• CONVERSA FORA •

Perdido em Paraíso / Boa noite

por André Rodrigues Pádua e Murilo Caliari
Por: . | Categoria: Do leitor | 24-07-2024 01:10 | 87
Foto: Arquivo

Perdido em Paraíso

por André Pádua

Uma, duas, três, cinco, sete tentativas: o cadastro eletrônico não aceitava meu endereço. Vamos mais uma vez: três, sete, nove, cinquenta, zero-zero-zero. De novo, nada. Frio e irredutível, o computador assumia sua postura de esfinge e já estava pronto para me devorar quando, providencialmente salvo pela minha namorada, fui instado a conferir um por um os dados de minha residência. Ainda amargando o estresse da situação, recordei (ou melhor, fui recordado) de que Paraíso não mais possui CEP único, tendo adotado desde o ano passado o sistema de CEP por logradouro. A partir daí foi simples, já que o enigma pôde enfim ser resolvido com uma consulta rápida ao sítio eletrônico dos Correios, onde tudo sobre o assunto é disponibilizado com a devida acessibilidade.

Na busca por curar as marcas da injúria da situação de mais cedo, fui procurar informações acerca dos motivos que levam à organização dos endereços em Códigos de Endereçamento Postal – a sigla CEP. Segundo as informações oficiais, os tais Códigos são um agrupamento de oito algarismos, cada qual com uma correspondência territorial que se desdobra em regiões, sub-regiões, setores, subsetores e por aí vai, até quase atingirmos as medidas atômicas.

Trata-se de uma intrincada combinação numérica, em que cada componente significa alguma coisa para além de si mesmo, como um alfabeto secreto de fraçõezinhas espaciais, que, de acordo com os Correios, possibilita identificar com maior precisão e rapidez os logradouros de destino das encomendas e correspondências.

Com todo o respeito à tradicional e importantíssima instituição postal, que deve lá ter seus bons motivos para assim proceder: pra mim não colou. Aliás, foi no intervalo numérico de 37950-000 a 37959-999 – faixa de Códigos abrigados pela nossa provinciana Paraíso – que, pela primeira vez em vinte e sete anos, eu me senti perdido na Região Metropolitana Paraisense.

Boa noite

por Murilo Caliari

Muito me perguntam o que eu faço. O que não perguntam é o que deixo de fazer. Deixo de arrumar a cama para que eu possa lembrar do meu sono quando volto pra casa. As dobras da coberta revelam os caminhos do descanso. Ora viro pra direita e durmo abraçado ao travesseiro, ora puxo o lençol e solto o elástico que prende o colchão.

As meias estão perdidas entre o edredom, uma pequena poça de baba já secou e se torna inacessível ao meu olho da noite seguinte. O quarto está abafado, puxa a janela de correr e o metal enferrujado faz um som agudo, estridente.

Agora vejo a lua, envolta numa aura magnética, ela brilha ao pé da serra. Penso numa pessoa. Essa pessoa pensa em mim. Cada um pensa diferente.

A lua é a mesma. Troco minhas roupas pelo pijama que ganhei de natal. Faço o sinal da cruz e peço que ninguém me observe escrevendo. Falo em voz alta “vou sonhar e quando acordar vou lembrar do meu sonho”. E apago.