Luiz Carlos Pais
Em janeiro de 1960, a cidade de São Sebastião do Paraíso, no Sudoeste Mineiro, ficou agitada com a notícia do furto do sino do Colégio Paraisense. O caso ganhou as páginas da imprensa nacional e tornou-se em um mistério policial jamais esclarecido.
A peça de bronze, de tamanho médio, era patrimônio cultural da cidade. Durante décadas, pertenceu à Capela de Nossa Senhora do Baú, construída com a autorização do Bispo de São Paulo, no final do século XIX. Após o incêndio que destruiu o modesto templo, em 1942, o pároco da Matriz, monsenhor Mancini, colocou o sino na capela do Ginásio Paraisense, quando esse estabelecimento estava sob a direção dos Irmãos Lassalistas.
No final dos anos 1950, com o fechamento do referido Ginásio, o sonoro bronze foi levado para o Colégio Paraisense, instalado no mesmo prédio onde funcionava, no período noturno, a Escola Comercial São Sebastião. O sino passou a ser usado para marcar o rigoroso horário de início e término das aulas. Dizem os paraisenses que estudaram nesses estabelecimentos que o histórico sino produzia um belíssimo som, mas que talvez sua utilização fosse mais apropriada para reger a vida de um monastério e não de um colégio. Certo dia, cortaram a corda usada para puxar o badalo, atrasando o início das aulas. Tempos depois, o sino inteiro foi furtado.
Descrente na eficiência das investigações locais, monsenhor Mancini solicitou os préstimos do Secretário de Segurança Pública de Minas Gerais, no sentido de tentar resolver o caso. Surgiu então a hipótese de que se tratava de uma trapaça arquitetada por opositores da política situacionista, executada por estudantes que acabavam de criar um grêmio vinculado à União Brasileira de Estudantes Secundaristas.
O sino de incalculável valor histórico já havia sido roubado uma primeira vez, quando foi recuperado num depósito de metais velhos de uma cidade paulista, próximo a Ribeirão Preto. Depois de furtado pela segunda vez, nunca mais se teve notícia do paradeiro da histórica peça metálica. Para finalizar, o ilustre poeta e cronista Carlos Drumond de Andrade escreveu uma belíssima versão literária desse misterioso furto do sino da Capela do Baú, publicada na Tribuna de Santos, em 23 de janeiro de 1960. Assim, entre badaladas estudantis, policiais, políticas e até literárias, ficaram apenas a memória do sino da saudosa Capela de Nossa Senhora do Baú. (Publicado originalmente em 17 de fevereiro de 2021).
Sino Furtado
Carlos Drummond de Andrade*
São Sebastião do Paraíso, Minas (Do observador invisível deste cronista)
Encontro a cidade preocupada com um mistério policial que as autoridades se revelaram impotentes para esclarecer: o furto do sino da capela do Ginásio Paraisense, ocorrido há dias, sem que haja qualquer pista para a captura do ladrão. Este sino, aliás, tem uma história movimentada. Pertencera inicialmente à capela do Baú, de onde se retirou capciosamente um certo João, da cidade paulista de Orlândia. Não é fácil subtrair um sino. Pois João, dizendo-se estudioso de timbre dos bronzes, subiu algumas vezes ao alto da capelinha e da última, desapareceu com o sino.
A peça foi recuperada, João preso e solto semanas depois, deixando todos convictos de que levara o sino para casa só para aprofundar seus estudos sonoros. Com o tempo, suspenso o culto no Baú, o sino foi removido para a capela do Ginásio, cujo diretor é o vigário da freguesia. E aí badalava normalmente, inclusive para chamar as aulas, quando uma dessas manhãs se sentiu sua falta. Logo se pensou em João, porém este falecera de volvo.
A hipótese de tratar-se de uma brincadeira de alunos foi afastada. O ginásio está em férias, os meninos dispersos e a operação de furto de um sino exigiriam a articulação de pelo menos três ou quatro dos maiores, o que seria notado.
São Sebastião é cidade pacífica, sem ladrões. Todos os seus moradores se conhecem uns aos outros. Ninguém em particular poderia ser suspeitado. Surgiu então uma interpretação política: o sino teria sido retirado pelo grupo oposicionista, para demonstrar a inexistência de garantias sociais sob a direção do grupo situacionista. Mas um porta-voz da oposição reagiu defendendo a tese de que interessaria antes ao situacionismo simular o furto do sino para acusar os adversários como desejosos de estabelecer um clima de insegurança.
Um viajante comercial, com quem conversei agora à noite no hotel, sugeriu-me que talvez o sino fosse roubado mediante acordo interpartidário, para impressionar o governador Bias Fortes e induzi-lo a olhar para o município: se estão roubando os objetos religiosos, é porque já não há mais coisas profanas a recolher, e nesse caso cumpre mandar algum numerário para o município, mas o hoteleiro presente à conversa, riu dessa hipótese, alegando que o governo do estado não tem nem para si, quanto mais para os municípios.
No momento, o padre diretor cogita de convocar os alunos do ginásio e encarregá-los das investigações, uma vez que o aparelho policial não conseguiu localizar nem gatuno nem sino. A ideia é feliz: a juventude atual está familiarizada com as aventuras do Anjo, do Zorro, do Superman e do Superxis, podendo mesmo, se preciso, utilizar espaçonaves para perseguir em outros planetas o ladrão-fantasma.
O sino não é dos maiores, também não é tão de bolso, arriá-lo pô-lo no caminhão e sumir com ele constitui de qualquer modo uma façanha que seduz as imaginações. Começa a murmurar-se que ele foi furtado como teste, por uma quadrilha especializada, no molde dos ladrões de automóvel, que exerceram suas atividades em Minas e São Paulo, despojando os campanários de seus bronzes tradicionais.
O ramo de automóveis está muito manjado, e hoje furtá-los é quase tão difícil quanto compra-los com financiamento, daí a exploração do novo setor.
Enquanto isso, os gaiatos indagam na rua e no bar: “Foi você quem furtou o sino para economizar despertador, foi? Ou para badalara a sua propaganda nas próximas eleições”? (Jornal “A Tribuna”. Santos, 23 de janeiro de 1960.