizado, o diabo leva embora. Estes bichos ruins também ficam atrás disso. A gente morava no fim de uma ladeira, e minha mãe escutou uns galopes fortes, vindo com tudo em direção à casa. Mas não era cavalo ou vaca. Os cachorros latiam muito e os porcos gritavam no chiqueiro. As portas da casa eram de madeira e dava pra escutar uma respiração alta por debaixo dos vãos, que se assemelhava a um porco. Mas não era porco, era uma coisa ruim. Minha mãe juntou todos os filhos no quarto e começou a rezar. Logo o bicho foi embora. Ela dizia que era lobisomem...

Francisco, o senhor pegou o tempo do carro de boi?
Quem pegou mais foi a Noêmia.

Noêmia: Naquele tempo tinha muito gado, vaca de leite, café, uma fartura só! E meu irmão carreava, boi bravo! Aqui em Termópolis tem uma história muito triste que os antigos contam. A igreja foi construída com os materiais sendo carregados pelos carros de boi. Um homem na época ajudava na construção, candiando os bois que puxavam as pedras. Dizem que, além das pedras, tinha uma criança em cima do carro, aí está criança caiu e os bois passaram por cima dela. O homem não viu. O corpo foi enterrado no altar da igreja, onde está até hoje.

O que gostam de fazer como lazer?
Francisco: Antigamente gostava de jogar um futebolzinho. Hoje tomo um pouquinho de vinho antes do almoço e do jantar! (risos) Além de reunir minha família aqui para almoçar, assar uma carninha. Também amo brincar com o Rex, meu vira-lata caramelo. Há uns anos, eu também ia na “serra” buscar arnica e outras ervas pro povo que me pedia. Eu ia até o Chapadão a pé visitar minha irmã Maria.

Noêmia: Gosto de conversar com uma amiga ou outra. Não gosto de ficar parada! Aqui também sempre deixamos ligado na TV Aparecida para ouvir as modas e assistir à missa. (risos) E amo ir na cidade, receber minha aposentadoria e comprar umas coisinhas que não encontra aqui.

Nos contem sobre a família que constituíram.
Francisco: Formamos uma grande família, mas infelizmente perdemos três filhos. O primeiro que perdemos era recém-nascido, nem tinha nome, seria nosso segundo filho após a Patrícia (mais velha). A segunda que perdemos foi a Cleide, ela nasceu em 1984, com graves problemas no coração, passou a infância e parte da adolescência em hospitais de Paraíso e Ribeirão. Os médicos diziam que ela não passaria dos vinte anos e não poderia ter filhos. Ela realmente não passou dos vinte anos e morreu com dezenove. Mas deixou um casal de filhos bebês, que foram adotados pela madrinha Patrícia. Hoje eles estão moços, o Iago tem vinte anos e a Iara tem dezenove anos. O último filho, Cleiton, perdemos para o vício em bebidas e drogas em 2016. Ele começou a se envolver com apenas 14 anos e sofreu muito no fim da curta vida (morreu aos 34). Mas era um rapaz bom pra todo mundo, adorava companhia de reis, foi palhaço e era grudado no seu Odair. Ainda sobre filhos, passamos muita necessidade no começo da vida de casados. Por isso precisamos dar nosso filho Geovane ainda no hospital. No entanto, a Cleide, quando viva, o reencontrou e graças a isso, ele voltou para nossas vidas e inclusive é padrinho dos filhos dela. Um rapaz muito bom, que nos deu três netas e um bisneto. Além destes episódios, temos outros filhos: a Patrícia, a Juçara, o Marcos e o Marcinho. Todos bons, trabalhadores e que nos deram vários netos. Família é o bem mais precioso. Além deles temos muitos amigos e recordações.

Noêmia: Isso mesmo, e as famílias de nossos pais se davam super bem. Eu era amiga das irmãs dele. Ele me mandou uma carta e deu em casamento! Combinamos demais, temos muito amor um pelo outro.

Por falar em família, hoje vocês têm uma neta jornalista (a apresentadora da TV Sudoeste Bruna Silffer). Acham importante a pessoa ser bem informada?
Ambos: Importante demais! Temos uma grande satisfação em ter uma neta jornalista. A Bruna é um orgulho pra nós! Nossa neta mais velha. Ela abraçou demais a ideia de ter os primos/irmãos adotivos. E desde pequena gosta de ouvir nossas histórias e causos. Já até demos entrevistas pra televisão, que veio aqui em casa.

Costumam ir sempre à cidade?
Francisco: Só quando tem necessidade mesmo, uma precisão maior, visitar algum filho... Somos aposentados e gostamos mesmo é da tranquilidade daqui.

Noêmia: E como eu disse, sempre bom comprar umas coisinhas que estão faltando. De primeiro, eu ia mais pra Jacuí que é aqui pertinho. Adorava fazer a feira lá!

Vocês professam alguma fé? Poderiam deixar uma mensagem pros nossos leitores?
Francisco: Somos de muita fé! Sem Deus não somos nada. E ainda tem gente que quer passar por cima Dele! Abaixo dele, a saúde. Falando nisso, minha mãe era benzedeira das boas. Fazia simpatia, curava vento virado de criança e entendia tudo de plantas e ervas medicinais, chás... Eu aprendi muito com ela e passo tudo para minha filha Patrícia.

Noêmia: Somos católicos, parte de minhas irmãs é espírita e eu às vezes frequento a igreja evangélica. Mas não abandono minha Nossa Senhora!

Gostaríamos de trazer uma oração que sempre rezamos em família: “Maria, passa na frente e vai abrindo estradas, portas e portões, abrindo casas e corações. A Mãe indo à frente, os filhos estão protegidos e seguem teus passos. Ela leva todos os filhos sob sua proteção. Só tu, com o poder de teu Filho, podes resolver as coisas difíceis e impossíveis. Amém!”
Colaboraram gentilmente nesta reportagem a jornalista Bruna Silffer e sua mãe Patrícia