ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 19-08-2023 00:26 | 867
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquivo

Mais sobre as joias
A lei sempre diferenciou entre presentes personalíssimos e presentes ao Estado Brasileiro, quando da recepção destas doações a dirigentes nacionais no exercício de suas funções. Quando a lei não cuida desta especificação, o Tribunal de Contas da União o faz, com recomendações e julgamentos específicos, casuístas, que criam precedentes que irão orientar à administração pública em casos semelhantes futuros. Até Jair Bolsonaro e em 2021, presentes pessoais eram tratados como presentes pessoais e Lula se empanturrou deles durante oito anos no poder. Abarrotou cômodos do sítio de Atibaia com eles, aquele mesmo sítio com pedalinhos com o nome de seus netos, aquele mesmo sítio que não existe mais depois da descondenação do nosso atual presidente eleito. A propósito, a palavra “descondenação” cisma em sair grifada pelo corretor ortográfico do meu moderno editor de textos, que ainda não a conhece. Ainda. 

Justiça seja feita
Não devo nada a Jair Bolsonaro ou à direita conservadora. Insisti aqui com críticas por vezes contundentes a todos os seus erros crassos, durante os quatro anos do capitão à frente da nação. Foi uma presidência tumultuada, por adversários, adversidades e pelo próprio Bolsonaro, que foi um lambão na gestão da pandemia. Todavia, é um homem bom e honesto que tentou fazer o melhor, que deu o melhor de si, o melhor que conseguiu, no exercício do cargo para o qual foi legitimamente eleito. Bolsonaro me lembra o técnico Tite, derrotado em duas copas do mundo por erros dele, mas que deixa a clara certeza de que deu tudo, deu o melhor de si, foi o melhor Tite que conseguiu ser durante as duas competições. Devemos todos reconhecer às limitações que possuímos, admiti-las quando necessário, criticar quando útil. Agora, covardia não. E a pior covardia é a covardia política: criaram o crime de Fake News, prenderam Fabrício Queiroz (ainda não se sabe por qual crime), puniram Bolsonaro por ter criticado urnas eletrônicas, e agora querem incriminá-lo pela prática de um delito que jamais existiu, porque não existe crime de hermenêutica, de interpretação de normas jurídicas. Os presentes presidenciais que sempre foram personalíssimos se transformaram em evidências de corpo delito tão somente porque é Jair Bolsonaro que está, ou irá, para o banco dos réus.

Sonegação fiscal
Descobri que estou desaprendendo Direito, ou que estudei errado por trinta anos. Talvez tenha lido os piores autores ou cabulado aula, talvez minha experiência na área tenha sido devastadoramente inútil. Pelo que sempre soube, só há uma doação submetida a impostos prévios: é a doação decorrente da renúncia traslatícia de domínio. Um herdeiro abre mão do seu quinhão hereditário em proveito de outro herdeiro, quando da homologação da partilha em inventário. Só aí, quando a renúncia deflagra uma doação indireta, há impostos a recolher previamente à formalização do ato. Fora isso, doação (inclusive de presentes) somente acarreta recolhimento de impostos se dela decorrer acréscimo de patrimônio conforme venha a ser declarado oportunamente ao Leão, que é no ano fiscal subsequente ‘a dádiva. Bolsonaro receber joias de presente e tentar vendê-las, portanto, só implicaria em sonegação de tributos se a recepção de lucros acrescer consideravelmente valores não declarados (oportunamente) ao seu patrimônio. Não declarados quando necessário declará-los, e não antes. Isso só muda agora para tornar o contribuinte em questão e hipotético sonegador, que teria recebido joias como presentes presidenciais, não somente inelegível, mas também condenado. Nem que se tenha que descondená-lo depois, quando recuperada nossa normalidade democrática.

O incidente em Roma
O advogado iluminista francês Georges Danton dizia que uma das tarefas mais árduas no Direito é definir em que consistiria um crime político. Talvez por conta desta dificuldade, acabou guilhotinado pelos revolucionários franceses pouco tempo depois. Quem ofende a uma autoridade pública em um aeroporto estrangeiro comete crime político ou crime comum e contra a honra? No segundo caso, não vai ser processado no Brasil, cuja lei cria limitações para o exercício do Direito de Punir quando se tratem de crimes de menor potencial ofensivo cometidos fora do território nacional – o que é (ou seria) o caso. Justamente porque crimes mais graves, contra instituições democráticas, permitem prender, buscar e apreender e arrebentar, aqui no Brasil, se parte do princípio de que aquela família rumorosa de transgressores que ofenderam ao ministro Alex de Moraes no aeroporto de Roma atentaram contra a democracia brasileira. Não se pode defender ao indefensável: aquele pessoal é muito mal educado e não se devem ofender autoridades, quaisquer que sejam, em ambientes públicos, tão somente por descontentamento com sua atuação ou com o teor de suas decisões. Isso é falta de civilidade. Pode ser crime contra a honra, sim. Crime político? Em um Estado Democrático de Direito, diria ser impossível a esta conclusão, mas estou cada vez mais convencido de que estamos em um período de exceção em que nossos dirigentes máximos, incluindo-se aí aqueles do Poder Judiciário, entendem que fins justificam meios e que, se necessário, devemos legislar sem o Congresso Nacional. Se necessário, punamos a alguns inocentes. Se necessário, criemos leis. Tudo pelo “bem comum”. Lenin, Hitler e outras figuraças históricas também nutriam, no começo, a estas boas intenções.

O dito pelo não dito.
“A pior covardia é a covardia política”. (Renato Zupo, Juiz de Direito).

RENATO ZUPO, Magistrado, é Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Escritor.