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Fernando de Figueiredo Balieiro

Por: Reynaldo Formaggio | Categoria: Entretenimento | 15-01-2023 09:13 | 1269
Fernando de Figueiredo Balieiro
Fernando de Figueiredo Balieiro Foto: Acervo Pessoal

Ciências Sociais é um ramo das ciências que estuda os aspectos sociais do mundo humano, ou seja, a vida social de indivíduos e grupos. Isso inclui Antropologia, Sociologia, Ciência Política, estudos da comunicação, Arqueologia, Geografia Humana, História, Economia, entre outros. Mas afinal o que é Sociologia? Quais são os princípios que norteiam a democracia? Como aprender a lidar com as diferenças ideológicas? Para nos explicar estes conceitos e indicar possíveis caminhos, entrevistamos o professor de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria - RS, Fernando de Figueiredo Balieiro.

Quem é o Fernando?
Nasci há 39 anos em Ribeirão Preto. Sou filho caçula de Candido Máximo Balieiro Neto e Maria do Carmo Figueiredo Balieiro. Tenho duas irmãs, a Mariana e a Carolina. Morei toda minha infância em uma rua de trânsito intenso, conformando em mim um caráter mais introspectivo. Lembro de passar muito tempo brincando sozinho, dentro de casa, ou desenhando. Com meus avós maternos (perdi meus avós paternos muito cedo) também guardo muitas lembranças de minha infância, jogando baralho e ouvindo suas histórias. Também ficava em companhia de minha mãe, artista plástica, em seu atelier, o que influenciou meu gosto pela arte. O momento de ruptura se deu na adolescência. Foram nos bares de rock, casas de amigos e nos ensaios de bandas de garagem que construí amizades duradouras e uma forma de ver o mundo influenciada pelas bandas que ouvíamos e livros que líamos.

E como decidiu cursar Ciências Sociais? Alguém o influenciou? 
Entrei na graduação com 17 anos e gostei do curso. Acabei por seguir a carreira, mas sempre penso que poderia ter também gostado de muitas outras profissões. Escolhi o curso no dia em que me inscrevi no vestibular, com muitas dúvidas. Destaco a influência do meu pai e seu gosto por acompanhar e discutir política. Professores de História, Geografia e Redação também tiveram uma influência importante nesta escolha, cultivando meu gosto pelas Humanidades.

Onde se graduou e quais seus objetos de pesquisa no mestrado e no doutorado? Essas pesquisas foram publicadas depois como livros, certo?
Formei-me em Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, em 2005. No mestrado, realizei uma análise sociológica do romance O Ateneu (1888), de Raul Pompeia, buscando compreender mudanças no campo da cultura em momento de profunda transformação da sociedade brasileira, com a abolição da escravidão e na iminência da proclamação da República. No doutorado, analisei a construção da identidade nacional a partir do foco na trajetória de Carmen Miranda, um ícone da cultura de massas dos anos 1930 e 1940. Ambos os trabalhos foram publicados, seguindo a recomendação das bancas, em formato de livro, em 2015 e 2018.

Qual sua trajetória até chegar à Universidade Federal de Santa Maria?
Terminei meu mestrado em 2009 e meu doutorado em 2014, ambos em Sociologia, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Fiz estágio de doutorado na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, entre 2012 e 2013. Tive experiências de docência, na modalidade de Educação a Distância, também na UFSCar, entre 2009 e 2012. Em 2014, trabalhei na Estácio de Ribeirão Preto. Em 2015 passei a trabalhar na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e desde 2016 sou professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSM.

Poderia nos falar um pouco sobre o que é a Sociologia e seu escopo?
A Sociologia surgiu na segunda metade do século XIX voltada a explicar os processos sociais que conformaram as sociedades industriais, bem como compreender as formas de organização social como um todo, sob um prisma científico. Se, em um primeiro momento, debruçava-se sob o capitalismo industrial, hoje uma de suas questões centrais são as mudanças sociais, culturais e econômicas em um contexto marcado pela presença das tecnologias e mídias digitais, em seus mais variados aspectos.

Sabemos que as questões políticas estão diretamente ligadas às ciências sociais. Mas há muita desinformação no que tange aos sistemas de governo, espectros políticos, etc. Na sua visão, as Ciências Sociais deveriam fazer parte do currículo escolar?
As Ciências Sociais têm muito a contribuir na educação básica. Elas nos ajudam a compreender criticamente a realidade, além de permitir uma visão mais acurada sobre os processos históricos. A Sociologia voltou para o Ensino Médio, em nível federal, em 2008, depois de ter sido excluída durante o período da ditadura militar e após longa disputa por incluí-la novamente no currículo escolar.  Em 2017, com a Reforma do Ensino Médio, ela passou a compor o itinerário das Ciências Humanas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em situação ambígua e incerta.

Um dos objetos de interesse da Sociologia é a democracia, poderia nos dizer como ela é compreendida sob o olhar acadêmico?
Definições e teorias sobre a democracia são diversas e remontam à Antiguidade. De forma bem simplificada, em sua acepção contemporânea, está associada à expansão dos direitos civis, políticos e sociais, a um sistema político representativo com sufrágio universal, eleições livres e pluralismo partidário.

Por falar em política, vivenciamos um pleito muito acirrado, com muitas rupturas e, após o processo consolidado, ataques à democracia e ao patrimônio público. Como sociólogo, como você vê essas divergências? Elas podem, sob algum aspecto, trazerem reflexões positivas para a sociedade?
Pode-se argumentar que vivemos em um período de intolerância e que esse problema, em si, não é exclusivo de algum dos lados do espectro político. Entretanto, o que estamos vendo nos últimos tempos em nosso país é a manifestação do extremismo de direita, com um segmento que se recusa a aceitar como legítimos os seus adversários políticos, a aceitar os resultados eleitorais e que clama por saídas políticas autoritárias. Posicionamentos extremistas circularam (e ainda circulam) nos canais de comunicação digital vinculados a Bolsonaro e, infelizmente, com grande poder persuasivo, impactando em nossa sociabilidade familiar e profissional. A intolerância que reina no país não é incoerente com a trajetória política do ex-presidente da República, o qual não apenas defendeu inúmeras vezes o legado do regime militar, mas a prática da tortura e a eliminação de seus adversários políticos, além de promover desconfiança generalizada em nosso processo eleitoral. Vimos os frutos disso no último domingo, com a depredação do patrimônio público e ataque violento ao Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto.

Como a Sociologia pode colaborar nesse sentido para que os mesmos erros não sejam repetidos?
Nós enquanto seres humanos, os “objetos” de pesquisa das Ciências Sociais, podemos incorporar os resultados e análises das pesquisas sociológicas, modificando nossas práticas sociais. A Sociologia é eminentemente crítica, o que significa uma forma de conhecimento que coloca em questão aquilo que consideramos – no dia-a-dia – natural. Tal perspectiva nos permite olhar retrospectivamente para os processos sociais que fizeram de nós o que somos hoje, possibilitando-nos pensar em alternativas.

O novo governo, além de recriar alguns ministérios como da Igualdade Racial e das Mulheres também criou um inédito ministério dedicado à causa indígena. Qual a importância desse gesto?
Vivemos, nos últimos anos, uma erosão das políticas indigenistas e ambientais, com o incentivo a projetos de mineração e ondas de invasão em terras indígenas, além do crescimento vertiginoso do desmatamento na Amazônia. Não à toa, a cerimônia de posse foi repleta de simbolismo, com a presença destacada do cacique Raoni. A volta dos ministérios de Igualdade Racial e das Mulheres e a criação inédita de um Ministério dos Povos Indígenas, sob o comando de uma liderança indígena, representa, de fato, um ponto de inflexão em favor de políticas que combatam as desigualdades e violências contra populações marginalizadas e respeitem a diversidade cultural do país. O novo governo Lula-Alckmin assumiu um compromisso com essas pautas que, associadas com a pauta ambiental, serão um desafio para a nova gestão.

Você é casado com uma paraisense, a historiadora e professora Semíramis Corsi. Qual a relação dos seus estudos com a História, vocês conversam muito sobre seus temas de pesquisas?
Minhas pesquisas sempre foram de caráter sócio-histórico. No mestrado e no doutorado minhas fontes empíricas foram trabalhadas em arquivos documentais, tal como o fazem muitos historiadores. Eu e Semíramis dialogamos muito. A Semíramis é uma pessoa muito inteligente e atenta, eu aprendo muito com ela não apenas quando estamos conversando sobre teorias ou textos, mas com a sua forma de observar o mundo. Ela capta muitas questões sociológicas em suas observações sagazes do cotidiano. Além disso, ela me ensina muito sobre história, artes e literatura.

Por fim, Fernando, de que forma você pensa que a Sociologia pode impactar a sociedade?
A Sociologia, enquanto ciência, pode colaborar com pesquisas que nos ajudem a elucidar nossa realidade atual. Pesquisas demandam tempo, método e análise de dados, os quais – como em qualquer outra ciência – exigem uma formação especializada que permita a compreensão de fenômenos que são complexos. Enquanto disciplina, no Ensino Médio ou Superior, a Sociologia traz contribuições relevantes ao apresentar aos discentes as ferramentas conceituais básicas para o pensar sociológico, abordando conhecimentos reflexivos a serem aproveitados nas vidas pessoais, profissionais e também no exercício crítico da cidadania.

Após dois anos me despeço agradecendo a oportunidade de apresentar uma rica coleção de histórias de vida e, principalmente, aprender com cada uma delas. Foram 104 entrevistas pautadas pela ética e diversidade em um espaço eminentemente democrático. Aos leitores que me honram e agradecem pela forma como conduzi a coluna até aqui, meu apreço, minha profunda gratidão e um fraternal abraço.