O sol raiou de uma forma mais bonita e diferente na vida de uma paraisense em especial na última quarta-feira, 24. Luiza Afra de Souza completou incríveis 104 anos de vida. Seu semblante lúcido e sua disposição física desmentem a passagem de tanto tempo, e é no compasso de sua história de resiliência e empatia que se revela a verdadeira riqueza de sua longa existência.
Dona Luiza, uma dama com mais de um século de existência, nasceu e cresceu na zona rural de São Sebastião do Paraíso. Filha do casal Pedro Antônio da Silveira e Rita Eduarda da Silva, ela e seus dez irmãos cresceram ajudando os pais na lida da fazenda da família. A meninice marcada pelo trabalho árduo e pelo convívio com a natureza semeou em seu espírito a devoção ao trabalho honesto e à família unida.
Daquela época, ela carrega com saudade a lembrança dos seus dias como professora. Em tempos em que a educação era luxo e não direito, aos 19 anos, a jovem determinada assumiu a responsabilidade de alfabetizar crianças e adultos de sua comunidade. “Meus pais se mudaram para a cidade para que eu e meus irmãos pudéssemos estudar. Era uma escola particular e nos tivemos um bom ensino. Depois, nós voltamos para a fazenda e eu vi que muitas pessoas que moravam por lá não tinham estudo. Então eu ensinava os garotos de manhã e os adultos à noite”.
Pouco tempo depois, o amor se apresentou a sua vida de uma forma bem peculiar, durante uma campanha política. Foi no cenário efervescente que costumava marcar o pleito municipal paraisense que Luiza, aos 22 anos, conheceu Geraldo Carlos de Souza. “Meu pai gostava muito de política e sempre ia para a cidade para ajudar nas campanhas. Ele nunca se candidatou, mas gostava daquela coisa. Um dia, ele foi até a casa do Geraldo pedir votos para a família. Eles disseram que não votariam no candidato do meu pai, porque eram da UDN (União Democrática Nacional, partido político de orientação conservadora e opositor às políticas e à figura de Getúlio Vargas), mas eu e o Geraldo nos apaixonamos”, recorda com um brilho no olhar.
A conexão foi instantânea, o amor floresceu e eles se casaram. A nova vida a dois levou-os a São Paulo, onde teceram juntos uma existência marcada pela parceria e pelo esforço. Juntos, venderam salgados, corretaram imóveis e tiveram três filhos, construindo um lar sólido e cheio de amor.
Mas a vida, em suas imprevisibilidades, trouxe desafios que testaram a fé de Luiza. Primeiro, o marido e companheiro de tantas batalhas adoeceu e acabou morrendo pouco tempo depois de o casal voltar a Paraíso. Depois, um a um, os filhos contrariaram aquela que deveria ser a ordem natural das coisas e também faleceram, deixando a mãe. A dor das perdas das pessoas mais importantes de sua vida poderia ter paralisado Luiza, mas sua força interior não permitiu que o luto fosse seu fim. Pelo contrário, foi um recomeço. “Eu comprava sacas de café, torrava e vendia lá na rua dos Antunes, onde morava. Eu tinha muitos clientes. Eu também fazia quitandas e, no final do ano, fazia panetones, que todo mundo adorava. Foi assim que eu sobrevivi: trabalhando. Enquanto você trabalha, você tem vida. Deus me deu forças e eu trabalhei a vida inteira. Isso me manteve viva”.
Sua generosidade também se tornou marca registrada na comunidade paraisense. Dona Luiza era conhecida por visitar o hospital local e ajudar pacientes internados, atendendo às necessidades mais básicas desses indivíduos com compaixão e gentileza. “Eu ficava acompanhando as pessoas na enfermaria e, um dia, o médico me proibiu de ficar lá”, conta ela, rindo ao lembrar das ocasiões em que sua presença constante na enfermaria causou alvoroço.
Além disso, Luiza era chamada pelos amigos de “Dona Ambulância”, pois costumava acompanhar pacientes que viajavam para fazer exames e passar por consultas médicas em outras cidades. “Eu sempre ia com aquelas pessoas para Ribeirão Preto e outros lugares. Me perguntavam o porquê de eu fazer tudo aquilo e eu sempre respondia que era porque aquelas pessoas não podiam pagar para ter um acompanhante. Isso sempre me fez bem”, diz ela, que também aplicava injeções quando preciso e chegou a ajudar mulheres em trabalho de parto a dar à luz.
Para os mais jovens, que estão em busca de orientação ou para aqueles que perderam a esperança, Luiza tem um conselho. “A gente tem que ter força de vontade e não esperar e fazer o que puder para si mesmo e para os outros. É preciso trabalhar, porque é plantando que você colhe”, aconselha a aniversariante centenária.
Por fim, questionada sobre o sentimento de completar 104 anos de vida, Dona Luiza revela a maior lição de sua jornada: não temer a morte. Ela entende que a vida é transitória e que, eventualmente, todos nós temos que partir. “Ninguém veio para a eternidade”, diz com serenidade, “vivi e vivo uma vida boa e feliz, apesar das lutas, dores e dificuldades”.