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Arlinda Lourenço dos Reis

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Entretenimento | 06-11-2022 11:03 | 1584
Arlinda Lourenço dos Reis
Arlinda Lourenço dos Reis Foto: Acervo Pessoal

“Numa casa portuguesa fica bem, pão e vinho sobre a mesa. E se à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa com a gente. Fica bem essa franqueza, fica bem, que o povo nunca a desmente. A alegria da pobreza está nesta grande riqueza, de dar e ficar contente”. Como na canção imortalizada por Amália Rodrigues, as origens portuguesas fazem jus ao espírito altruísta e consciência de classe de Arlinda Lourenço dos Reis. Aos 77 anos a serem completados no próximo dia 16, Arlinda é autêntica, politizada e muito generosa. Confira a trajetória de uma grande mulher e um ser humano extremamente preocupado com o próximo.

Arlinda, nos conte sobre suas origens.
Tenho origens portuguesas tanto pelo lado paterno quanto pelo materno. Perdi meu pai, Manoel Lourenço, quando tinha apenas 10 anos de idade. Minha mãe, Maria da Piedade Melão, tinha comércio, uma espécie de venda, um mercadinho. Cresci na Vila Carrão, um bairro muito grande na periferia, zona leste da cidade de São Paulo. Lá era uma região que arrecadava muitos impostos, mas recebia poucos benefícios. Sou a caçula de quatro irmãos e só tenho uma irmã viva. Tive uma infância feliz, não tenho traumas, tenho excelente autoestima! (risos). 

Como era São Paulo naquele tempo? Sente saudades?
Não sinto saudade de quase nada... Inventei um pensamento para minha vida: um presente bem vivido e um futuro garantido! (risos) São Paulo naquele tempo era uma cidade bem tranquila. Já adulta, casada e com filhos é que começou a violência e grupos se formaram para tentar auxiliar o lado social. Por volta de 1980 eu participava ativamente dos movimentos dos grupos da Igreja Católica Progressista. Ali vi nascer o Partido dos Trabalhadores e aprendi muita coisa de fé e política. De olho na Bíblia, mas ainda mais de olho na vida.

Ainda tem contato com parentes em Portugal? Conhece a terra de Camões?
Sinto muito orgulho das minhas origens. Tenho dupla cidadania e sim, ainda tenho parentes por lá. Estive com alguns familiares por 20 dias conhecendo diversos lugares de Portugal e foi muito bom! Indico a Serra da Estrela e também Seia, Batalha, Óbidos, Fátima e Lisboa, que é uma cidade muito moderna, parecida com São Paulo.

E como se deu sua vinda para São Sebastião do Paraíso?
Foi em uma visita à casa da minha sogra, dona Alcídia. Meu esposo, José dos Reis Filho, o Zico, era irmão da dona Marta do Dadá Supermercado. Sempre gostei daqui! Então com a questão da violência em São Paulo, isso há cerca de 40 anos, manifestei a vontade de me mudar pra cá. Ainda levamos sete anos nos organizando e enfim nos mudamos para Paraíso, que eu adoro!

Quando surge o Supermercado Zico?
Em 1984 colocamos o que tínhamos em São Paulo para venda e nos mudamos. Também recebi uma pequena herança de Portugal que ajudou. Já vim gostando daqui! Sempre agradeço a Deus por saber o que quero e batalhar para conquistar.

A senhora sempre conciliou os cuidados com a família e o trabalho? Acha importante ter sua independência?
Sempre fui independente. Acho importantíssimo! Cuidei dos meus quatro filhos e trabalhava ao mesmo tempo. O Zico sempre me quis ao lado dele.

Por falar em independência, a senhora é uma mulher muito politizada, tendo inclusive participado de movimentos sociais. Como acompanhou o último pleito em que o Brasil se dividiu?
Eu achei o tempo todinho, enquanto o atual presidente governou o país, que nada foi feito ou não foi divulgado. Na minha opinião foi uma campanha muito sofrida e que pode ser desconfortável para quem foi derrotado. Eu aceito o que vem, um tem que ganhar e outro perder. Eleição é assim, faz parte das regras.

Lula foi eleito presidente com a margem mais apertada da história do Brasil. O que esperar de um novo mandato de-le?
Governar uma nação é o mesmo que governar sua própria casa. Fazemos política desde que nos levantamos e dividimos o pão. É partilhar com o próximo. Então avalio que foi muito bom. Estou bem esperançosa e espero o mesmo que teve em seu primeiro mandato. Foi um mandato reconhecido e premiado no mundo inteiro. Espero que mude principalmente para os mais necessitados, que acabe com a fome de novo. Acredito que fará um bom governo pois ele faz as coisas com muito amor, principalmente na área social. O ser humano não nasceu para comer osso, pele de frango e soro de leite. O povo merece mais!

Ainda em relação à política, temos um país dividido e muitos lares também. Como contornar essa situação?
Temos que ter paciência com quem não entende o que é democracia, com o que é de fato o social. E conscientizar que o melhor é o que foi decidido pelo resultado das eleições, afinal vivemos em um país democrático. Em relação ao lar, tem que partir da gente, como mãe principalmente. O bom andamento dentro de casa vem principalmente da mulher. O exemplo vem sempre de cima. E não agredir, respeitar a opinião do outro e não dar murro em ponta de faca!

A senhora é comerciante do ramo varejista, um setor de primeira necessidade para a população. Recentemente passamos por uma grave pandemia e também uma igualmente grave crise econômica. Tem observado alguma mudança no comportamento do consumidor?
Como somos de um setor de primeira necessidade e temos clientes fiéis, não fomos tão afetados, assim como todo o setor de supermercados. O que observei foi o aumento na compra de cestas básicas, as pessoas são solidárias. Claro que o poder aquisitivo caiu e muito! Também observo ao redor, tem muitas pessoas em situação de rua. Outro dia estava comentando sobre a tristeza que é a fome e uma conhecida me questionou: “por que você, sendo dona de supermercado, não sai distribuindo alimentos?” Não a respondi no momento, sempre fiz, mas não costumo divulgar caridade. Também tenho percebido e me preocupado com os muitos animais abandonados pelas ruas, ainda bem que Paraíso tem castração. Se a pessoa mal tem o que comer, como comprará ração?

Recentemente a senhora perdeu o companheiro de uma vida. Como está lidando com isso? E o que a família representa pra senhora?
Foram quase 58 anos de casados e quatro filhos: Carlos, Nelson, Marcos e Márcio. Tenho muita aceitação dos acontecimentos na minha vida. Foram oito anos cuidando de meu esposo, que foi acometido pelo Alzheimer. Contei com a colaboração de excelentes cuidadores e fiquei amiga de todos eles. Mas ainda em relação à família, é nosso maior bem, e também os amigos, os colaboradores, todos importantes. Gosto demais de ver as pessoas prosperarem e serem felizes!

E, imagino, a senhora também passou pela mais dolorosa das perdas. Como foi o processo em relação à perda de um filho? 
Sim, meu filho Nelsinho. Não tem dor maior, só mesmo o tempo. Mas também aceitei. Um dia estava no mercado e uma moça muito simples me chamou de canto. Fomos para um lugar mais reservado e ela se apresentou como irmã do rapaz que tirou a vida do meu filho. Ela disse que tinha um recado da sua mãe, que não era pra eu perdoar seu filho. Respondi que já o tinha perdoado e era para a mãe dela fazer o mesmo.

Para a senhora, qual o sentido da vida?
A coisa mais importante é estar bem consigo e cumprir nossa missão até quando Deus quiser. Valorizo muito minha vida, gosto muito de mim! (risos) A vida é muito boa! Durmo bem e em paz. Procuro ver sempre o lado bom, mas o lado ruim também traz muita experiência e sabedoria.

O que gosta de fazer nas horas livres?
Gosto de mexer no celular, me informando sempre. Admiro o jornalista Reinaldo Azevedo, excelente! Interajo nos grupos de família. Também estabeleci uma relação muito próxima com os cuidadores do meu esposo. Gosto de gente! E também gosto muito de samba, músicas portuguesas, por exemplo Roberto Leal. E faço atividade física. É preciso cuidar do corpo e da mente!

Arlinda, com tantas histórias vividas e lições aprendidas, poderia nos deixar uma mensagem de esperança e otimismo?
Devemos sempre pensar positivo. Acredite em si, com muita fé em Deus. Temos que cumprir nossa missão com fé, esperança e dedicação. Sempre procurando o melhor, não apenas para si, mas pra todos.