por André Rodrigues Pádua
Os nomes só fazem dançar pelas bocas, espetados em pontas de lápis e canetas e impregnados nas extremidades dos dedos. Vão variando seus trajes, a depender da língua de quem.
Por exemplo, o nome disso.
Para o químico são átomos e moléculas. O biólogo aqui diz: são restos de células. Para a psicóloga isso é eu e mais um pouco e para o pacato cidadão só pode ser obra de louco. Para o editor isso é um pedaço de espaço, enquanto que para o professor aqui eu corrijo e refaço. Para o advogado, é propriedade intelectual e para os sérios, a ponta solta do jornal.
Para o desamparado, isso pode ser um pedaço de cobertor, enquanto que para a namorada são momentos a menos de amor. “Isso é um garrancho!”, diz minha mãe, enquanto o amigo ri: “meu mano, não se acanhe!”. Para o tratadista isso aqui é muito, muito pouco; mas são quilômetros e quilômetros para o rouco.
Para quem tem bom humor, isso aqui é coisa boa; o pragmático vai dizer que é de gente à toa. Para o cachorro e o gato, isso é repositório de xixi. Para quem revisa, isso é mudar aqui e ali. Para o mineiro, isso é mais um trem, e para o devoto, amém.
E para mim?
Para mim, isso se chama janela, isso se chama trabalho, respiração, achado. Isso aqui é o crime que me faz virado. É mais que a última novidade eletrônica: Isso, pra mim, se chama CRÔNICA.
por Murilo Caliari
Pra quem me conheceu há alguns anos e sabe da minha ambição e meu desprendimento essa história pode parecer inverossímil, porém posso garantir que foi assim. No inverno de 2021 meu irmão me enviou um telegrama com os dizeres:
“PAPAI ESTAH DOENTE VIRGULA PRECISAMOS QUE VC ASSUMA A FABRICA NESSE PERIODO PT ESTOU EM AMSTERDAM VIRGULA CHEGO DIA 28 PT”
Fiz algumas ligações telefônicas e deixei meus projetos pessoais em suspenso. Costumo carregar pouca coisa na bagagem. Entretanto, dessa vez, levei meus aparelhos eletrônicos, os livros, câmeras, meu rádio portátil e a coleção de cds.
Na manhã seguinte já havia pegado estrada. As montanhas e vegetações no fundo da paisagem me lembravam que eu estava vivo e um arrepio fisgou minha espinha como se me revelasse que meu passado iria se fundir ao futuro assim que eu chegasse no destino.
Gastei 6 horas e 20 minutos até estacionar o Volks na frente do portão da casa do meu pai. Toquei o interfone ininterruptamente como num gesto de alegre travessura. O som inconfundível da campainha preencheu minha caixa craniana e me lembrou de quando na adolescência ansiava as visitas que chegavam para me cumprimentar.
Quem abriu a porta foi minha prima que escancarou um sorriso. Ela se mudou pra lá e era quem cuidava da casa depois da morte de minha mãe. Abracei-a tão forte que emitiu um crec das suas costas. Suspiramos.
“Tem pão velho?”, perguntei.
“Sim e sopa de agrião com cogumelos selvagens”, rimos.
A casa inundou minhas narinas com seu perfume de madeira e sua temperatura natural. Fui puxando a rodinha da mala até o piso de tacos e sinteco que conservava meu antigo quarto.
Pela primeira vez, em muito tempo, chorei. As lágrimas despencaram nas minhas bochechas quando avistei a pintura de minha finada mãe dependurada ao lado da janela. Fui no quintal procurar o jaboti, ele hibernava ao lado da churrasqueira, protegido no seu casco. Acariciei-o e voltei pra dentro.
Depois disso, a história é essa: nunca mais saí daqui. A não ser para breves viagens de negócios, deslocamentos para acertar a mudança definitiva e passeios internacionais.
Pouco depois de assumir a indústria, meu pai faleceu. Eu e meu irmão nos apoiamos, ele voltou pra Holanda e depois firmou-se na Alemanha. Quanto a mim, entendi que aqui é meu lugar. E, portanto, vou ficar aqui até que meu tempo passe e eu seja apenas uma lembrança. Como aprendi com meus pais.