Ontem, pela tardinha, fui conversar com o meu amigo da Praça João Pessoa, ex-Independência, ex-Aristides Lobo, ex-Cemitério Velho.
Encontrei-o triste e aborrecido. Mal humorado e nervoso.
Pudera!
O meu amigo jardim novo, como dizia o povo, é um sujeito muito grande, muito mal tratado, com uns canteiros desproporcionais, cheios de terra misturada com areia, onde as roseiras encoantram a morte, logo ao serem transplantadas.
Além do mais, o meu amigo jardim sofre de dois grandes males: falta d’água e falta de luz.
Não posso compreender amigo Dom Chicote, como é que nós, numa civilização como atual, podemos permanecer privados de duas grandes necessidades: água e luz – dizia-me o amigo jardim, e continuava a falar:
“Eu reconheço que sou um jardim enorme. Fizeram-me assim em 1922. Os meus canteiros são de dimensões descabidas.
A grama que recobre todo o meu conteúdo, isto é, todo o meu corpo, dos pés à cabeça, é de péssima qualidade. Além do mais, é plantada em terra e areia ...
Ora, assim, é humanamente impossível que eu me apresente com um aspecto encantador. Eu devia ser mesmo um encanto para todos os que me procuram. Esse é o ideal de um indivíduo como eu. Porém, os responsáveis pela minha existência, nutrem pela minha pessoa, o mais cego dos desprezos.
O senhor veja: construíram para minha iluminação, vinte postes com vinte lâmpadas, das quais, doze permanecem eternamente apagadas. De quem é a culpa? Da empresa de Luz? Da Prefeitura? Do povo? Não sei.
Os meus canteiros, coitados, já não digo os meus canteiros, as minhas roseiras, estão por aí, como se estivessem no Ceará ... Água? Nem é bom falar. Só vemos esse precioso líquido quando o santo porteiro do céu se lembra de nós...
Assim, o senhor vê, é impossível que eu consiga recuperar a minha moral abatida. O povo mesmo, não gosta mais de mim.
Raríssimos os transeuntes que aqui aportam. Nem bancos parda assentar eu tenho. E tem razão o povo de minha terra. Sou feio, mal tratado, mal alimentado, mal iluminado.
Enfim, Deus é grande. Um dia, Dom Chicote, hão de olhar melhor para mim.
E eu, me despedi do amigo jardim, bastante pesaroso, com mágoa mesmo no coração. Dom Chicote Paraíso 19/11/1934