Intromissão
Quando o Poder Judiciário legisla, suprime a competência exclusiva do parlamento. Imaginem um jogo de futebol em que a torcida xinga a mãe do árbitro, que chama de ladrão, grita que o centroavante é pipoqueiro e que o goleiro é frangueiro. Tá tudo bem, isso é cultural, nada disso é crime. No entanto, se estes mesmos torcedores ofenderem um jogador mais escuro com o grosseiro apelido de “macaco” ou proferirem alguma ofensa racista a quem quer que seja, serão com justiça punidos. Por quê? Porque deputados e senadores, o Congresso Nacional enfim, entendeu que esta ofensa é mais grave, mais séria e merece maior repulsa legal e social. E o Congresso pode fazer isso: nele estão representantes de todas as camadas sociais, de todos as etnias e classes e castas, da bancada da bala ao MST, de militares ao GLBTQ+, de comunistas ao Centrão. Todo o Brasil está representado ali e o que ali se decide é a legítima decisão do povo brasileiro. Todavia, quando é o STF quem diz, como de fato o fez, que ofender gays é o mesmo que proferir injúria racial, cria um crime novo, está legislando e, com isso, suprimindo a competência exclusiva do Poder Legislativo, com a conivência deste último.
A remarcação das terras indígenas
Foi aprovada no Congresso a Lei que fixa marco temporal e remarca terras destinadas a reservas indígenas, ainda que a nova legislação represente a vontade popular expressa através do voto dos parlamentares legitimamente eleitos, a história não é bem assim. Ou não vai ficar assim. Nossa mais alta corte de justiça do país, o STF, já mandou avisar que não gostou deste ou daquele pormenor da Lei nova e deverá “costura-la” conforme seus interesses – a informação é de JR Guzzo, colunista do Estadão. É o mesmo que se dá com a regulamentação das redes sociais através de censura prévia: se o congresso não impuser mordaça e rédeas como as propõem alguns ministros do STF, a toga legislará mais uma vez, ela que já governa a nação.
Janja – a eminência pink
O General Golbery do Couto e Silva era a eminência parda dos governos militares. Trafegava nos bastidores da presidência orientando decisões e ninguém ouvia afalar dele. Mandava, mas não aparecia – e esta é a definição de “Eminência Parda”. Elio Gaspari em sua quadrilogia “O Sacerdote e o Feiticeiro” narra bem as peripécias do estratégico Golbery, em muito responsável pela governabilidade militar, principalmente no final desta trajetória e na transmissão do poder para o primeiro presidente civil pós regime de exceção. Pois Janja, a primeira dama, quer virar o Golbery do Lula, com a diferença que dorme com ele. Será “eminência pink”. Pouca gente sabe, mas há o crime de usurpação de função pública para aqueles que, não sendo servidores, exerçam funções restritas ao serviço público. Já vivenciei a parenta de um prefeito tentando ajudar a este desinteressadamente, porque não poderia ser nomeada para cargo algum por conta do nepotismo, e foi processada criminalmente por isso, porque trabalhava de graça para a administração. Em uma cidadezinha em que trabalhei, um candidato a prefeito da oposição, vendo as ruas do município mal cuidadas e querendo confusão com o prefeito em exercício que lhe era adversário político, começou ele mesmo e seus correligionários a varrerem as ruas mal cuidadas. Também foi processado por usurpação de função pública. Vejamos com Janja – se bem que ela é a esposa do “homem”.
O centenário de Kissinger
Henry Kissinger, alemão de nascimento, americano histórico que foi secretário de estado e chanceler de pelo menos dois presidentes norte-americanos, faz longevos cem anos ainda na ativa, lançando livros, dando palestras e entrevistas e ensinando as gerações atuais a arte da ciência política e da diplomacia. Vale uma lida em toda a sua bibliografia, porque também ele um excelente escritor, um intelectual que provou ser uma exceção: um erudito pragmático. Erasmo de Roterdamm, o filósofo, dizia que homens sábios não serviam para administrar e que só entendiam de suas artes e ofícios, e fora deles não sabiam sequer amarrar aos cadarços dos sapatos. Kissinger, homem de resultados e cultíssimo, usou seu intelecto para coibir guerras frias e quentes e para amenizar outros conflitos. Tentou a todo custo impedir que os Estados Unidos permanecessem no Vietnã, mas já então o governo americano buscava uma saída honrosa para parar de gastar dólares e vidas lutando do outro lado do planeta uma guerra insolúvel. Kissinger, gênio político, demonstrou que uma nação com predomínio total sobre o planeta viverá assombrada pela vizinhança. Com ele como conselheiro, Obama jamais teria facilitado o comércio exterior chinês, Bush jamais teria tomado o poder no Iraque, e talvez o Talibã não tivesse derrubado às torres gêmeas. Devemos aprender com os gênios, como Kissinger.
O Dito pelo não dito
“A história é um conto de esforços que falharam, de aspirações que não foram realizadas e de desejos que foram realizados, mas depois acabaram por ser diferentes do que se esperava.” (Henry Kissinger, político e diplomata americano).
RENATO ZUPO – Magistrado, Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Escritor