Itamar Bonfim
Os tempos mudaram. Não faz muito tempo, isto é, há bem pouco tempo, meninos brincavam de pique, bola, caçavam de estilingue, bodoque e muitas outras diversões, tudo isto sem falar em outras festas, tipo malhar o Judas, comemorações a Santo Antônio, São João, São Pedro e 1.º de Maio.
Talvez eu seja muito saudosista, mas me enchem de saudade as festas que se faziam em Paraíso, que traziam pessoas de todos recantos da região. Como era gostoso ver e participar de toda movimentação de moças e rapazes, num organizado vai e vem que deixavam grande expectativa de rever a eleita, ou eleito, como queiram. Existia na época, além do tradicional bar e barraca do leilão, inúmeras barraquinhas que vendiam quentão, churrasquinho, roupas feitas, brinquedos e muita bugigangas.
Os mais novos que não viveram esse tempo, não sabem avaliar o quanto foi bom, as festas no Largo Nossa Senhora da Abadia, cuja marca característica era o gramado e o pó que a gente via de longe. O mesmo acontecia no Largo Nossa Senhora Aparecida, Asilo, tradicionais festas na Guardinha e nos Pimentas. Os tempos mudaram e mudaram os costumes e tradições.
Hoje a grama e o pó deram lugar aos calçamentos. Casais não dão mais as voltas no constante vai e vem, barraquinhas com bugigangas acabaram de vez, restando de tudo aquilo, vários casamentos que começaram nas festas, e que naturalmente geraram esses jovens que aí estão, e não têm a mesma felicidade que tivemos.
Os tempos mudaram, ou mudei? Não sei. Já não se fazem mais festas juninas com todas guloseimas da época. Foram-se os tempos que rezava-se o terço, com todo respeito, senhoras, senhores, moças e rapazes, respeitosamente entoando cânticos sacros, conduzindo o “santo do dia” até o mastro onde ficavam por determinados dias. Logo após, rolavam para os presentes, pipocas, quentão, batata-doce, amendoim e muitas outras coisas gostosas, além da fogueira. Ah, como era bom sentar-se perto da fogueira e ouvir deslumbrado os casos de onça, de macaco, de mula-sem-cabeça, e do terrível lobisomem que normalmente eram contados por um preto velho que atravessava descalço, sobre o braseiro.
Os tempos mudaram, ou mudei?
Está chegando maio, e logo no início do mês, precisamente dia 1.º, uma grande festa se realizava em Paraíso. É triste dizer, a toda hora, tínhamos, fazíamos, realizava-se, mas infelizmente é verdade, não temos mais as grandes festas do Trabalhador, onde a Sociedade Beneficente Recreativa Operária (Liga) realizava o grande baile do trabalhador, e após servia graciosamente suculento café, à base de pão com manteiga, leite e chocolate. Em seguida, saiam com a banda de música tocando e soltando fogos pelas ruas em direção ao velho Estádio 1.º de Maio, o campo do Operário Esporte Clube, onde a festa se prolongava com pau-de-sebo, quebra-pote, corrida do saco, da agulha, da colher, do ovo, e tantas mais. Será que realmente os tempos mudaram, ou não se fabrica mais pão, manteiga, colheres, saco ou agulhas, será que as galinhas não botam mais?
Acho que não. A verdade é que não existem mais homens que se preocupam em preservar as tradições, os homens de hoje se preocupam em assumir a direção de algum clube, simplesmente visando promoção pessoal, pura vaidade. Esquecem-se que o povo não precisa só de trabalho e promessas, o povo precisa também se divertir, mas com quê? Se os grandes responsáveis pelos clubes acabaram com nossas tradições, o Dia 1.º de Maio está aí, e não vimos em Paraíso sequer manifestação positiva.
Onde está a Liga? Virou quadra de escola de samba. Onde está o Operário? Virou reduto político, e não vê quem não quer. São assuntos que não me dizem respeito, mas têm que ser abordados, para que os dirigentes dos mesmos saibam que o povo ainda está vivo e clama por seus direitos, o que aliás são poucos.
Meus senhores, mexam-se. Promovam alguma coisa, porque isto nada lhes custa, são o comércio e indústria que custeiam essas promoções, vamos mostrar que almejamos algum cargo, o que é justo, mas não deixemos que morram as tradições.
Observação: Largo, nome usado há alguns anos para determinar praças públicas.
Publicado pelo Jornal do Sudoeste na edição de 6 de maio de 1989.