DEVOLUÇÃO IMÓVEIS

Câmara arquiva projetos que devolveriam imóveis ao Município: Ministério Público diz que tomará providências

Maioria dos vereadores decidiu não atender PL’s do Executivo que revogavam doação de terrenos a empresas
Por: Ralph Diniz | Categoria: Justiça | 24-06-2023 11:20 | 1538
Promotoria do MPMG alega que doações foram ilegais e exige que imóveis sejam devolvidos ao patrimônio público
Promotoria do MPMG alega que doações foram ilegais e exige que imóveis sejam devolvidos ao patrimônio público Foto: Ralph Diniz

Durante sessão ordinária realizada na segunda-feira, 19, a Câmara de São Sebastião do Paraíso arquivou 26 dos 27 projetos de lei que revogavam a doação de imóveis do Município a empresas locais e particulares que, segundo o Ministério Público Estadual (MPMG), foram doados ilegalmente. Assim, os bens não puderam voltar ao patrimônio municipal.

O autor dos PL’s é o chefe do Executivo Municipal, Marcelo Morais, que cumpre um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público e a Prefeitura em dezembro de 2020, durante os últimos dias de governo do então prefeito Walker Américo de Oliveira. As alienações dos imóveis públicos foram feitas, segundo o MPMG, entre os anos de 1988 e 2019, sendo a maioria realizada em 2015. Ao todo, 273 terrenos foram repassados em contrariedade da lei.

Votaram a favor do arquivamento dos projetos de lei para revogação dos imóveis, com dispensa de interstício, os vereadores Antônio Picirilo, Juliano Reis, Lisandro Monteiro, Maria Aparecida Cerize, Pedro Delfante, Sérgio Aparecido Gomes e Vinício Scarano. Já presidente da Casa, José Luiz das Graças, juntamente com Luiz Benedito de Paula e Marcos Vitorino foram contrários ao arquivamento. Lisandro Monteiro ainda pediu vistas de um dos projetos, que trata da doação de um terreno a uma cafeeira.

Diante do fato, o Ministério Público Estadual, por meio de sua 5ª Promotoria de Justiça de São Sebastião do Paraíso, demonstrou descontentamento com a decisão tomada pela maioria do Legislativo Municipal. “A conduta de parte dos vereadores na sessão do último dia 19 confirma a política costumeiramente praticada no Município e que foi o motivo da abertura do procedimento, qual seja não desagradar algumas pessoas, os ‘amigos do rei’, que receberam os imóveis, ainda que em detrimento do cidadão comum”. Além disso, o órgão classificou as doações feitas de forma irregular como uma “situação grave e desrespeitosa com os munícipes que a duras penas pagam impostos”, e que afrontam aos princípios da legalidade, moralidade e isonomia.

Ao Jornal do Sudoeste, a 5ª Promotoria declara que segue investigando o caso e que tomará as medidas pertinentes para reaver os imóveis ao patrimônio municipal com urgência, uma vez que as doações e outras modalidades utilizadas para a transferência e uso dos terrenos “são ilegais e nulas de pleno direito, assim como os demais atos e disposições que as sucederam”.

Segundo o MPMG, tais imóveis “são bens públicos entregues a empresas sem licitação, ou seja, sem que o público em geral possa se inscrever perante um edital com critérios objetivos e, assim, após ofertar a melhor proposta para a cidade na criação de empregos, por exemplo, receber o bem público e com isso atingir a finalidade pública que se espera da entrega de um bem que pertence a toda a sociedade e não a esse ou àquele prefeito ou vereador, como parece acontecer na cidade de São Sebastião do Paraíso.”

Ainda segundo o Ministério Público, todos os imóveis apontados pelo Município nos 27 projetos de lei votados nesta semana estão vagos, sem edificações e não geram empregos. Conforme explica, tais empresas beneficiadas receberam os terrenos há muitos anos e, desde então, os deixaram ociosos, sem cumprimento da finalidade. “(...), mesmo assim, a Câmara Municipal entendeu que [os imóveis] não deveriam retornar ao patrimônio público municipal. A situação é absurda, além de ilegal, inconstitucional e imoral. O que diria o cidadão comum se soubesse disso”, exclama a 5ª Promotoria.

Entre as condicionantes que as empresas deveriam cumprir ao receber os imóveis, estão, por exemplo: a tomada de posse do imóvel em até 30 dias; o início das obras em até seis meses e da atividade operacional em até 24 meses; a responsabilização das despesas, e a geração de empregos. Contudo, segundo o MPMG, tais obrigações não foram cumpridas. “Só agora, depois do Município acertadamente tomar as providências necessárias para a retomada desses imóveis, os empresários ‘resolveram’ se importar com os terrenos públicos recebidos ilegalmente”, diz a Promotoria, que ainda declara que, se alienados, tais bens teriam rendido ao Poder Público somas expressivas que poderiam ser usadas na efetivação de políticas públicas.

Por fim, a 5ª Promotoria ressalta que as doações e cessões ilegais feitas pelos chefes do Poder Executivo local ao longo das últimas décadas, com anuência e participação da Câmara Municipal, além de violar a legalidade, pode configurar improbidade administrativa. “O caso é grave e caracteriza dano ao erário”. 

DENÚNCIA GRAVE
O Ministério Público explica que o inquérito civil foi aberto em razão de denúncia de venda e de locação de imóveis pelos beneficiários dos terrenos públicos, configurando-se assim, o crime de enriquecimento ilícito. À época, inclusive, a Promotoria chegou a realizar a oitiva de um dos sócios de uma empresa que estaria vendendo um terreno que recebeu do Município para a construção de uma indústria. 

PRESIDENTE DA CÂMARA SE POSICIONA
Responsável pela denúncia, feita em 2017, que desencadeou toda a investigação do MPMG acerca dos imóveis doados de forma irregular a empresários, bem como a venda ilegal de um deles, o presidente do Legislativo paraisense, José Luiz das Graças, era favorável da aprovação dos projetos de lei apresentados pela Prefeitura. Voto vencido, ele declara ao “JS” que respeita a decisão da maioria. O vereador conta que recebeu o inquérito do Ministério Público e que repassará o caso ao Departamento Jurídico da Casa para que as devidas respostas sejam encaminhadas à Promotoria.

OBEJTIVO É RESOLVER O PROBLEMA
Procurado pela reportagem, o prefeito Marcelo Morais conta que havia dito desde o início que respeitaria a decisão do Legislativo, mesmo sabendo da gravidade do fato. Porém, ele declara que o cumprimento da TAC por parte do Executivo, assinado na gestão anterior, é apenas mais um problema que está sendo resolvido para dar condição de competitividade para todos os empresários dentro da legalidade e da forma mais transparente possível.

“O que estamos tentando fazer é resolver um problema crônico na cidade, para que nunca mais aconteça. Porém, esse não foi o entendimento do Legislativo. Vamos continuar a cumprir o plano de trabalho estabelecido na Secretaria de Desenvolvimento Econômico para atender integralmente a TAC assinada pelo gestor anterior, mesmo sem a participação do prefeito atual, que na oportunidade já tinha vencido as eleições municipais, e ainda assim, não participou da elaboração e assinatura do termo. Mas é como eu sempre disse: para moralizar algo infelizmente existe o desgaste”, completa Morais.