ENTRETANTO

Entretanto

Por: James Warley | Categoria: Justiça | 05-08-2023 00:07 | 932
Foto: Arquivo

Bevillaqua
“Quando, na solidão do meu gabinete, contemplo o Brasil que agoniza no leito das torturas que lhe armaram os desmandos do regime que nos rege; quando escuto as invectivas indecorosas que mutuamente se assacam os bandos políticos que, como lobos famintos, disputam entre si as migalhas de um poder degenerado; quando constato o estado de apatia coletiva que mais parece uma saliência do caráter nacional, enquanto o povo estorce-se nas garras aduncas da miséria, da ignorância e do vilipêndio; quando vejo a honra e o talento abatidos pela exaltação da mediocridade bem-sucedida dos charlatães e pusilânimes da causa pública; quando descortino o horizonte dá impunidade e da desesperança, me pergunto: não haverá um único homem que, purificando o trato das instituições, sustenta a pátria que resvala para o abismo no fundo qual irá encontrar seu esfacelamento? Como aterradora resposta, recolho o silêncio é o desânimo”. As palavras são de 1871, proferidas por Clovis Bevilaqua, e que são o retrato desta nossa Pátria de 2023. Delas me lembrou o extraordinário amigo, culto jurista e promotor de justiça deste estado de Minas Gerais, Rômulo Aguiar Generoso, dias atrás.

O juiz de garantias.
O STF inicia o julgamento da constitucionalidade da alteração do Código de Processo Penal (CPP) que exige o juiz de garantias distinto do juiz instrutor da causa. O legislador infraconstitucional pretende que o magistrado que autoriza medidas no inquérito policial e, portanto, colhe os elementos de convicção da investigação criminal, não seja o mesmo juiz que vai instruir e julgar estes mesmos elementos quando, na ação penal, se transformarem em provas judicializadas. Os instituidores da mudança não querem um juiz tendencioso, que lá no inquérito autorizou uma escuta ambiente ou uma interceptação telefônica, por entenderem que estaria contaminado e suspeito para julgar o mérito da ação, quebrada que estaria sua indispensável imparcialidade. Quem pensa assim, me desculpem, não entende nada de processo penal. O juiz autoriza a coleta de provas, que no inquérito passaram a se chamar elementos de convencimento ou convicção, quando há indícios de autoria e materialidade. Também por este motivo, e também para garantir a eficácia do processo, poderá decretar a prisão preventiva e a busca e apreensão domiciliar, por exemplo. Todavia, para condenar ou absolver deverá ter um conhecimento pleno e uma certeza clara da culpa ou da inocência, e na dúvida deverá absolver. Por isto é bastante comum o juiz atual, imparcial e que é o mesmo do inquérito e da ação penal, decretar a prisão preventiva ou autorizar a interceptação telefônica de um réu que, ao final do processo, absolve. Lá atrás, quando decretou as medidas, havia indícios de culpa, que depois não se demonstraram suficientes para a condenação pretendida pelo Ministério Público. A coleta de elementos para a denúncia, que é o que busca o inquérito, não se confunde com a coleta da prova em juízo, e aquela opinião do magistrado que presidiu o inquérito não tem porque se manter incólume após a instrução na ação penal.

Não vai funcionar
Ainda quanto ao juiz de garantias, em termos pragmáticos, não vai funcionar. Vai ser uma confusão dos diabos e os processos vão continuar a ser anulados, porque vão acabar judicializando ao inquérito, vão acabar entronizando o contraditório judicial também no inquérito, que terminará se burocratizando e perdendo em agilidade. Resultado: mais crimes não apurados. Mais impunidade.

A Legalização da maconha.
Em particular a maconha deve ter seu uso regulamentado pelo Estado, o que não significa descriminalizá-la genericamente. Agora, isso é tarefa para o Congresso Nacional que, desde 2006 e mesmo ‘a luz da legislação anterior, de 1977, entendeu que a posse para uso de entorpecente proscrito é crime punido com penas não reclusivas, mas continua crime. O STF não pode legislar – nosso  Direito é positivado por isso. Assim o fazendo, nossa instância máxima de justiça decide politicamente e não diz o direito, não exerce sua jurisdição. O Governo da toga nunca funcionou em país algum do mundo.

Minha mãe
Os natais nunca mais serão os mesmos e o Dia das Mães doravante será de luto em minha casa. Perdi neste domingo último, um 30 de julho que virará data fúnebre no meu calendário familiar, à minha querida mãe. Dona Ivone, a única que tinha o Zupo com dois “pp” na família graças a um erro cartorário, era também ímpar em inúmeros outros aspectos. Tinha alma bondosa que seu humor oscilante não conseguia esconder. Se dedicava aos amigos como se fossem familiares e, a estes, nutria um amor incondicional que independia de reciprocidade. Tinha a capacidade de não se decepcionar com as pessoas, mesmo quando ferida pela ingratidão de uns e outros. Achava natural o erro moral, que, no entanto, repudiava intensamente. Mas perdoava de igual modo. Dedicou-se à caridade e ao assistencialismo social por toda a vida, e deixou uma legião de devotados admiradores por onde passou. Tinha e tenho muito orgulho dela, uma mulher plena, que viveu também plenamente e deixou frutos, saudades e exemplos. Vai com Deus, mãe.

O dito pelo não dito.
“A morte não é a maior perda da vida. A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos”. (Norman Cousins, jornalista americano).

RENATO ZUPO – Magistrado, Juiz de Direito na comarca de Araxá, Escritor