ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 27-08-2023 01:37 | 1226
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquivo

Os bons, os maus e os feios.
A filosofia oriental relata que em um duelo do bem contra o mal, a tendência é que saia vitorioso o contendor maligno, mais acostumado a agredir e menos propenso aos pensamentos solidários ou à piedade. Engraçado, que essa linha de pensamento vai de encontro mesmo ao cristianismo, que prega a vitória incondicional das hostes celestes e do poder benevolente de Deus, senão nesta vida, ao menos no além. No entanto, a história política brasileira demonstra que os exemplos negativos é que perduram e formam precedentes e seguidores e que fazer o mal é o modo de vida de muita gente, na vida pública e fora dela – e o fazem impunemente e com o apoio do Estado, das leis e das instituições, conforme a ideologia em vigor nos altos escalões do sistema político. Os maus são vingativos e bons de briga – nisso são de uma dupla fealdade, de uma dupla feiura moral, atroz. Me lembro aqui da frase célebre:  se queres a paz, prepara-te para a guerra. Em latim, se vis pacem parabellum – que não à toa virou nome de arma. 

Ação e omissão.
Militares do alto comando da PM do Distrito Federal foram presos preventivamente (atenção pra isso) porque teriam sido omissos ao longo dos preparativos para o ataque anunciado em 08 de janeiro. Aquele ataque em que nossa polícia conquistou um recorde mundial: mais de mil  terroristas presos em um só dia! Parabéns Polícia Brasileira! 

Não é Gestapo.
Por essas e outras é que muitos internautas insistem em me pedir para apelidar a PF de “Gestapo” – a polícia política nazista. Não farei isso jamais! A Polícia Federal, como instituição, é séria. E conheço inúmeros valorosos e dedicados policiais federais que muito admiro. O que há é que nela há um respeito hierárquico profundo, uma subserviência à cadeia de comando. É ordem dada, ordem cumprida. Se, da cúpula, não sai a ordem certa, o problema é da cúpula, não daqueles valorosos policiais.

Condenação prévia.
Bom, voltando às prisões. Foram preventivas (lembram-se?). Por fatos passados: aqueles de 08 de janeiro. Os militares do DF teriam feito “corpo mole”, prevaricado, lá atráaaaaassss…, em 08 de  janeiro. E trocado mensagens de zap sobre isso. Bom. A prisão preventiva é uma prisão cautelar que visa sempre a proteção do processo, das provas e da sociedade tendo em vista uma instrução criminal em andamento. Enquanto se apuram culpas e se colhem provas, o suspeito não pode prejudicar a estes trabalhos de apuração ou tentar fugir, destruir provas, ameaçar testemunhas, etc… ou prosseguir praticando os delitos os quais é acusado e está sendo investigado.  É assim, e só assim, que se justifica a prisão preventiva. Tem que haver entre o fato em exame e a conduta do suspeito um traço de “contemporaneidade”, como já decidiram recentemente – na época de Michel Temer e por causa dele – os Tribunais, aí inclusive o nosso STF querido. 

O que passou passou?
Então, não estou entendendo. A omissão criminosa, a prevaricação, se existiu já aconteceu. As conversinhas de zap se existiram, já ocorreram. Não há contemporaneidade que justifique o decreto de preventiva, e nossos tribunais superiores ao assim entenderem não estão somente reescrevendo a história, estão reescrevendo as leis, e tornando a prisão preventiva uma antecipação da prisão em virtude da culpa que só existe, no Brasil, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Seguir precedentes está perigoso.
Se entendeu muito assim, para soltar traficantes perigosos e quadrilheiros com fuzis na mão, porque não havia indícios de que iriam prosseguir fugindo e cometendo crimes se soltos, e afinal não havia ainda condenação transitada em julgado – com base neste entendimento, primeiro Celso de Mello e depois Gilmar Mendes já soltaram um ou outro narcotraficante famoso deste nosso país perdido em alfarrábios e lamúrias.  Agora, o entendimento muda: volta a ser permitida a prisão por culpa… sem culpa formada. É mais ou menos o que eu disse aqui no auge da lavajato: vulgarizavam e prostituíram o instituto da prisão preventiva para autorizá-la como antecipação da culpa, sem culpa formada. Para quê? Pra agradar a opinião pública e porque, à época, se tratavam de criminosos políticos e do colarinho branco, desumanizados pela mídia e execrados pelos contribuintes.

Prisão extorsão.
Também por outros motivos vulgarizaram a prisão preventiva: como prova de extorsão de delações premiadas, para criar paradigmas justiceiros que depois estariam concorrendo a cargos eletivos… como todos nós vimos. Para politizar a justiça criminal brasileira – como fizeram! Um colega e amigo juiz tem por hábito seguir o que o STF entende, e há muitos outros magistrados que agem assim. Antigamente, era o mais tranquilo a ser feito. Hoje, virou um torvelinho contraditório acompanhar o Supremo. Não é só difícil depender da justiça brasileira, é também difícil ser juiz no Brasil. Muito difícil.

O dito pelo  não dito.
Quem julga pelo que ouve e não pelo que entende, é orelha e não juiz.” (Francisco de Quevedo, poeta e escritor espanhol). 

 

RENATO ZUPO, Magistrado, é Juiz de Direito

na Comarca de Araxá, Escritor.