ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 04-05-2024 02:11 | 1412
Foto: Renato Zupo

Reparação a ex-colônias
Portugal é um “semipresidencialismo” à la Ministro Barroso. Por lá, tanto o  presidente Marcelo Rebelo de Souza quanto o premiê (primeiro ministro) Luís Montenegro, falaram em reparação civil em proveito de ex-colônias. Dentre elas, obviamente, o Brasil. Também disseram de coloni-alismo e “crimes coloniais” – essa expressão é novíssima.

Curioso que não se utilizem dos retrovisores da História em seu proveito.

Devemos muito a Portugal. Pude discursar em uma casa de eventos de gastronomia mineira em Lisboa, com um dono apaixonado por tudo que venha das Minas Gerais. Ali e então disse o que repito agora e aqui: devemos muito, devemos demais a Portugal. Graças a ele é que somos um país continental com idioma único, muito embora a língua portuguesa nos isole do restante do mundo. Mas até este isolamento teve seu lado protetor durante graves crises mundiais. Portugal também nos deu uma independência relativamente tranquila e sem derramamento de sangue.

Por esta ótica, teríamos que reparar danos a Portugal? Também não. Digamos que nos pagamos reciprocamente ao longo de nossas Histórias entrecruzadas. Daqui nos  levaram riquezas naturais, mas deixaram a civilização ocidental, ou o que dela se desprendeu da periferia da Europa, o que já é muito para um país que, não fosse assim, seria fatiado pela Espanha ou simplesmente explorado pela França, como a pátria do “iluminismo” faria depois com Vietnã, Martinica, Haiti e Guiana. Onde o iluminismo francês pisou não nasceu nem capim.

Como é em Portugal
A nossa antiga metrópole vive décadas de governos de esquerda, e prospera. A sinistra brasileira usa o desenvolvimento recente e vertiginoso de Portugal como exemplo e bandeira, comparando o incomparável. Nada é de graça naquele país, desde consultas médicas seletivas até material escolar, mesmo do sistema público.

Curioso que a comida lá é mais barata que aqui. Consequências de um país industrializado que possui, sim, sucessivos governos simpatizantes de um socialismo de mercado. Porém, na hora de conectar sua economia, é claro que o fazem com parceiros ocidentais capitalistas. Portugueses podem ler Marx, mas são fãs do conservadorismo inglês. Curioso de novo.

A esquerda portuguesa tampouco tem qualquer semelhança com a brasileira. Não defendem por lá o paternalismo social ou o intervencionismo estatal no mercado. Vivem a plena democracia e é claro que o mundo político não é binário: esquerda e direita e pronto. Há nuances. Em Portugal, talvez estejamos diante da melhor esquerda do mundo. Ou a menos pior. Escolha como observar.

Capitalismo
Se você olhar para o  mundo que deu certo, com boa distribuição de renda, povo  instruído e feliz, vai observar também que estes países têm em comum uma economia de mercado capitalista e pouco ou quase nenhum intervencionismo estatal. Nos Estados Unidos, quando o governo intervém na economia é para proteger a iniciativa privada de carteis e propiciar mais concorrência justa. É para gerar mais empregos e renda.

Por isso, o  Congresso Americano está investigando a polêmica entre Elon Musk e o  Ministro Alexandre de Moraes.

Também já falamos disso aqui: para o liberalismo americano que vem da república procedimental pós segunda guerra mundial, a partir do New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt, é um pecado capital que um governo interfira na gestão da iniciativa privada. Entenda bem isso. O Poder Judiciário pode até punir uma empresa que transgrida leis, ou aos seus gestores.  Dizer-lhes o que se deve ou não se deve fazer, não. Como dizia meu velho e saudoso pai: nunca dos nunca. Não nos Estados Unidos.

Discursos curiosos
Incrível como perseveram ideologias que defendem o intervencionismo estatal. E discursos inverossímeis que pregam imposto de renda negativo, ampliação de programas assistenciais, intromissão no mercado, etc... Em nenhum país do mundo isso deu certo. Não se tira dinheiro dos ricos para dar aos pobres, como um Robin Hood, e não é o país que tem que fazer por nós. Primeiro, nós é que temos que fazer pelo país. John Kennedy disse isso.

Volto à inexistência de um mundo político binário. Entre os pensadores de esquerda brasileiros, é Frei Beto quem destaca que programas assistenciais têm que ser emancipatórios para que funcionem. Ou seja, o  governo ajuda aos desvalidos, para que se aprumem e parem de precisar de apoio governamental. Como pensão vitalícia, nunca funcionou.  Frei Beto, hein?

O comunismo e o socialismo não se restringem às economias fechadas, é certo. Há intenso ativismo social e segregação política envolvendo o pensamento marxista, e isso ainda prossegue no mundo todo, que continua polarizado. Foi mais ainda durante a Guerra Fria. Nela, a economia colapsou a União Soviética, não foram bombas, misseis nucleares ou o poder atômico. Ali se entendeu que não funciona o intervencionismo estatal. Alguém disse: é tudo uma questão de economia, seu idiota. E Reagan repetiu se referindo ao ex-presidente Jimmy Carter, a quem sucedeu. Ronald Reagan também defendia programas sociais exclusivamente emancipatórios – e ganhou a Guerra Fria para o mundo capitalista.

Só sobrou ele
Israel é a última esperança da sociedade ocidental judaico-cristã. Se desmoronar, acontecerá aquilo que foi previsto por Olavo de Carvalho: a orientalização do mundo globalizado, a partir da China e das teocracias muçulmanas, e da Rússia que deu uma banana para o ocidente ao invadir a Ucrânia. Com isso, mostrou que não está nem aí para o poderio bélico americano. São exemplos tão claros que não entendo como há os que não atinam para essa movimentação estratégica do leste para o oeste, conquistando através da economia (de novo ela) chinesa, pela repressão política russa, pelas teocracias bélicas árabes.

A Europa já se islamizou. Os EUA estão sendo obrigados a se defender, e a Israel, de um mundo árabe hostil que já os atacou de dentro para fora em 11 de setembro. Além disso, a economia chinesa, com trabalho escravo e infantil, com taxação inexistente para o que exporta, está destruindo a economia americana. Isto não é acidental, cara pálida.

Sobrou Israel, democracia sim, mas fechada ao globalismo do mal. Entendam a isto também. Não é que o Islã seja ruim, que o capitalismo de estado seja ruim – é bom ao menos para os chineses. É que construímos toda a nossa cultura ocidental por sobre valores que vem sendo destruídos paulatinamente. Essa conversão de credos sociais (digamos assim) não será fácil, não haverá divórcio consensual de nossas tradições angariadas em três mil anos de História. Se Israel cair, decaímos todos. O mundo ocidental precisa proteger Israel.

Nada contra
As pessoas têm muito preconceito em relação ao Islã e ao credo muçulmano. Pouquíssimos dos que criticam o Corão o leram. Consideram Maomé um impostor que usurpa Cristo – outro equívoco terrível. O Islã aceita Cristo e não vê no cristianismo um inimigo a ser vencido. Para a religião muçulmana, Jesus é um profeta, tanto quanto Mohamed, que aportuguesamos para “Maomé”. A ignorância é tamanha com o mundo árabe que até hoje não distinguem-no dos seus vizinhos persas. É como confundir a nós brasileiros com chilenos, ou alemães com russos.

O mundo árabe detém uma cultura milenar, riquíssima, que, no entanto, foi soterrada pelas teocracias. O problema não é ser muçulmano. O problema é viver em um país governado pela religião, o que acaba desembocando em ditaduras e em regimes de repressão civil e política, terreno fértil para os partidos radicais violentos, como o Hamas ou o Hezbollah.

É muito legal ser meio árabe – sou filho de libaneses católicos que fugiram do Líbano fustigados pela perseguição religiosa. Na época que migraram, havia uma teocracia governando o país e que expulsava gente de outra fé, o que não pode ser confundido com o Islã ou as regras religiosas do Corão. O problema é atribuir o controle estatal aos representantes do credo religioso, é tornar sacerdotes reis. O mundo católico viveu isso no auge da idade média. Havia exércitos comandados por Papas e a civilização ocidental quase desandou em guerras, peste, destruição. Ficamos estacionados séculos sem evolução científica naquela que ficou conhecida como “idade das trevas”. Laicizamos os Estados ocidentais, mas as teocracias perduram em parte do oriente – elas é que são o problema, não a fé islâmica.

É por isso que não entendo
Durante a Copa do Mundo do Qatar, foram muitas as críticas aos costumes muçulmanos rígidos, à homofobia e ao machismo do mundo árabe islâmico. Detonaram a Fifa por escolher o país de uma ditadura religiosa como país sede do maior evento esportivo do planeta – isto sem contar a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante os jogos.

Esse mesmo pessoal – grande imprensa, jornalistas, blogueiros, de um certo lado da política ideológica – agora defende os países islâmicos de Israel, “esquecendo-se” convenientemente de que em Israel há democracia, não há homofobia, há políticas inclusivas de gênero e que os judeus é que são vítimas de racismo pelo mundo.

Eu não entendo. Ou melhor, entendo. Você pode não tomar partido, em copas do mundo ou em conflitos políticos – sempre defendi isso aqui. O cidadão tem que ser livre para decidir, inclusive para não decidir, sem ser apelidado pejorativamente de “isentão”. Mas se tomar partido, seja coerente – e não há coerência quando o discurso é sem conteúdo e proferido somente para agradar as massas. A isto é que se chama populismo.

Azor Pimenta
Meu bom amigo Azor Pimenta reside em Miami, na Flórida, há mais de trinta anos. Vez ou outra nos visitamos e ele me deu a alegria de estar comigo semanas atrás. Com ele confirmei o que já desconfiava: no calor da Flórida (semelhante ao do nosso nordeste), há poucos casos de dengue registrados. É doença raríssima lá.

Onde há higiene pessoal e pública, onde há desenvolvimento e saúde, pesquisas científicas sérias fomentadas por governos eficientes, saneamento, esgotos e não há áreas sociais de exclusão com condições sanitárias precárias, não há dengue.

Neste momento, estou com uma amiga muito mal, hospitalizada, com dengue. Eu quase morri de dengue, como já contei aqui. Saber que a dengue não tem a ver só com o clima, mas também com a falta de higiene das pessoas e dos governos, é fundamental para entendermos o nosso atraso. E lutar contra ele.

O dito pelo não dito.
“ O SENHOR diz ao povo de Israel:
“ Você é o meu servo, o povo que eu escolhi;
vocês são descendentes de Abraão, meu amigo.
Eu os trouxe dos fins da terra, dos lugares mais distantes
do mundo, e lhes disse: ‘Vocês são os meus servos’.
Eu os escolhi e nunca os rejeitei.
Não fiquem com medo, pois estou com vocês;
não se apavorem, pois eu sou o seu Deus.
Eu lhes dou forças e os ajudo;
eu os protejo com a minha forte mão” (Isaías 41.8-10)

RENATO ZUPO – Magistrado, é Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Escritor, Palestrante.