PARAÍSO 202 ANOS

“Meu Personagem da Semana”

MEMÓRIA PARAISENSE
Por: . | Categoria: Cidades | 21-10-2023 08:36 | 85
Carmo Perrone Naves e JK
Carmo Perrone Naves e JK Foto: Blog Família Naves

Quando o Professor Carmo Perrone Naves completou 75 anos de idade no dia 14 de setembro de 1985, amigos e ex-alunos lhe renderam justa homenagem numa recepção no Rotary Club. No ensejo, o Jornal do Sudoeste também lhe prestou singela homenagem. Recém-criado, o jornal estava em sua 3.ª edição, e publicou na Coluna “Meu Personagem da Semana” entrevista de Mauro Pimenta com Professor Carmo, que aqui transcrevemos, renovando nosso respeito e admiração pelo Mestre e Cidadão, que escreveu com letras maiúsculas sua inestimável trajetória na história de São Sebastião do Paraíso.

“Estudei no antigo Ginásio Paraisense, aquele que pertenceu à paróquia. O grande diretor era Tabajara Pedroso, que também foi meu professor de Matemática. Ali mesmo me tornei professor de Aritmética prática, com o primeiro salário de CR$ 72 mil réis.

Em 1928 passei a lecionar também Aritmética teórica, álgebra e Geografia que eram matérias distintas. Mais um ano, e eu fiquei com toda a Matemática na mão, e o Tabajara só com Geografia. E até hoje venho com essa Matemática por aí afora.

Após a Revolução em 1932 fui para o Rio de Janeiro. Queria estudar engenharia. O vestibular era bem mais complexo que o de hoje. Fiz com o professor Miguel Ramalho Lobo, um curso de Matemática Superior e curso de Física e Química na Escola Politécnica do Largo São Francisco. Naquele tempo, eles franqueavam laboratório para a gente estudar, podia ir lá à vontade, não tinha problema nenhum.

Abandonei por causa do Desenho, e nunca fui bom nisso. Voltei para São Sebastião do Paraíso em 1934 e o diretor já era Lamartine Amaral. Então lecionei Física e Ciências Naturais, depois retornei à Matemática. Lecionei até nosso ginásio ser extinto. Trabalhei por cinco, seis anos, com as irmãs, e elas resolveram fundar a Escola de Comércio. Eu tinha tido a ideia de fundá-la, mas havia um curso particular de Comércio do Benedito Ferreira Calafiori, que era muito meu amigo. O curso das irmãs não foi avante, pois era só para estudantes femininos.

Então, Monsenhor Mancini me propôs reabilitar a escola e ela passou a funcionar na antiga Escola de Farmácia, prédio cedido na época pelo Carlos Grau, onde foi a Faculdade (atualmente Banco Itaú, grifo nosso). Através de procuração dada por ele, fui ao Rio de Janeiro conseguir autorização de transferência de local, direção e nome da escola. Fiz tudo de maneira muito rápida. Depois, Monsenhor comprou do Banco Hipotecário e Agrícola o prédio onde funcionou o Hotel Central, edificando a Escola de Comércio São Sebastião.

Lá em cima, o Ginário Paraisense quando os Lassalistas vieram, restamos em apenas três professores, Ary de Lima, Professor Alencar e eu. O método dos Lassalistas era completamente diferente do nosso. Então, o Ary de Lima se desentendeu com eles. Ficamos o Alencar com Latim e Português e eu com Geografia e Matemática.

Existia muita brincadeira em torno das correções de minhas provas, mas sempre fui um “catador de milho” nesta tarefa. Isto me tomava um tempo extraordinário.

Não tenho nenhum elixir, o segredo da minha juventude está justamente no contato diário com ela. Meus alunos me consideram muito, todos eles.

Vencer na vida não, porque sabe como é, até hoje é uma vergonha dizer quanto um professor ganha. Fiz muitos amigos. Isto é o que conta. Não me arrependo de ter seguido esta carreira”.

O  Jornal do Sudoeste à época solicitou “apreciação pessoal de sua esposa, Dona Margarida de Oliveira Naves, e da filha Professora Norma Perrone Naves”, que foi publicada junto à entrevista de Professor Carmo, e também transcrevemos.

“Professor Carmo conta com inúmeros amigos, próximos, distantes, simples, importantes, laboriosos e sábios. A essência que os une é a capacidade de chegar, de lembrar e de amar. Aqueles que vêm para um abraço, para um cafezinho, ou simplesmente perguntam meio tímidos. É aqui que mora o Professor Carmo? Gostaria de vê-lo.

E, ele às vezes se embaraça porque não quer deixar de reconhece-los. Mas o tempo, este companheiro “inconstante e infiel, tardio e doce”, fez com que os embaraços se tornem inevitáveis. As pessoas mudam muito, e é fácil reconhecer um mestre, que um, entre inúmeros alunos, após vinte, trinta, quarenta anos passados.

Ele recebeu uma festa bonita, que trazemos delineada na memória, por indicação de dois amigos e ex-alunos, Waner e Abnoel Bícego, a Comenda Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, em 1959, como membro da Sociedade Geográfica Brasileira. Esta honraria lhe foi conferida por seus serviços prestados à educação.

Foi vereador à Câmara Municipal durante vinte anos, tendo exercido várias vezes a presidência. Vice-presidente do Clube Paraisense durante dez anos, sóciofundador do Aero Clube de São Sebastião do Paraíso, onde foi presidente durante doze anos. Diretor do Colégio Estadual Paraisense durante dezessete anos, de onde saiu sem nenhuma glória, mas com enorme confiança de um trabalho educacional feito com a maior competência e o imenso carinho do dever cumprido. As paredes daquele prédio, ficaram impregnada de sua imagem.

Sempre pautou sua vida com a humildade dos homens sábios. Não quer citar nomes, porque não quer cair na injustiça e no esquecimento de outros, também queridos. O que o une a todos, é o respeito à liberdade de optar, e o mérito de servir sempre bem aos outros homens.

São Sebastião do Paraíso lhe deve realmente, esta homenagem. Fico Feliz em reconhecer que não temos uma sociedade omissa. E a história, um dia, sempre aponta, os erros e as injustiças. Mas o bom e o belo disto tudo é que esta homenagem, veio a tempo de ser colhida.

Como no dizer de Carlos Drummond de Andrade: “Seus ombros suportam o mundo, e ele não pesa mais que a mão de uma criança”.