ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 24-05-2023 00:43 | 2827
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquivo

Marília Mendonça
O órgão brasileiro responsável pela investigação de acidentes aéreos é o CENIPA. A partir da caixa preta, de imagens aéreas e perícias na sucata das aeronaves destroçadas, seus técnicos laudam quais seriam as causas do acidente. A coisa toda não serve para indenizar quem quer que seja ou por na cadeia culpados, mas para prevenir futuros acidentes evitando a repetição de erros. Ao apurar a queda do avião de Marília Mendonça, desta vez o CENIPA foi de uma conclusão que beira as raias do absurdo: o acidente não foi por falha mecânica da aeronave, nem por falha humana do piloto. Ou seja, deve ter sido São Pedro o causador da tragédia.

Quem  é Deltan?
Deltan Dallagnol é o símbolo vivo do que se denominou chamar “lavajatismo”. Enquanto procurador da República e atuando junto à vara federal de Curitiba/PR, fomentou a apuração de crimes reais e imaginários, todos vinculados à corrupção de agentes políticos e empresários milionários. No país, basta se valer da bandeira do combate à corrupção para se tornar herói, não importa a veracidade das acusações. Deltan soube navegar na crista dessa onda e não se preocupou se, no meio do caminho, promovia assassinato de reputações e destruía lares e carreiras. Usou e abusou das prisões temporárias e preventivas para extorquir confissões e delações, utilizou informações secretas colhidas em inquéritos em segredo de justiça para influenciar resultados de eleições, pendurando-se nas redes sociais para compartilhar informações sobre investigações em andamento e sem culpa formada. Com isso, tornou midiático um trabalho fundamentado em indícios sem apuração. Fez terra arrasada da política brasileira e criou factoides com a conivência de grande parte da imprensa. Vazou seletivamente informações enquanto quebrava empreiteiras e destruía o nome da Petrobrás. Com isso não levou o Brasil a lugar nenhum: quem ele prendeu está solto, elegível e eleito. Esse cidadão é Deltan Dallagnol. Sua máscara de fiel defensor das contas públicas foi utilizada para fins eleitorais e a ele muito pouco preocupou a justiça e os acertos de suas ações até que, exonerando-se do Ministério Público, se sagrou eleito deputado federal com votação expressiva.

O devido processo legal é pra todos
Mesmo sendo Deltan Dallagnol um oportunista de toga e um demagogo em estado bruto digno de Oscar por sua interpretação de bom moço, ainda assim ele não merecia a cassação em julgamento unânime do TSE. Acho que a esta altura todo mundo já sabe o que aconteceu: Deltan, sabedor que sofreria procedimentos administrativos disciplinares no Conselho Nacional do MP e que poria em risco sua permanência no cargo, preferiu pedir contas e ir embora, exonerando-se. Assim, preservaria seus direitos políticos, sua elegibilidade, que bem utilizou para vencer as eleições. Como não se podem presumir condenações que não ocorreram, cassar o registro de sua candidatura com base neste argumento surreal é, ao mesmo tempo, certo e errado. Foi isso mesmo, mas esta não é uma ação ilegal, e portanto, não impede a plenitude dos direitos políticos do ex-procurador.

Contraditório?
Bem, desço o pau em Deltan, mas defendo que permaneça deputado federal. Pareço contraditório? Só pra quem não me conhece. Ele pode ser péssimo exemplo de membro do Ministério Público e operador do Direito, mas o devido processo legal vale para todos. As garantias constitucionais, aliás, são também para párias e criminosos e principalmente para eles. As liberdades são também para aqueles que não as merecem. Sobretudo, Deltan foi eleito. O direito dele ao exercício do cargo a que se capacitou através do voto popular não é só dele, mas também de seus eleitores.

Decidindo com o fígado
Todo regime democrático se embasa em regras claras a serem seguidas por todos. A democracia é o império das leis sobre os humores e amores dos homens. O raciocínio é assim: posso estar errado, mas se a lei permite posso fazer. Ou o oposto: estou certíssimo, mas a lei proíbe, então não pode. Só assim vivemos em sociedade com alguma segurança jurídica, só assim organizamos politicamente a sociedade, transformando-a em um Estado justo e republicano. Quando se decide com o fígado e por vingança, cria-se perigoso precedente, brinca-se com o autoritarismo e com a ditadura.

O papel dos juízes
O bom destas decisões polêmicas e dos políticos de toga que vez ou outra obscurecem os caminhos do poder judiciário brasileiro é que o povo, revoltado com decisões e arbítrio de tribunais superiores, sabe muito bem diferenciar o que por lá ocorre com a normalidade do funcionamento da justiça no Brasil, nas cidades e comarcas, entre juízes monocráticos e tribunais estaduais inferiores. Para a ampla maioria das pessoas, este é o verdadeiro poder judiciário, que não se confunde com as polarizações e polêmicas protagonizados por magistrados nomeados politicamente em Brasília/DF. Segundo o povo, os juízes de verdade permanecem no seio de suas comunidades distribuindo justiça.  Há algo de poético nisso. E verdadeiro. Ao se defrontar com o mal, o ser humano imediatamente reconhece e valoriza o bem.

O dito pelo não dito.
“A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar.” (Marthin Luther King, estadista americano)