ENTRETANTO

Entretanto

Por: Renato Zupo | Categoria: Justiça | 13-07-2024 02:58 | 670
Foto: Arquivo

Golpe de Estado na Bolívia
Mulher com ciúme de marido feio e seguro de carro velho são ações inusitadas, para dizer o mínimo. Também é curiosa a motivação de quem tenta tomar o poder na Bolívia. O país é muito pobre, mesmo consideradas suas riquezas naturais e sua baixa densidade populacional – pouco mais de 12 milhões de pessoas, a mesma da Grande SP, dispersa em uma área do tamanho do Estado do Mato Grosso, com um milhão de quilômetros quadrados. O problema é a distribuição de renda e o fato de que não é uma nação industrializada. Poucas manufaturas são feitas por lá e você nunca ouviu falar de um produto “Made in Bolivia”, a não ser aquele famoso e que dá cadeia. Há, assim, grandes desníveis sociais que aguçam um barril de pólvora ideológico atiçado a tempos pelo sr. Evo Morales – aquele mesmo ex-presidente deposto que se apropriou de uma refinaria da Petrobras enquanto estava no poder.

Não há motivo algum para se crer que uma tomada de poder, um golpe de estado, melhore as condições econômicas de um país. Ao contrário, diminui sua credibilidade no mercado internacional, seu “rating”, se quiserem falar difícil. Estas minirevoluções acontecem para tentar virar o jogo constitucional e tomar o poder a força e à revelia da democracia. Ninguém sai ganhando com ditaduras, ainda que a motivação seja justa. E quase nunca é.

Entenda mais sobre a Bolívia
Já fui pescar pelas bandas bolivianas. Somos nós brasileiros, para eles,  o que americanos são  para nós. Há shoppings centers por lá só para gringos, bolivianos só entram para trabalhar, poucos deles tem dinheiro para consumir. E olhem que o salário mínimo deles é maior que o nosso – hoje por lá o equivalente a 1800 reais. Mais um sinal de que não se pode cometer o velho equívoco de se confundir salário mínimo com salário médio – erro que muitos letrados e formadores de opinião cometem.

O comércio e a troca de riquezas na Bolívia se assemelha ao que era o Brasil na década de 1980, exceção feita à sua província mais rica, ou menos pobre, Santa Cruz de La Sierra.

Pouco importa o valor do salário mínimo boliviano, quando a maioria da população vive na informalidade ou desempregada. A Bolívia é o terceiro país mais pobre da América Latina, e por aqui tem muito país pobre. Há muitas riquezas naturais naquele país que é um altiplano, ou seja, muito  acima do nível do mar – e que obviamente não é banhado pelo mar. Eles produzem estanho, cobre e prata, e são campeões nisso, mas só vendem matéria prima. Sua capital administrativa, La Paz, é a mais alta do mundo, e é distinta da capital política, Sucre.

Há trinta línguas oficiais na Bolívia, além do espanhol, e afora esta todas as outras derivadas de dialetos tribais. Apesar do salário mínimo alto para os padrões brasileiros, 100 reais nossos valem, no momento desta nossa conversa, 123 mil pesos bolivianos. Lá há um deserto de sal lindíssimo, mas  pouco conhecido porque não se divulga e nem se explora bem ao turismo.

Entenderam? Para quê tomar o poder na Bolívia? Porto Rico também era miserável até resolver seu problema econômico de maneira radical e definitiva, e eficaz: virou protetorado dos Estados Unidos. O dólar americano manda por lá - e paga salários.

Entenda as revoluções
Falei de golpe de estado. Ele ocorre sempre que se procura por meio da força a modificação da ordem constitucional de uma nação. Todos os países ocidentais são governados (em  tese!) por leis ditadas  por uma Constituição. Há povos com constituições não escritas, como na Inglaterra, mas a constituição dos países, sua lei maior, é imprescindível para sua existência como Estados democráticos de direito.

Ainda que em alguns países não ocorram, na prática, alternâncias no poder, isto não quer dizer que por lá vicejem (tecnicamente) ditaduras.  Venezuela,  Hungria, Bielorrússia e Rús-sia são exemplos de países  em que governantes ou  partidos se perpetuam no  poder, mas  o  fazem à luz de suas constituições  vigentes.

É aí que entram os golpes de estado, as revoluções. Elas tentam burlar as normas  ditas constitucionais, e algo assustador é que sempre são  cometidos com  a melhor das boas  intenções, ao menos declaradas. Isto não importa, porque a constituição é a regra do jogo, os Estados só existem porque sua constituição assim o permite e regulamenta, e portanto elas não podem ser violadas sob qualquer pretexto.

Modificando o Estado
Há uma diferença importante entre um Golpe de Estado puro e simples e uma Revolução.  É  por conta desta  distinção é  que se discute no Brasil, e até hoje, se a  tomada do poder pelos  militares em 1964, seria uma coisa ou outra.

Na verdade, golpes de estado podem ou não redundar em revoluções.  Isto, no entanto,  somente ocorrerá quando da tomada do poder pela  força, dilacerando a ordem constitucional,  decorra uma mudança  do sistema de governo.

Não entendeu? Vamos exemplificar. As revoluções russa, americana e francesa foram revoluções de fato. Nelas, se trocaram sistemas de poder e de governo. Na Rússia czarista e na França absolutista, com golpes de estado se substituíram as respectivas monarquias por repúblicas. Nos Estados Unidos, foram expulsos os governantes monarquistas ingleses, que exploravam esta sua importante colônia – aliás, eram originariamente treze colônias– por uma República Federada.

Perceberam? Com revoluções transformam-se os sistemas políticos, apesar das constituições. Há golpes de estado, todavia, que inobs-tante tomem o poder pela força e contra a ordem constitucional,  apenas tomam o poder,  não modificam seu sistema. É o caso, por exemplo, das pseudo revoluções cubana e brasileira: transformaram repúblicas em repúblicas, e portanto não revolucionaram tecnicamente nada.

As polícias mineiras
A melhor polícia do Brasil é a mineira, a civil e a militar – o que hoje é reconhecido por todas as instituições do país. Só que esse reconhecimento não alcança sua justa remuneração, a recomposição salarial que a categoria vem pedindo ao Governo do Estado de Minas Gerais. Todas as unidades da Federação, na verdade, enfrentam problemas financeiros sérios – não há estados superavitários no Brasil, nem mesmo São Paulo.

É preciso, porém, que gestores públicos entendam que há despesas prioritárias e gastos inadiáveis. O incremento da segurança pública é um destes encargos que devem ser enfrentados por todos os governos, independente de limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, tampouco de dinheiro em caixa. Segurança é questão de vida e morte, como a Saúde. É tão importante quanto a Educação, em um país em que morre mais gente vítima de violência do que de câncer, aids ou infarto.

Não critico governantes porque cumprem a lei, e o governador de Minas é um homem sério, um político correto e um gestor conservador na administração do erário. No entanto, preocupa que a melhor polícia do país esteja perdendo seu entusiasmo, sua iniciativa e seu prestígio funcional diante da remuneração defasada, Um problema que o atual governo “herdou” de seus “ancestrais”, mas que precisa resolver urgentemente.

Por que digo isso? Porque todos nós, todos, somos possíveis vítimas de crimes. Todos somos consumidores de segurança pública e precisamos das polícias e de seus serviços essenciais à comunidade. Para isto, é preciso que tenhamos policiais satisfeitos, realizados profissionalmente, independentes, com ânimo para suas imprescindíveis atividades diárias.

Como era antes
Se não tomarmos cuidado com a defasagem salarial das polícias, corremos o sério risco de vê-las retrocederem no tempo e voltarem ao que já foi há trinta, quarenta anos atrás. Me lembro bem disso, da época em que dei baixa do Exército e ingressei na faculdade de Direito, tornando-me estagiário e, depois, advogado crimi-nalista.

Então, delegacias e quartéis eram jogados às traças, prédios em ruínas, sem acessibilidade, restos de escolas desocupadas cedidas por prefeituras, casebres dedicados a guarnições e destacamentos irrisórios de policiais. Viaturas eram fusquinhas ou variantes velhas, e não havia sequer máquinas de escrever – escrevia-se à mão! As armas eram revólveres antigos,  nada de pistolas ou fuzis e metralhadoras. Coletes à prova de  balas? Esqueça disso. Muitos policiais pagavam munição do próprio bolso com o pouco que recebiam.

Os policiais civis e militares daquela época mal terminavam  o ensino médio. Eram homens rústicos, morando  mal, vizinhos de favelas e dos criminosos que prendiam. Sua carência financeira  fomentava uma  corrupção que, se não  era generalizada, era bastante comum de se ver em delegacias de polícia.

Como é hoje
Estou,  é claro, falando de como era há quase quatro décadas passadas – eu vivi isso.  Meninos e meninas,  eu vi! Hoje,  é claro,  é muito diferente, muito melhor. Policiais são bem equipados,  em sua  maioria formados em cursos superiores, sobretudo Direito.  Há viaturas modernas, veículos caros e zero km, velozes.

O armamento das polícias é de  última geração,  elas  possuem aeronaves, tecnolo-gia de ponta, policiais moram bem e ganham salários que lhes permitem  estudar satisfatoriamente aos filhos e residir em  boas vizinhanças.  O perfil das polícias mudou mui-to, se incremen-tou bastante nesses anos todos, graças à sua  valorização, sobretudo salarial. Policiais, hoje,  são homens cultos, educados, entendedores de leis que pres-tigiam aos direitos humanos em suas  atividades. Em sua imensa maioria incorrup-tíveis.  Tudo isso angariado por conta de seu maior reconhecimento social,  profissional,  com salários dignos.

Deixar de recompor os salários dos membros das forças públicas  de segurança  pode  significar retroceder no  tempo, retornando  a um  período em que a lógica de mercado era implacável: quando se remunera mal, se atrai profissionais menos interessados, menos qualificados e por vezes pouco dedicados ao serviço  público.

Não podemos deixar que isto ocorra,  porque a segurança pública deve continuar em Minas  sendo cuidada,  e muito bem cuidada, pelas melhores  polícias  do país. Nossos policiais, afinal de contas, são nossos anjos da guarda, e os jovens brasileiros deveriam se espelhar neles, e vê-los como heróis cotidianos.

O  dito pelo  não dito:
Quando um homem assume uma função pública, deve considerar-se propriedade do público.” (Thomas Jefferson,  político e estadista americano).

RENATO ZUPO - Magistrado, Juiz de Direito na Comarca de Araxá, Professor, Escritor, Palestrante.