ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 01-06-2024 00:04 | 1303
Renato Zupo
Renato Zupo Foto: Arquivo

Compras e guerras
Neste exato momento, prosseguem as guerras na Ucrânia e na Cisjordânia – envolvendo Rússia, Israel, Hamas, Irã e a invadida Ucrânia. Elas se interconectam: decorrem ambas de um governo americano fraco, protagonizado por um presidente tampão, colocado na Casa Branca para impedir a reeleição de Donald Trump – mas ele está voltando.

Eu gosto muito de invocar aqui uma frase do jornalista e escritor americano Gore Vidal, que também já foi político: “No meu país há somente dois grandes partidos: um de direita e outro de extrema direita”. Se referia a democratas e republicanos, nesta ordem, e queria dizer que não adianta por lá esse papo de agito de bandeiras minoritárias, de ideologias socialistas, de programas sociais. Na hora do voto, o eleitor americano quer saber de progresso e desenvolvimento, quer saber qual governo a ser eleito lhe dará melhores condições de prosperar economicamente.

Isto nasce da república procedimental pós Segunda Guerra Mundial – e é o nome que se dá à mudança de foco republicano na condução da economia política americana. Até então, a máquina governamental controlava as finanças visando o exercício da liberdade de direitos dos seus cidadãos, emancipando-os para o autogo-verno como verdadeiros homens livres.

Após esta fase, diante da inevitável conexão com mercados internacionais e com a consolidação da sua indústria, principalmente durante e após o conflito mundial com Hitler e as outras potências do eixo nazifascista, passou-se a considerar o regramento econômico político como modelo de incentivo ao consumo. Eleitores felizes tem dinheiro no bolso para consumir e buscar a plena felicidade terrena, que é o fim maior do estado americano.

Polícia do mundo
Estas diretrizes americanas daí em diante focam não mais na autotutela cidadã, mas nas leis de mercado – e estão parando de funcionar. A questão é toda ela dissecada pelo jurista e escritor americano Michael J. Sandell, em um dos seus excelentes livros, “O Descontentamento da Democracia”.

O que as pessoas não entendem é que o mundo inteira precisa dos EUA fortes. Não aprendemos (ainda) a viver sem este controle de mercado, político, ideológico. O “American Way Of life” dita as regras de consumo e o capitalismo exponencializado nos EUA governam o mundo ocidental. A América é a polícia do mundo – mas precisa estar forte, ter presidente forte, pra isso.

Biden não é esse cara e nunca se viu aquele país tão sem poder de dissuasão como agora. Com Donald Trump no poder, dificilmente teríamos a Rússia dentro da Ucrânia, ou Israel brigando com o resto do Oriente pela Faixa de Gaza e por causa de um bando terrorista. É certo ser uma eterna colônia geopolítica dos americanos? Não – mas é menos ruim. Vejam as alternativas que temos, mais ao oriente, e depois me digam.

Trump no poder
Com o velho Donald mandando na Casa Branca, a ameaça da Coreia do Norte e sua ditadura comunista, com testes atômicos e balísticos e ameaças declaradas, sucumbiu depois de uma conversa de pé de orelha entre Trump e o ditador norte-coreano de nome difícil, Kim Jong Un. Com este presidente republicano dando as cartas, a economia americana se reergueu, prosperou, e a questão da imigração ilegal foi contida. Novamente foi Trump quem pavimentou a retirada das tropas americanas do Afeganistão, mas sem stress e aos poucos, paulatinamente. Biden chegou e retirou todos os seus militares de lá, devolvendo na prática o controle afegão a um partido terrorista.

Com Trump no poder, vivia-se uma paz diplomática entre EUA e Rússia. Ele e Putin simpatizam, na verdade, apesar de diametralmente opostos ideologicamente. A Rússia jamais teria invadido a Ucrânia, porque a chance da OTAN aceitá-la como integrante teria sido desestimulada pelo mandatário americano – que não é bobo.

O Hamas não teria provocado Israel. O poder de dissuasão da América comandada pelo presidente republicano seria devastadora. O rastro da onça causa mais medo do que o bote dela. E Israel não estaria, como está, bombardeando tudo e todos até encontrar terroristas, perdendo aliados internacionais por conta de sua teimosia em prosseguir pegando em armas – o que resolve com aqueles terroristas é dinheiro. Ajuda internacional que invista dólares por la´ acaba com seu ímpeto guerreiro. E de dólares Trump entende.

Ele é histriônico, por vezes ridículo, arrogante? É. Mas você o quer na Casa Branca policiando o mundo e impedindo lideranças doidas de outras culturas e credos tentarem fazer o mesmo. Lembre-se: você não está convidando Donald para um churrasco ou para casar com sua filha. Ele é necessário para impor força e respeito onde a falta dele está sendo perigosa para o mundo.

Não processem escritores!
A escritora e advogada Saile Bárbara Barreto foi processada por um magistrado lá de sua terra, Santa Catarina, porque o personagem de uma das obras da autora lembraria o juiz. E ela já foi condenada a indenizar sua suposta vítima de difamação em nada módicos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). E continua recorrendo para reverter o prejuízo.

Escritores, poetas, humoristas, tem uma licença legal, não para matar, como 007, muito menos para assassinar reputações. Desde que estejam criticando, fazendo humor ou ensinando, não há crime contra a honra em seus escritos e atuações, roteiros, peças, livros ou poesias. Quem duvida, dê uma lida nos autores de Direito Penal que sempre nortearam os caminhos dos estudiosos da matéria: Nelson Hungria e Edgar de Magalhães Noronha, sobretudo o primeiro.

Sempre foi assim, de repente parou de ser – coisas de um país em que xingar presidente é direito de expressão, ofender magistrado é ato antidemocrático. Dicotômico, é o adjetivo mais educado que vislumbro, hoje, para o Brasil. O livro de Saile é de humor, ela conta causos verazes, apimentados por sua imaginação, modificados para não identificar os protagonistas das aventuras forenses que perpassou ao longo da carreira – contos para serem engraçados. Nada disso era para ofender, assustar, gerar indenizações.

Outros causos
Lembro de dois exemplos, não tão recentes assim, mas um deles bastante notório, outro nem tanto. Escribas que em um momento ou outro foram quase criminalizados por seus escritos. O primeiro deles, o ex-PGR Rodrigo Janot, que lançou livro de memórias em que narra, lembrando de um desgosto, que certa vez pensara em matar a um ministro do STF. Tão logo chegou às bancas e livrarias com bom estardalhaço – porque o livro é ótimo em mostrar os bastidores do poder – Janot foi alvo de busca e apreensão, tomaram-lhe sua arma de fogo, e lhe foi imposta medida protetiva: se afastar do Supremo e de seus ministros. Porque revelou uma vontade em um “causo” que contou.

Outro foi um colega juiz, que não vou citar o nome – mas ele e muita gente sabe do que sofreu. Em uma decisão, comentando historicamente a visão social machista sobre a mulher, em um caso de violência doméstica, salientou que o gênero feminino sempre foi visto (ao longo da história!!!) como a fonte de discórdia do lar doméstico, a origem das intrigas conjugais, desde Eva e ao longo dos tempos. Notem que ele disse isso tudo em evidentes e gritantes aspas literárias, citando visão antiga sobre o universo feminino pelo retrovisor da História, como se deve fazer. Só que ele não foi tão claro assim para muito leitor apressado, ou que nem o leu, passou por um ou dois jornalistas mal intencionados e dispostos a esquentar matéria às suas custas, e acabou processado, ridicularizado, alvo de passeatas e protestos. Isto porque formatou uma decisão literariamente mais rebuscado, com artifícios de narrativa que leitores de índice e de Instagram não compreendem, porque enriqueceu sua decisão com uma narrativa simbólica que referia a mulher oprimida de tempos antigos. Também punido porque produziu literatura.

Lições que aprendi
Os tempos estão estranhos. Duas coisas que aprendi, como juiz, professor e, principalmente, escritor: não confie muito na inteligência do leitor. Seja claríssimo. Quando não fui claro, também fui execrado – acontece. O nível de leitura das pessoas mudou muito, para pior. Se você for se utilizar de linguagem um pouco mais rebuscada, subliminar, se abusar da intertex-tualidade, não será entendido. Só por uma classe de meia dúzia de intelectuais, que se estiverem mal intencionados, vão te defenestrar assim mesmo. O perigo é ser processado e condenado por isso também – é o que está acontecendo nestes tempos estranhos em que vivemos.

O dito pelo não dito
“O simples fato de um grupo de pessoas ter elaborado uma Constituição no passado não basta para que essa Constituição seja considerada justa.” (Michael J. Sandell, escritor e jurista americano).

RENATO ZUPO – Magistrado, é Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Escritor, Palestrante.