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Maravilhas contemporâneas /

por Murilo Caliari e André Pádua
Por: Divulgação | Categoria: Do leitor | 05-12-2024 00:05 | 305
Foto: Arquivo

Maravilhas contemporâneas

por André Rodrigues Pádua

Por mais que as mudanças assustem em nível tal que nos faça, a princípio, a elas avesso, é difícil negar: a internet é uma das (senão a) grandes maravilhas contemporâneas.

Muito embora seja importante, e até mesmo necessário, o questionamento da efetiva necessidade de tudo isso, o conforto e as facilidades propiciadas pelos frenéticos neurônios da rede mundial de computadores são inegáveis. O enorme repositório de informações, a instantaneidade das comunicações, as inúmeras possibilidades linguísticas e expressivas… são abundantes as vantagens. Isso sem nem mencionar as tentadoras promessas da mal chamada “inteligência artificial” em termos de criação e otimização do trabalho humano.

Os contrapontos específicos aos benefícios acima enumerados valem reflexões de bolso à parte. Crônica vai, crônica vem, e quem sabe não dedicamos um pedaço de qualquer coisa a eles. Mas, a título de aperitivo, podemos citar o apressamento de nossos ponteiros, o futuro para ontem, o império das aparências, o intenso tráfego de opiniões putrefatas – verdadeiros projéteis eletrônicos de efeito moral – e o terrível drama, verdadeiramente kafkiano, de tentar descobrir por onde começar quando se pretende aprender, on-line, qualquer coisa que seja.

Em suma, maravilhosas desvantagens para maravilhosos benefícios. Não podia ser diferente. Mas, no dia em que, por algum despropósito, preguiça ou revolta, a rede se abstiver de funcionar, conheceremos a Maravilhosa Confusão.

Se conselho fosse bom...

por André Pádua

Marcelo era corretor imobiliário e pensava ser o outro. Desse modo, queria sempre aconselhar o vizinho. Seu colega do lado, surpreendido pela sua chegada repentina, pensou em segredo “Marcelo é um boçal, a soberba é o pior dos crimes capitais, não suporto seu perfume”. Ao passo que o corretor lhe pregava ensinamentos de Tik Tok, o ouvinte se desconfortava.

-Seu problema Augusto é que você mira baixo, eleva seu arco e lança acima do alvo, assim estará considerando o peso da sua ferramenta e da sua flecha e seu tiro não sairá em vão.

E veio a resposta:

-Muito me alegra sua atitude. Sou bastante grato por seu ensinamento metafórico, pela intenção em entreter-me com tal reflexão, sua sabedoria me dá força pra viver, é um privilégio presenciar este ensinamento por meio de parábola, essa diretriz vai guiar meu rumo, sua voz é um exortamento, uma lição que me assegura ter melhores observações a respeito da condição natural, sua perspicácia engloba todo meu ser no momento que me dedica o incentivo.

Sem a sagacidade de seu espírito, um sujeito simplório e bronco como eu passaria a vida toda fadada a jogar meus dardos ao léu, não houvesse empatia como a do senhor, meu mundo seria apenas esse pântano, a lavoura infrutífera rodeada de pragas onde colho somente meu desassossego e frustração.

Repentinamente o olhar de Augusto, cujos lábios esforçavam-se na pronúncia das frases acertadas e aparentava doçura, se converteu em chamas. E fagulhas eletrizantes desvelaram o ódio amargurado que se deixava brotar em seu coração.

As relações humanas são de infinita complexidade. Uma ferida não cicatrizada pode inflamar tanto como bombas explodem e venenos matam.

Sabendo disso, Augusto levantou-se do banco da praça onde repousava depois de um longo dia vendendo bilhetes sul minas cap e deixou Marcelo sozinho.

Assim, este deplorável senhor poderia guardar pra si a insignificância dos conselhos que achava servirem aos outros, e talvez, olhando para os postes que acendiam no crepúsculo, poderia então compreender que nem sempre miramos algo.

Quando Augusto foi embora, Marcelo teve tempo pra pensar sozinho e guardar os conselhos pra si mesmo.